Antigamente aqui no Capão eram poucas as gestantes que
faziam pré-natal. Quando encontrava alguma mulher pejada lhe pedia que fosse à
consulta, mas a maioria não dava a importância que hoje elas mesmas dão ao
acompanhamento da gestação. Quando do advento dos Agentes Comunitários de Saúde
(ACS) esta situação mudou imediatamente. Aqui no Vale, as agentes, mesmo antes
de termos um posto da Estratégia de Saúde da Família, partilhavam comigo e eu
com elas, os cuidados com a população. Eu atendia com Marilza Néry (técnica de
enfermagem) no ambulatório gratuito que Lothlorien – Centro de Cura e
Crescimento – mantinha na comunidade e as ACS ali me encontravam para partilhar
seus achados.
As mulheres avisadas da necessidade do acompanhamento pelas
ACS passaram a comparecer em peso e hoje, com a Unidade de Saúde da Família de
Caeté-Açu, temos praticamente 100% das gestantes sendo acompanhadas, ficando os
furos por conta da população flutuante que é bem grande.
Voltando a antigamente, cada mulher que me chamava para
acompanhar o parto era uma incógnita, o que não era confortável. Vínculo havia,
pois que a população daqui me recebeu com alegria e hospitalidade e logo fui
considerado como gente local de modo que conhecia todo mundo e era também
conhecido e até íntimo de todos, mas como não havia acompanhado faltava a compreensão,
ou seja, a preensão dos detalhes da personalidade daquela pessoa que eu ia
acompanhar, o que causava às vezes alguma apreensão. Por sorte as comadres me
alertavam quanto a determinados aspectos de modo que isso me guiava em muito.
Hoje isso mudou, com poucas exceções sabemos a cada um o seu jeito.
No início era eu só, depois descobri Marilza e isso foi uma
riqueza, agora faço parte de uma equipe, o que é a glória! Agora as ACS me
dizem dos sofrimentos e alegrias da gente daqui, a enfermeira me indica
caminhos para o cuidado, a equipe de saúde bucal partilha suas descobertas e
dificuldades, e, como se não bastasse, a técnica administrativa e a auxiliar de
serviços gerais me fazem sentir mais ainda dentro das casas das pessoas. O que
ocorre é que a maior parte da equipe é nascida e criada aqui – grande trunfo da
Estratégia – e, portanto, conhecem de dentro as lendas e as atualidades de cada
família.
Como sorte pouca é bobagem, ainda conto com duas enfermeiras
obstetras morando no Vale (Natália, minha chefa imediata, pois é coordenadora
do posto e Mariane, que já atuou como voluntária e substitui a chefe quando
esta se ausenta), e que fazem parte do grupo PARIR que lida com parto
domiciliar planejado, como são todos os atuais partos domiciliares daqui.
Os tempos mudaram, e para melhor, assim eu vejo. Está bem
que perdemos uma certa inocência (que nem sei se era inocente mesmo, ou se era
sofrimento e pobreza), está bem que o mundo “lá de fora” (como se fosse
possível “lá fora”) se imiscui intenso mudando coisas que melhor seria não
mudassem, mas trazendo também mudanças que melhor são que certos costumes
arraigados e moribundos do passado...
Bom, amanhã, segunda-feira, vou ao posto trabalhar. Desafios
a cada atendimento – ainda bem que conto com tanta gente ao meu redor! Ganhei
isso como um prêmio no correr dos anos, essa chance de ver por dentro à
comunidade. Grato gasto essa riqueza que não desgasta com o uso, recria-se
melhor a cada dia.
Em 18 de setembro de 2016, receba um abraço USF de Aureo
Augusto.
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