quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

2016

Finda um ano difícil. Para o mundo, para o Brasil, para a cidade de Palmeiras.
Aqui no Vale do Capão tivemos, do ponto de vista climático, uma amenização da seca que afeta o Nordeste há quase 10 anos. Foi um ano em que choveu com frequência, mas ainda não há sinais de que La Niña venha a substituir El Niño. Mesmo assim, esta presença maior de chuvas nos dá uma alegria em um ano onde “a política” foi terrível. O ano finda com a saída do atual prefeito que será substituído pelo eleito no último pleito.

Em sua saída, o atual prefeito nos brinda com um incremento das faltas que marcaram a gestão. Nestes quatro anos tivemos dois secretários que mostraram serviço, Aruanã e Andréa, respectivamente no turismo e na saúde. A última secretária de educação, Rosa, apesar de ser comprometida padeceu dos mesmos problemas que os demais: ausência de autonomia e de uma gestão bem orquestrada, e talvez, de excessiva filiação ao grupo governante – e os professores e estudantes sofreram; aqui no Vale do Capão os problemas variaram do transporte escolar, que obrigou a fechamento das aulas antecipadamente à degradação física da escola municipal e a falta de apoio à escola comunitária.

O gestor não conseguiu organizar uma agenda de realizações e tampouco nos brindou com uma governança coerente e consistente (com a pobreza, com as necessidades reais, com a continuidade, com a informação clara etc. do município). Difícil entender o que sucedeu, considerando-se sua formação e experiência. Eu, particularmente, não acredito em pura e simples corrupção, como querem alguns, uma imputação fácil, talvez demais. Alguns me falaram que deixou-se levar pelo senso de poder e não escutou conselhos pertinentes e perdeu de vista a realidade; outros comentam de seu dom especial para deixar-se levar pelo puxa-saquismo, dando atenção a quem não merecia, deixando de lado os colaboradores reais. Senti falta de diálogos sólidos, escuta; conversar com ele era uma luta, labuta vã, pois falava e falava, argumentava e deixava de perceber o que o interlocutor realmente queria. Gente do povo confirmou-me essa impressão. Essas coisas contam, indubitavelmente, mas não dizem tudo.

O fato é que finalizamos o ano sendo obrigados a, no posto de saúde, fazer uma campanha para arrecadar fundos com a finalidade de manter-se funcionando, o que é algo, para dizer o mínimo, triste. Contamos com amplo apoio e conseguimos os recursos de modo que funcionários exonerados puderam retornar e o material do dentista pôde ser comprado o que manteve o profissional em ação até o final deste dezembro cansativo.

Para nós, que trabalhamos na saúde, a vida não é realmente a coisa mais fácil do mundo. Em nosso posto há grande alegria todo o tempo. Muito riso, sorrisos nas faces e entusiasmo pelas atividades (que são muitas e que para serem realizadas frequentemente trabalhamos fora do horário pelo qual somos pagos). Mas detecto em mim e nos colegas um grande cansaço, um esgotamento e vejo que isso vem não apenas de um ano cheio (dia da criança; muitas palestras em sala de espera; dia do homem; consultas a mais do que o esperado em parte pelo aumento da população e dos visitantes sofrendo picadas de insetos, quedas, ferimentos...; grupos variados com rodas de conversa, tais como: idosos, se liga no peso, de pessoas com ansiedade e/ou sofrimento psíquico; atividades com estagiários de medicina, enfermagem, odontologia, assistência social entre outras atividades), mas também, dizia, o que nos esgota é não saber direito o que vai acontecer. Atrasos de pagamento, falta crônica de material e medicações, expulsão de colegas, esta sensação de que as coisas não estão minimamente seguras, e estar criando estratégias para preencher falhas e faltas que não são nossas... sinto-me cansado, exausto, desejando férias para repor as energias. Do mesmo jeito, todos.

É vero que nem tudo foi ruim, pois contamos com uma secretária de saúde (Andréa) accessível, dedicada, lutadora, mas que a nós, funcionários, parecia que atuava como se fosse uma “estranha no ninho” da governança, não tendo pleno conhecimento sequer do total dos recursos da sua pasta. O Conselho de Saúde funcionou marcantemente o que levou a alguns problemas com a gestão e, pasmem, com a direção da agremiação que congrega os funcionários, o qual não percebia o seu papel enquanto conselheiro dedicando-se a fazer oposição (coisa boa a oposição, mas tem o seu lugar) sem atentar para as normas.

Temos funcionários competentes em todas as áreas da saúde (parte deles expulsos no final da desta gestão) e contamos com nada menos que 4 médicos do programa Mais Médicos, todos originários de Cuba e muito bem capacitados. Mas não soubemos aproveitar isso adequadamente.
Aliás não conseguimos aproveitar programas do governo federal, além de promissores contatos com a secretaria estadual da saúde (um convênio não foi firmado porque um gestor anterior não prestou conta de R$70000,00 que havia recebido e, apesar do trabalho minucioso do Conselho de Saúde, o gestor atual não deu prosseguimento às disposições legais que permitiriam resolver o impedimento).
Esta é uma avaliação incompleta porque não se propõe a ser algo mais que um desabafo triste. Mais triste ainda por outra tristeza: nada disso é novo. Mais do mesmo de outros prefeitos que já aqui estiveram, uns melhores outros piores, mas...

Resta a esperança, não completamente passiva, um esperançar no dizer Freiriano, que é uma esperança ativa de gente que sabe lutar. Pelo menos aqui no Capão a comunidade assim se mostra e, portanto, vamos aguardar o próximo gestor e ver dele e nele o que nos trará de sua parte, pois da nossa, de trabalho não fugimos.

Em 28 de dezembro de 2016, recebam um abraço triste de Aureo Augusto.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O RANÇO ARISTOCRÁTICO

Fui e sou testemunha, tanto na qualidade de mero observador, como na condição de participante efetivo, de diversos movimentos de variadas matizes que buscam melhorar – alguns sinceramente, outros não – o mundo.
Quando jovem frequentei assustado o diretório acadêmico do Colégio Central da Bahia, onde cursei o científico. Foi uma época de perseguições e os militares me metiam um medo tão atroz quanto o que sentia dos líderes do diretório com seu pregão religioso anti-imperialista. Tudo bem, sou um cara medroso e por isso seguramente poucos da minha geração tiveram o mesmo grau de susto. No entanto, lembro-me que os militares estavam defendendo a democracia, contra os comunistas insanos e os líderes do diretório defendiam a democracia contra os militares que na realidade defendiam a burguesia.
A burguesia naquela época para mim era uma coisa perversa, responsável pela pobreza e pela exploração do homem pelo homem – é assim que se dizia. Depois que a mulher foi incluída na conta dos despossuídos.
O capitalismo, instrumento burguês de dominação, era a fonte de todo o mal e isso era indiscutível no meio em que eu frequentei a partir daí, e era indiscutível porque na verdade não era discutido. Resolvi ler Marx, o Capital, e me esforcei, mas me perdi o tempo todo. E, o pessoal que militava nas hostes do bem não o havia lido, exceto um único colega, que conversava muito comigo e me ensinava e esmiuçava Hegel, Engels, Marx, muito mais fácil que a leitura. Lembro-me dele, magro, curvo, nariz aquilino, pele clara como impensável em um baiano daquela época, bem intencionado até a medula, o único que realmente sabia o que falava e como tal rejeitado tanto à direita quanto à esquerda (da qual queria participar sem sucesso). A dificuldade que eu encontrava em estar a seu lado era que ele era excessivamente estudioso – e todos os excessivamente estudiosos passam pelo dilema que foi a vida de Hamlet – e eu um tanto preguiçoso e ademais lia e relia a Anatomia da Paz de Emery Reves.

Por alguma insanidade eu queria a paz. É fácil dizer que isso era porque eu era e sou um covarde, nada pronto pra uma briga. Seguramente essa característica teve seu papel, mas seria reducionismo alheio à verdade outorgar a apenas isso o meu pacifismo precoce. No plano pessoal isso era seguro, mas no plano geral, social digamos, até que era corajoso, pois estava na contramão de tantos ao meu redor que progrediam desde as brigas de turmas de rua, até a propaganda revolucionária (tanto a favor quanto contra o regime militar).
Naquele tempo eu me sentia tendo que escolher entre os militares que me tiraram tantos dos meus amigos (amigos dos quais admirava a coragem), ou os militantes de esquerda que me remetiam aos pogroms soviéticos, à invasão da Hungria e ao esmagamento da Primavera de Praga... Hoje as coisas são algo diferentes, mas não tanto a mais quanto gostaria.

Ocorre-me que temos um tremendo medo de reconhecer a diferença como essencial à vida social, como aliás vem pregando com algum sucesso o pensador Leandro Karnal. Deveríamos observar mais cuidadosamente a biologia. Onde há maior diversidade há mais resiliência e resistência ambiental. O Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, estava se degradando ecologicamente e ninguém conseguia saber o porquê. A reintrodução dos lobos fez o parque voltar à vitalidade. Eles controlaram a população de certos herbívoros que antes se proliferavam e acabaram com a vegetação rasteira na beira dos rios e córregos.

Na nossa vida social e no relacionamento dentro da sociedade precisamos de todos os tipos de gente, ou, dito melhor e mais acertadamente, de todos os tipos de opiniões. E, a oposição a um governo, se exercida em boa-fé (imploro que leiam sobre a boa-fé no “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” de Comte-Sponville), e principalmente se o governo é exercido em boa-fé é absolutamente essencial e necessária para o bom andamento da coisa pública.

Mas o que vi foi um desastre patrocinado por uma elite ciosa de seu mundinho de regalias às custas de todo um povo laborando em condições frequentemente insalubres auferindo salários ignóbeis. O Brasil entrou numa espécie de Idade Média, da qual a muito custo tateamos para sair e, as notícias que vêm de Brasília não são nem um pouco alvissareiras. Pois conquanto nós, o povo, continuamos tateando para sair, outros, que podemos chamar de “elite” às claras ou disfarçadamente tudo faz com o intuito consciente ou não de manter tudo como está, ou seja, na contramão da diversidade.
Podemos chamar de “elite” não apenas quem nasceu em berço de ouro, mas também quem o conquistou, por vias políticas ou por labuta, mas que assume uma postura classista (disfarçada ou não) – e veja que existem pessoas muito ricas que não fazem parte dessa “elite”.

Isso não ocorre porque capitalismo, ou porque comunismo, ou porque falta religião ou porque insanos. Em alguma parte de todo o processo o economicismo acabou por suplantar o cuidado do com o povo ou com a coisa pública. Não se governa pelo bem das pessoas e sim pelo bem da economia, enquanto esse “bem” mantém, por exemplo, grupos muito ricos tendo suas dívidas perdoadas para manter o funcionamento do sistema, enquanto gastos com a saúde ou a educação dos mais pobres são denunciados como abusos socialistas.

O que temos é uma junção de um equívoco, onde as pessoas são esquecidas, com a má fé de políticos e seus asseclas em um verdadeiro complô contra uma possível democracia diversificada e bela.

Vamos ver aonde isso vai chegar.

sábado, 3 de dezembro de 2016

CUIDADO DOS MORTOS

Muitas pessoas do meu conhecimento ficaram chocadas com a insensibilidade do Congresso Nacional frente ao acidente aeronáutico que levou à morte de esportistas do Chapecoense. A Colômbia fez uma bela cerimônia por conta do luto e até o serviço diplomático de outros países enviou pêsames ao governo brasileiro, o qual manteve-se praticamente como se nada acontecesse.

No entanto, se bem notamos, o Congresso e o Executivo nacionais demonstram bem pouca preocupação pelo povo, ou pelos acontecimentos que afligem à nação. Não há apreço pelo ser humano que vive na lide diária buscando o “pão nosso de cada dia”. O povo é lembrado em época de eleição ou faz-se um teatro de baixa qualidade no cotidiano político, onde os atores (deputados, senadores, presidentes...) executam uma pantomima tentando convencer às pessoas da veracidade de suas preocupações, induzindo-nos a crer que estas preocupações dizem respeito à pátria ou ao povo que mantém a pátria. Na realidade a preocupação resume-se a manter-se no cargo e ampliar as benesses que este pode trazer.
Parodiando Oscar Wilde in “O Retrato de Dorian Gray”, eu diria que a classe política, de regra, é como se fosse os produtos de uma loja de quinquilharias com todos os preços acima da tabela – ou do seu real valor. Sérios presidentes da república se sucedem, vetustos presidentes da câmara e do senado, nobres deputados e senadores, vereança – um bando de mendigos morais pavoneando-se qual cardeais da alta cúpula de uma opulenta igreja.

E a nós? Cabe-nos o silêncio mormacento dos dias de labuta tentando construir uma vida decente sob tributação indecente que mantém quadrilhas que se alternam no poder.
Não estranhemos a displicência para com parentes e amigos dos mortos, afinal, em alguma medida todos nós, gente comum, não passamos de mortos para a sanha dos abutres que se locupletam da nossa impotência.
Porém, não creio que os mortos serão sempre mortos. Em que pese o formol que conserva o cadáver político em nosso país, como no livro Incidente em Antares de Érico Veríssimo, os mortos sairão a caminhar.

Caminhamos, enquanto o tempo passa, nós, as pessoas comuns aprendemos. Aos poucos vamos olhando com olhar crítico o que nos diz a imprensa, os discursos dos políticos e seus atos, a lógica de uma economia centrada no lucro e nos que auferem os lucros.... Devagar, evolutivamente, aprenderemos a dizer não.

Os abutres políticos desdenham do tempo porque creem que vivem da morte (o silêncio das consciências), desprezam os ciclos da vida porque alimentam-se daquilo que aparentemente não muda (a desmemoria de nossa gente), desconhecem a evolução porque apoiam-se na estabilidade da ignorância que eles fomentam em segredo (a educação que produz disfuncionais).

E apesar de suas verdades elaboradas na mentira, os políticos verão o mudar dos tempos. E verão que eles são os cadáveres de sua própria imoralidade.
Sei que nem todos são bandidos, mas a maioria é, e, mesmo assim, com essa maioria, não conseguem conter a mudança que se frágua em segredo e a maioria um dia será minoria. Aguardemos.


Recebam um abraço revoltado de Aureo Augusto