Tenho andado com o tempo bem apertado. Já comentei em outro momento e repito aqui que esse papo de vida bucólica do campo só dá mesmo para quem não tem o que fazer (no sentido de que corre do trabalho). É impressionante como o tempo pare coisa! Por isso tenho escrito relativamente pouco (embora esteja escrevendo algumas coisas para a vida profissional que um dia partilho com vcs). Este texto que se segue, escrevi-o em 4/10/05, há mto tempo portanto, mas gosto de sentir de novo o que ele diz e passo pra sua apreciação:
A criança estava sentada no colo da mãe. Tinha 3 anos e uma beleza traquina com suas duas tranças saindo dos lados da cabeça. Olhou-me e abriu um largo sorriso. Brinquei um pouco com ela enquanto esperava a ficha da pessoa que já aguardava sentada na sala de atendimento. As crianças sabem encontrar uma brecha para a alegria, pensei; penso. Sei. Outro dia estava revendo as belíssimas fotos de Sebastião Salgado no livro ‘Retratos de Crianças do Êxodo’ (Cia das Letras). Conta-nos o fotógrafo que em sua labuta de registrar os tantos desastres que a humanidade impinge a si mesma, além daqueles oriundos dos fenômenos naturais, as numerosas crianças vítimas destes eventos sempre lhe pediam para que as fotografasse e ele o fazia para satisfazer-lhes o desejo. Depois de fotografadas elas se retiravam a brincar. Enquanto os adultos se matam, as crianças, aquelas que ainda conseguem manter-se crianças, brincam.
Não dou para ser pediatra, é que crianças não falam a nossa língua fácil para nós adultos. Reconheço nelas a língua delas, mas reconheço também em mim uma incompetência na tradução e, por isso, prefiro que pessoas mais afins com este tipo de linguagem se ocupem de cuidar dos pequenos (mesmo que as crianças acabem gostando de mim). Dizia que não dou para ser pediatra, e isso é a mais pura verdade, mas o fato é que gosto dos pequenos, divirto-me com eles, ainda mais porque aqui, no Vale do Capão, até o momento não tinha outro médico e, na falta de algo melhor, foi eu que atendi muitas das crianças que padeceram de algum mal. Que jeito! E se jeito não há, o que terá que haver é a disposição de se alegrar. Daí a menina de olhar travesso entrar em sua hora de consulta muito da satisfeita e depois fixar em mim seus grandes e negros olhos enquanto eu explicava para a mãe que ela estava com lombrigas, daí a inapetência que, mesmo com os vermes melhorou (contou a mãe) com o uso da multimistura que a ‘pastoral da criança’ tanto divulga. Enquanto isso a criança ria me olhando. É interessante como esta turma miúda habitualmente quando retorna para uma nova consulta ou para trazer os resultados dos exames (caso da menininha) em geral já se sentem em casa no meu consultório. Concordamos nós quatro (Marilza, a enfermeira, inclusive, que estava presente) com a terapia a ser usada e a pequena saiu saracoteando sua capacidade de transformar o mundo.
Saiu a criança derramando esperança nos olhares das pessoas...
Receba um abraço de Aureo Augusto.
Que texto fantástico... Esperança traquina... pude ir lá no meu baú e pude através de seu texto encontrar uma Kátia menina-criança que ficou tão feliz ao ser visitada e em certo sentido resgatada... É maravilhoso quando um autor consegue nos levar além de suas palavras e você Aureo sabe sempre me conduzir por muitos caminhos...
ResponderExcluirCara, eis um comentário que me dá alegria e vontade de botar mais coisas neste blog.
ResponderExcluirGRato