Trabalhar em um posto de saúde da Estratégia de Saúde da
Família é uma fonte perene de alegrias, preocupações, tristezas, e mais que
tudo de lições de vida. Penso que o ideal para um profissional da saúde é morar
no mesmo lugar em que atende, pois isso gera uma espécie de conivência com os
moradores/vizinhos de modo que com o tempo a interação é tão grande que nos
sentimos sempre em casa, assim como as pessoas que nos procuram para consultas.
Uma das premissas da estratégia é que nós profissionais
devemos estar próximos dos nossos clientes, e esta proximidade implica em
respeito mútuo. É verdade que temos determinados conhecimentos que as pessoas
que nos procuram podem não ter. Mas elas conhecem seus corpos melhor que nós.
Sabem bem mais de suas próprias mazelas e do sofrimento que elas lhes causam.
Estão dentro do problema. Assim precisamos aprender a auscultar, mas não apenas
com o estetoscópio e sim com a amizade, no sentido proposto por Aristóteles, ou
seja, filia, que é algo que não julga, conquanto constate e aconselhe se necessário.
Trata-se de uma abertura que nem sempre conseguimos, mas que deve ser
perseguida.
Vivemos, eu e uma senhora idosa aqui do Vale do Capão, uma
experiência ilustrativa. Para mim mais um aprendizado:
Esta senhora carecia de uma cirurgia para corrigir uma
hérnia. Por apresentar um quadro de hipertensão tivemos que ser bem criteriosos
no acompanhamento. Ela seguiu com rigor as recomendações alimentares e
medicamentosas. Depois que sua pressão estava dentro dos níveis normais havia
já um bom tempo, ela procurou o cirurgião (que também é clínico geral) em uma
cidade próxima. Este, quase não tinha conversado com ela e irritou-se com a
medicação que usava para pressão. Ralhou com ela e modificou a orientação. Fez
então a cirurgia por aqueles dias, embora a pressão dela começasse a ficar
alterada. Depois da cirurgia ela continuou com a medicação indicada pelo
médico. Mas a pressão disparou. Procurou-o, pagando todas as consultas,
registre-se, queixando-se da hipertensão, mas ele não lhe deu assunto quando
disse que com as medicações anteriores estava controlada. Na verdade
interrompeu sua fala e recusou-se a discutir o assunto. Acrescentou mais uma
medicação, sem resultado. Então, a senhora voltou a me procurar.
Conversamos longamente sobre como se sentia. Segundo ela, no
dia de tirar os pontos o cirurgião fora bastante rude na manipulação de modo
que ficara doendo. Examinei, propus um procedimento e ela pediu para retornar
às medicações anteriores que lhe “faziam bem”. Na conversa, juntos chegamos à
conclusão de que esta seria a melhor conduta. Cúmplices, saímos do atendimento
como dois bandidos prontos a fazer um assalto do bem.
A pressão dela já normalizou.
Em alguns momentos fico triste com a minha incompetência de
manter um comportamento adequado durante as consultas. Muitas vezes não escuto
como deveria, ou estou preocupado com o povo lá fora esperando, o com a fome e
cansaço no fim do expediente etc. Outras vezes consigo auscultar a alma das
pessoas sem precisar de um estetoscópio. Nestes momentos me dá a sensação de
que sou médico e isso me agrada. Afinal o diploma não garante que eu seja o que
nele está escrito, quem garante é a minha atitude.
Recebam um abraço médico, de Aureo Augusto.
Fico feliz de tê-lo conhecido e saber que existem pessoas tão sensíveis como vc e também como eu.
ResponderExcluirGrande abraço,
Oh, Ivone! eu é que fico feliz.
Excluirbeijão
Desculpe-me a sinceridade, Áureo, mas essa arrogância de médico que "sabe tudo", infelizmente, não é incomum. Acho incompreensível que um médico não queira escutar o paciente, saber seus temores, suas queixas, suas motivações, ou relegue as informações e sentimentos do paciente a um nível insignificante. Parece que estão lidando com máquinas, talvez até se tornassem bons mecânicos.
ResponderExcluirConheci profissionais desse tipo e é uma experiência deplorável.
Abraço.
Devo reconhecer que a própria formação do médico faz com que ele "maquinize-se". Isso é algo terrível, mas, como vc escreveu, comum. Ufa!
Excluirabraço,
Meu caro amigo.
ResponderExcluirNas últimas décadas, são poucos os médicos holísticos, como você.
Imagine a angústia dessa senhora. Imagine o desapontamento e também, a vergonha de ser tratada assim, pelo outro médico.
Claro que ela foi pacífica demais. Uma certa vez, precisei drenar um abcesso dolorido demais e meu marido me levou a uma clínica de emergência localizada na Pituba. Uma clínica de ponta e particular. Mas nem isso foi suficiente para que o médico de plantão, super mal humorado, me viu como paciente. Pelo contrário, sem muitas palavras ou delongas, lá veio ele com o bisturi e tentou, isso mesmo, ele tentou drenar o danado do abcesso. Daí, entre assustada e cheia de dores, falei que esperasse eu me acalmar e que eu precisava de uma anestiesia (tenho um limiar baixissimo para dor).
Sem me dá a menor atenção, a menor escuta e talvez com raiva de estar ali, dando plantão, ele com um resmungo, se armou do bisturi e veio para cima de mim. Só que ele não esperava encontrar uma paciente como eu. Uma (IM)paciente e que sabe muito bem dos meus direitos.
Dei um pinote e fui em cima dele, com o dedo em riste, segurando as calçolas (o abcesso foi na bunda) e disse: alto, lá. Se o senhor está com problemas, deveria ficar em sua casa e me trate bem e me respeite e bla bla bla....
Entre surpreso, assustado e enraivado, o "dotô" se levantou e abriu a porta me ameaçando no sentido de que eu não iria dormir com o abcesso sem drenar, que eu era muito problemática e que eu nem voltasse de novo no plantão dele.
Então eu gritei que eu preferia morrer do que me deparar com um médico como ele e que iria chamar o Jornal a Tarde e bla bla bla enquanto marido, tadinho, sem saber se acudia a mulher com dor ou o louco dotô..kkkkk
Por isso eu sempre falo. Tem médico e médicos. Eu poderia passar o dia aqui, encher seu post de "histórias com médicos" que eu coleciono. Tem uma super engraçada entre meu saudoso painho e um mangangão cardiologista daqui mas essa só depois.
Feliz desse povo, doutor, desse povo do Capão. Feliz mesmo, em ter um médico capacitado, holístico, humilde e com um profundo conhecimento do ser humano com um todo.
Viva a Dr. Áureo. Viva!!!!
Receba um abraço holistico e continue sempre assim. Eu amo os seus posts.
Pena que nem todos os assim chamados pacientes não respondem desta forma. Claro que mtas vezes os médicos passam por situações estressantes e merecem compreensão, mas não têm o direito de jogar em cima de quem já está sofrendo.
Excluirbjs
Dr. Áureo só conheci um medico como o Sr.foi o saudoso Dr.Domingos de Morro do Chapéu. É por isso que sou a favor
ResponderExcluirdo programa mais médicos. Um abraço fraterno. Lidia.
grato Lídia, pena que eu não conheci aquele médico.
Excluirabração
Exemplar'.........
ResponderExcluirOh! Mislene, sou grato pela palavra.
ExcluirExemplar'.........
ResponderExcluirpor isso que lhe chamo de mestre :) !!!
ResponderExcluirAtraio gente gozadora. Deve ser porque não abuso ninguém. Preciso mudar isso.
Excluirbjs querida.