Seu Elísio (o nome é falso, que ele é meio invocado e não
pedi permissão) disse que o escorpião nasce do ovo goro da cascavel e é por
isso que o veneno é tão forte. Segundo ele “quem for mordido por um dos dois
não encontra felicidade”. De onde será que veio esta ideia?
Tem algumas pessoas que me encantam pelo seu jeito peculiar
de falar e o melhor de tudo é que essa maneira de falar tem a ver com o jeito
pessoal de ver e de relacionar-se com o mundo. Um deles é Seu Elísio que é bem
regular no acompanhamento médico no posto. Tem problema com hipertensão e mais
recentemente diabetes. No início era muito óbvio que não seguia nada da
orientação. Mas sensibilizou-se aos poucos com o meu interesse – consegui até
que fosse atendido por um cardiologista em Seabra, sem pagar nada – e foi
demonstrando aos poucos maior cuidado. Hoje é razoavelmente provável que use as
medicações com alguma correção. Mas sei que quando sai pra beber não usa o
remédio de jeito nenhum. Além disso, come do jeito dele, muito especial e
carregado. E como é dono de várias tiradas interessantes e sábias, agarra-se a
elas e vive conforme sua verdade negando-se àquilo que não faz parte do
habituado conceitual em que se arruma e se reconhece.
Acho isso lindo. Gosto. Vejo que retirar do ser humano
aquilo que lhe faz sentir-se distinto é uma condenação. O processo de mudança
em uma pessoa como ele seguirá um rumo distinto do processo de outras pessoas. Paciência
devo ter se não consigo avançar na direção que eu penso ser a ideal. Cabe aqui
até algumas reflexões quanto ao que é ideal, quanto a se é desejável o ideal
que imagino, se o que ele precisa para si. Claro que sendo médico tenho o pensamento
focado em sua saúde. Porém, por isso mesmo estou obrigado a respeitar nele a
identidade, uma vez que não há saúde sem felicidade ou identidade. E faz parte
da identidade o capital cultural e o respeito ao jeito pessoal.
Nem sempre isso é fácil, principalmente quando temos a noção
de que somos donos do saber. E, na formação médica está implícito que detemos
todo o saber possível, e tendemos a ver que paciente tem apenas noções rasas de
saúde que às vezes são inconvenientes.
Creio que os educadores podem nos ensinar. Hoje sabemos que para
melhor alfabetizar uma criança devemos reconhecer o valor de suas hipóteses
quanto ao que é escrita. Sendo desafiadas a cotejar suas hipóteses com a
realidade, elas vão construindo um saber. Penso que nós médicos deveríamos usar
desta sistemática (aqui excessivamente resumida). Até porque há a possibilidade
real de que muitas hipóteses populares sejam corretas, como, por exemplo, o
conceito de alimentos remosos e depurativos. Para a cultura popular, certos
alimentos tendem a gerar resíduos negativos para a saúde (remosos) enquanto
outros estimulam a eliminação tóxica. Hoje, vemos autoridades médicas e
pesquisadores de ponta reconhecendo (com outra terminologia) esta realidade que
tem sido esquecida.
Mas no início comentei do Sr. Elísio. Realmente ser mordido
por cobra venenosa ou por escorpião dos brabos é forma de não encontrar a
felicidade. Amei este jeito de falar. Poético. E esta poesia que toca o coração
de quem escuta nos alerta para olhar dentro dos sapatos antes de calçá-los,
para que a felicidade persista mais tempo.
Lembrando que a vaidade intelectual é uma peçonha que
envenena a alma e o sentimento, dela decorrente, de superioridade nos impede de
estabelecer laços relacionais mais produtivos com as pessoas. Além disso, a
visão meramente analítica da realidade tende a desconstrui-la enquanto lugar de
prazer e alegria (sentimentos que passam a ser vistos como superficiais)
tratando-a como mundo de dificuldades. O mundo, as coisas e as relações passam
a ser problema, mais do que solução.
Recebam um abraço de coração, Aureo Augusto.
Caro Dr. Áureo, Falta na maioria dos médicos esta sua sensibilidade no trato com o ser humano, pois acredito que para tratar alguém as vezes é necessário saber o histórico dessa pessoa.Mas as clínicas exigem que os médicos atendam muitas pessoas em um dia, daí os médicos , na pressa passam por cima dessa "sensibilidade" deixando a desejar um bom atendimento. Pena que aqui em Irecê nós não desfrutamos desta sua sensibilidade. Que sorte tem o povo do Capão. Que Deus lhe dê vida longa com saúde e sabedoria.
ResponderExcluirLídia querida, sou grato pelas suas palavras, mas espero que nelas esteja também a compreensão de que sou realmente um médico legal, mas que muitas vezes não consigo estar tão harmonizado.
Excluirreceba um abração.
kkk e tem gente "invocada" no Capão? Esse seu Elísio não deve ser mole....kkkk
ResponderExcluirHoje em dia está tão ótimo! Qdo jovem não era graça (rsrsrs) - que ele não saiba que comentamos sua vida (KKKKK)
ExcluirLouvo essa sua maneira de reconhecer no semelhante, certas tendências, mas, de um ovo Goro de uma cascavel sair tanta informação, foi muito além!
ResponderExcluirKKKKKK. Vc é uma figura!
ExcluirAcho muito 'moderno' (no sentido de atualizado, ou mesmo, politicamente correto) seu pensamento holístico sobre saúde. Saúde não pode ser visto, simplesmente, como "as regras que aprendi na escola", mas conceito que engloba muitas particularidades. Incluindo as crenças do paciente sobre o assunto, o que recai nele mesmo. Quem pode descartar o poder da oração ou do vodu quando o paciente crê? Seria, no mínimo, inconsequência.
ResponderExcluirDo mesmo modo, dói-me ver como muitos profissionais de saúde tratam o caso do "reimoso" (creio que todo o Nordeste setentrional grafa e pronuncia assim). A maioria os considera 'mitos' e procura "desmitificar" o tema. Mas, acredito, a 'reima' não é só alergia, quando o organismo se encontra debilitado, tudo pode concorrer para um maior enfraquecimento e, se somada a crença pessoal, pode até levar a consão é o caso de acreditar em tudo que os 'matutos' dizem, mas conservar o bom senso e não zombar de conhecimentos que a medicina ainda não abarca por inteiro.
Abraço não-reimos.
Muito bem colocado. Excelente. Seus comentários, espero que eles sejam lidos, pq são sempre pertinentes. Grato.
Excluir"...um maior enfraquecimento e, se somada a crença pessoal, pode até levar a consequências fatais.
ResponderExcluirNão é o caso de acreditar..."
Já tinha entendido, mas valeu a correção.
ExcluirDr. Aureo, vc ainda atende consulta em Salvador? caso afirmativo, quando vc virá aqui? Qual o seu contato?
ResponderExcluirOlá Taís!
ExcluirEu estava atendendo em Salvador no consultório de uma colega psicóloga que se mudou para outra cidade. Isso fez ficar sem um lugar. Coincidiu com um momento de excesso de trabalho aqui no Vale do Capão... Minha filha, que é psicóloga, também atendia aí e está providenciando um novo lugar.
Aviso.
abraço.
Caro Dr. Áureo, o Sr. é modesto, mas eu sei que nós humanos temos falhas.O Sr. já foi meu médico lá em Ssa e falo assim com conhecimento de causa. As suas atitudes me lembram muito o Dr. Domingos. Ah, Aqui em Irecê está chovendo bastante.Chove em toda região.Abraço fraterno.
ResponderExcluirMais uma vez, Lídia, receba minha gratidão. Qdo nos dizem estas coisas nos sentimos mais fortes em nosso caminhar.
ExcluirAqui tb está chovendo. Viva!!!!!