Vanda não se chama Vanda de batismo. Seu nome é Evani...
Quando era pequena seu pai chamou-a Vanda e pegou. Isso é coisa comum. Dentro da
minha família eu sempre fui Gusto, meu irmão Carlos Aníbal, ficou Nick (porque
Milinha – que era Palmira Emília – assim dispôs), a mais velha, Maria José,
sempre foi Marizé; só Dionísio ficou Dionísio e nada mais.
No Vale do Capão tem alguns casos bem interessantes. Um dia
atendi Célia, ela me deu o nome dela como Célia, porque é Célia que todos assim
a chamam. Algum tempo depois a atendi no posto e aqui, nas regiões da
oficialidade governamental, as coisas são com carteira de identidade, a
identidade é a da carteira, então Célia ficou Sebastiana. Temos outra
Sebastiana que é Neuza. Não sei bem o que Célia e Neuza têm a ver com
Sebastiana, mas, como se diz vox populi vox
Dei. Não discuto.
Mas dizia de Vanda. Não era de nomes que queria tratar e sim
do que me disse no almoço. Ela faz a comida deliciosa que como todos os dias e
depois rimos um do outro na hora da refeição (e rimos também com e dos hóspedes
e vice-versa). Comentava que quando era criança e adolescente trabalhava muito
na casa dos pais. Ela gostava de determinados dias quando tinha que lavar a
roupa e botava a bacia na cabeça com todos os panos da casa e caminhava
quilômetros até a beira do rio onde lavava tudo. Era bom, me disse, porque
tinha muita água. Hoje o rio está seco.
Era bom, porque tinha muita água. Hoje o rio está seco.
Estas palavras são, para mim, atordoantes. Assustadoras mesmo.
Estou acostumado a ver na televisão os documentários sobre as modificações que
a Terra vem passando no passo lento do tempo. Milhares de anos e o gelo
retirou-se vagarosamente do Hemisfério Norte, liberando um mundo que estava
mermando sob o peso cristalino do frio. Milhares, milhões – são números
geológicos. Gostava de me refestelar no conforto do tempo contado em milhões ou
bilhões. Não me dá a mínima segurança saber que um caudaloso rio há uma ou duas
dezenas de anos atrás hoje é um caminho onde minguam o pasto e os animais e nas
margens do qual as pessoas ruminam lembranças da infância.
Moro no Vale do Capão há 30 anos e vejo que o mundo mudou e,
pelo menos climaticamente não foi para melhor. Neste momento a seca assola a
Bahia e o Nordeste. A pior dos últimos 60 anos. Depois teremos um período mais
ameno, mas menos chuvoso do que o ameno anterior. Aqui no Capão o tempo está
claro, claro demais, pois que o sol faz as folhas minguarem antes do seu tempo.
Claro porque as nuvens não beijam o solo com suas gotas de frescor. Tão claro
como pode ser triste o pensamento de que o mundo, ou pelo menos este mundo está
se desertificando. Muitos córregos que antes eram perenes, hoje jazem
desaparecidos no matorral. E com eles somem certos bichinhos que fizeram ali
uma casa úmida e agradável. E olhe que o Vale do Capão é um oásis por assim
dizer nessa região. Temo que o oásis metafórico se torne geográfico rápido demais.
Gosto de limo e de musgo. Agrada-me o frescor da água
corrente e dos recantos úmidos deste pedaço do paraíso. Temo que o mundo esteja
mudando não pelos milhões e sim pelas dezenas e até pelas unidades de tempo. Às
vezes sinto que as coisas de alguma forma dirão a todos nós suas verdades e que
nós escutaremos, já em outros momentos fico apreensivo.
Recebam um beijo úmido no coração, Aureo Augusto.
Não se afobe, Áureo, as mudanças são lentas, graduais e efetivas, e sempre aconteceram,
ResponderExcluirnós é que às vezes as percebemos e outras vezes não. Não houve um tempo em que o mundo todo
esfriou? Assim se formaram geleiras. Talvez estejamos numa época em tudo deve se aquecer.
Desesperar? Não adianta, os ciclos se sucedem do mesmo modo.
Abraço geológico.
grato TEsco,
Excluirmas não sei não, acho que tem coisa rápida demais!
Sábias palavras de um homem que, ao notar determinadas mudanças, não fica sentado aguardando pelo que virá. Caso pareça-lhe possível interferir e participar do processo de transformação, inspirando corações e mentes das pessoas com as quais convive, ele fará. Não vejo alguém a se desesperar com essas palavras, mas vejo sim, alguém que não está disposto a esperar. Vejo a esperança de uma pessoa que, como tantas outras, já se deram conta do seu papel na construção de uma outra forma de se relacionar social e ambientalmente. Forte abraço e gratidão pelo compartilhar de inspirações...
ResponderExcluireu é quem agradeço por suas palavras. Olho aqui da janela o céu absurdamente azul. Lindo azul, mas reconheço algo de absurdo no fato de que estamos vivendo a pior seca nos últimos 60 anos. Dizem que é fenômeno recorrente. OK. Mas o desmatamento ao redor das nascentes maximiza o efeito da seca. Todos nós temos alguma responsabilidade.
Excluirabraço.
Meu caro doutor Áureo, eu te entendo. E como entendo. Eu também sinto estas angústias. Sou virginiana, elemento terra e bem sei das mazelas que a Mãe Natureza está sofrendo. E é complicante.
ResponderExcluirPor essas e outras, que eu vibro de feliz, ao precisar usar meu cobertor de lãzinha aqui em Cações, em quase verão. Sim, eu durmo de cobertor ainda mesmo o inverno já ter se ido embora. Mas a região, acinturada pelas matas ainda nativas, cheia de nascentes e o próprio mar, favorece este clima delicioso. Eu sempre digo que eu tenho uma casa reversível: da praia para as montanhas.
Mas me preocupo e muito. Na minha linda e histórica terra nativa, Nazaré das Farinhas, o rio que outrora eu brincava, tomava banho, andava de canoa, morreu. Isso mesmo; Morreuuuu.....virou um pasto, sei lá. Me corta o coração...
Entendo tu.
Receba uma braço cheio de orvalho.
Abraços.
Horrível, não é? Acredito que nós todos precisamos atentar para cada atitude e nelas ver o que piora ou melhora as coisas e tentar mudar.
Excluirbjs
Caro Dr. Áureo, moro em Irecê, numa fazenda e já passei por muitas secas mas esta é a pior de todas. Vejo a caatinga se acabando e o sol inclemente a matar quase tudo.Aqui eu não tenho gado, ainda bem, pois vi rebanhos dizimados. Fico apreensiva, mas eu ainda acredito nos homens. Que Deus abençoe o nosso sertão, e todo Nordeste brasileiro.
ResponderExcluirDizem que estas secas são sazonais e que respondem a condições globais naturais, mas o pior é que o desmatamento (inclusive perto das nascentes) segue. Aí fica mais difícil para o ambiente resistir à seca.
ResponderExcluirA cobertura vegetal é uma proteção.
Também sigo acreditando.
bjs