Precisamos de não, porque se tudo é sim
não se instala a felicidade.
Às quartas, 7 horas da manhã, tenho um compromisso
delicioso: O grupo de senhoras da unidade de saúde onde trabalho. Ali fazemos
ginástica psicofísica e depois uma roda de conversa. É um dos momentos mais
agradáveis do meu trabalho. Um dia pedi que me falassem da vida delas quando
eram jovens. Não era brincadeira. Trabalhavam muito, desde crianças, cuidando
de roça, de irmãos menores, catando lenha... Quando queriam comer algo
diferente, nos poucos momentos em que estavam livres, iam catar mamona nos
terrenos baldios, para tentar vender e com o pouco que auferiam compravam na
feira um peixe seco ou um pedaço de requeijão para trazer uma satisfação
diferente da comida habitual. E esta era o feijão, arroz e farinha. As verduras
vinham do mato. Elas me trouxeram e fotografei várias plantas que eram usadas
na cozinha do Vale do Capão em tempos idos. Maria gondó, quiabinho, serralha,
berduega, mangerome, taioba etc. Plantas rústicas e nutritivas. Além disso, o
godo de banana e a jaca verde esmiuçada e cozida (hoje conhecida como palmito
de jaca), ou caroço de jaca cozido completavam a alimentação. Às vezes o pai
trazia uma caça, ou conseguiam badogar um passarinho.
No mais era trabalho, muito trabalho. Mas não perdiam
oportunidade de diversão. Conversas à luz da lua faziam parte da vida, até a
hora que os pais chamavam para a cama, pois o acordar era com o chegar da luz –
o sol no Capão nasce mais tarde por conta das serras (da Larguinha a leste e do
Candombá a oeste) altas que o escondem, mas o dia com seus passarinhos e a luz
filtrada pela frequente neblina cedo nos convida à vida desperta.
A cada 15 dias havia a quermesse, um forró com leilão de
produtos doados pelos próprios habitantes com a finalidade de arrecadar fundos
para a festa de São Sebastião em janeiro. Era um grande momento. E a festa do
santo padroeiro era o ápice da vida, único instante em que se inaugurava traje
novo de chita. Natal? Aniversário? Não, não eram comuns estas celebrações.
Depois que contaram muitas histórias de padecimentos e
trabalhos pelos quais passaram perguntei a elas se eram felizes e foi
unanimidade a resposta positiva. Começaram a contar como era maravilhoso por o
vestido novo em janeiro, ou aguardar o forró pra se exibir (muito discretamente
para os pais não castigarem), ou saborear aquele peixe, ou o converseiro
enquanto catavam café – coisas simples, pequenas alegrias que ‘maculavam’ de
dons o marasmo cotidiano. Riam enquanto contavam e celebravam as coisas alegres,
as bramuras, a festa, os olhares, o ajudar-se umas às outras no namoro e no
casamento...
Então lhes perguntei se achavam que os jovens de agora são
tão felizes hoje, como elas eram ontem. Também foram unânimes no dizer que não.
Estão sempre queixosos e alguns revoltados ou deprimidos. Outros não se
queixam, mas tampouco se alegram. Vivem uma vida sem pontos altos. E, segundo
elas, “tinham tudo”. As condições de vida hoje são maravilhosas, no entender
delas. Escola, computadores, televisão, mais empregos, facilidades, carros, mil
coisas. Por que não são tão felizes quanto era de se esperar?
Pensamos que o fato de terem tudo à mão e mais desejos,
muito mais desejos, cada vez mais desejos, ter mais do que podemos alcançar, e,
deixar de olhar com gratidão e graça o tanto que já temos é algo que nos torna
infelizes. Hoje vivemos uma sociedade onde o sim virou obrigação, quase
religião e, assim perdidos no enorme não que tanto sim construiu com a
argamassa dos desejos a alegria vira moeda, coisa que se guarda na carteira e
que some na consecução das coisas. Mas não perdura por não ser auto realização.
A coisa não se resume a isso, mas disso se faz também.
Recebam um abraço repleto de não de Aureo Augusto.
É um paradoxo moderno, quanto mais facilidades temos, menos felizes ficamos.
ResponderExcluirAcredito que isto se deva, basicamente, a dois fatores:
Primeiro, a mídia a nos bombardear incessantemente com 'novidades' que
"não podemos deixar de adquirir".
Segundo, a filosofia vigente que nos assegura que "o importante é ter".
Assimilando isso, não há como sentir-se satisfeito, feliz e pleno de paz.
Desde que começamos a assistir televisão (o cinema dava tempo para serenarmos)
e se implantou o "american way of life", que ficamos assim, ansiosos e desejosos.
Precisamos sim, urgentemente, implantar o não nessas mentes que
aceitam tudo que veem como se fossem fatos naturais.
Precisamos, não retornar ao tempo de juventude das senhoras do Capão, o que,
além de impossível é indesejável, porém, retornar a desejos mais salutares e
desvinculados da imposição da mídia.
Isto parece impossível, é difícil, mas é viável.
Educação e reeducação são as chaves.
Abraço rebelde.
Faço minhas as suas palavras, Tesco. Janis Joplin disse à Revista Rolling Stones: "Não é o que não temos que nos faz infeliz, é o que desejamos ter". Ela não soube encontrar solução para este "o que desejamos ter". Mas enfim, deixou a dica.
Excluirabração.