Temos numerosas dívidas culturais com os gregos antigos e
sempre devemos agradecer-lhes pela sua engenhosidade na inauguração de vários
instrumentos sociais essenciais para nós. Uma das mais belas criações gregas é
a democracia. Vivemos em um mundo onde a vida e a opinião de um ser humano
individual é valiosa, tanto quanto a vida e a opinião dos demais, independente
de suas posses ou poder político. Foram os gregos quem primeiro admitiram isso
e experimentaram um sistema político onde o povão pôde ter sua voz escutada na
decisão dos rumos da sociedade. Rendamos preito aos gregos, ou helenos, como
eles preferiam ser chamados.
Mas, como era de se esperar, já que se tratava de uma
primeira experiência, a democracia grega tinha vários pontos que merecem
reparo, embora estes pontos negativos não desmereçam seus esforços.
Um destes pontos é que a mulher não participava do governo,
situação compreensível se pensamos que até hoje a mulher não tem os mesmos
direitos e só no século passado começaram a ter direito a voto. Na sociedade
grega a mulher era bastante segregada. Vivia interdita. Pertencia ao pai e
depois ao marido que a guardava ciosamente em uma parte da casa chamada
gineceu. No entanto, apesar de toda a opressão elas conseguiam preservar alguns
costumes que lembravam a posição que ocupavam na sociedade pré-helênica. As
Tesmofórias são um belo exemplo disso.
Tesmofórias eram festas das quais participavam apenas as
mulheres. Nenhum homem podia presencia-las em nenhuma hipótese e elas tomaram o
cuidado de nunca registrar o que faziam ali para que os homens não metessem o
bico. Por isso hoje em dia os estudiosos sabem apenas que elas aconteciam, também
que ali ocorriam rituais específicos para as deusas Core, Demeter, mas fora
isso são um mistério tão real como é a alma das mulheres. Aliás esta é uma
prova de que as mulheres são capazes de segredo, ao contrário do que se costuma
divulgar por aí.
O dramaturgo Aristófanes criou uma peça onde um parente de
Eurípedes (outro dramaturgo) se disfarça de mulher para participar da celebração
feminina e é descoberto. Ele seria morto pelo tribunal de mulheres e só não o
foi, porque o próprio Eurípedes foi negociar com as mulheres. A peça mostra que
os homens gregos, apesar de todo o seu machismo, reconheciam às mulheres aquele
seu direito a encontrar-se e celebrar-se sem a intervenção masculina.
E o tempo passou e à mulher nada mais restou que continuar
resistindo, tantas vezes lançando mão de subterfúgios elaborados
inconscientemente, outras tantas conscientemente laborando para manter-se em
sua integridade e força, outras tantas instrumentalizando-se como veículo do
próprio mal que a oprimiu... Hoje, vejo um mundo novo reacendendo o horizonte
de uma época, espelho de um remoto passado (que Riane Eisler no excelente “O
Cálice e a Espada” chama de gilânico – onde os gêneros se respeitavam como
iguais), porém postado com vistas ao futuro.
Vejo esse futuro nas minhas amigas que sabem o que querem e
dizem o que manda o coração, e, que conseguem escapar da fácil reação
opositora, onde a afirmação de si é mantida pelo ato de denegrir o outro.
Este feminino acolhedor e forte me traz o esperançar de que
nos fala Freire, o educador.
Recebam um abraço feminino de Aureo Augusto.
Acredito que o amigo vai gostar de ler "As bodas de Cadmo e Harmonia", do italiano Roberto Calasso. No Google se acha comentários. Um banho de mitologia grega em abordagem criativa e chapante...
ResponderExcluirGrato pela dica, meu amigo. Vou gostar tb de ler seu livro recém lançado.
ExcluirAbração e sucesso.