sábado, 23 de janeiro de 2016

GLÓBULOS MÁGICOS DA REALIDADE

Estava já no final do expediente, ia de um lado a outro pra tentar resolver a situação de uma mulher que chegara em mau estado e queria eu que fosse para o hospital. Procurava o motorista da ambulância, explicava ao marido... Maria Alda passava a chuva na varanda do posto, parei um pouco pra olhar o mundo encharcado.

O motorista já vinha e Cida, técnica de enfermagem, estava pronta pra acompanhar a mulher até Palmeiras donde seria recambiada até outra cidade (com hospital). Maria Alda é da zona rural de Boninal, casou-se com um rapaz daqui do Capão e adaptou-se primorosamente ao cosmopolitismo daqui. Todos os dias desce do Engenho Velho, onde tem a horta e a casa, a vender verduras, artesanato ou cristais brutos, mas mais do que tudo, vejo que gosta de bater perna e conversar. O mundo espalhava-se à tarde e as cachoeiras rugiam nas serras (contei oito entre o Batista e a Rua). Gente de tudo quanto é canto assombrando-se com tanta água e beleza. Dizia Alda que seus tomates estavam estufando e rachando, que tomate não gosta muito de chuva, complementava que ainda bem que teve o período de seca, quando seus tomateiros produziram como nunca. Ri comigo mesmo da beleza de sua fala inocente, contente de sol e feliz de chuva.

E lá se foi a ambulância... fiquei olhando o mundo enquanto voltava a pé pra casa, vencendo os quatro quilômetros que separam e unem minha casa ao posto de saúde. Escutava a água embelezando o mundo, construindo verdes e sorrisos. Amigos se aproximavam e ríamos juntos enquanto meu passo coincidia com o deles e depois se despediam nas curvas de seus destinos...
A ambulância atolou feio e não teve jeito que não voltar, pois naquela noite ninguém saiu do Vale. Cida me telefonou pra ver o que fazer. Recomendei mais soro na veia, manter os demais procedimentos e a técnica dormiu aquela noite no lugar de trabalho. Gosto de ver Cida trabalhando no seu silencio de poucos risos, mas labor cuidadosa.

Gosto de deliciar-me com cada pessoa e coisa que me atravesse o passo, vive na minha campanha por mais ou menos tempo, ou se vai. Cachoeiras ou poeira no pneu nos carros; lama fazendo pés deslizarem; Seu Joãozinho sentado na porta destilando sabedoria em palavras rápidas; mangas; ruído ríspido da enxada na terra fria, abrindo passagem pra água íngreme; pitangas; crianças em bandalheiras discretas na água e terra propícias a bolos de lama, represas e resfriados; maçãs no pezinho tão pequeno no meu quintal, gotas de água pendentes das folhas, indecisas se caem ou não; vozes dentro das casas ininteligíveis mães chamando filhos a banhar-se; homens nos bares relaxados em suas prisões e liberdades; um violão ali; pássaros titilando; caio no meio desses glóbulos de vida deslizando-se sorrateiramente na minha realidade tornando-a estranhamente mágica e deliciosa quando noto. Há, portanto, que notar.


Recebam um abraço sorrateiramente mágico de Aureo Augusto.

5 comentários:

  1. Dr. Áureo, a chuva maravilhosa alegra a todos nós. Aqui na roça onde moro as plantas falam os pássaros cantam e os agricultores não se aguentam de tanta felicidade. Amo a chuva mas também amo o sol. Chuva aqui é vida com muita saúde e alegria. Viva o sertão, a chapada e o Brasil lindo.

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  2. Viva a nossa Chapa que é mágica!! Depois de um incêndio devastador (criminoso)a mãe natureza nos dá a chuva , a Chapada renasce com mais força e VIDA!!um grande abraço.

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    1. Abração, Ada. Aliás uma bela resposta. Vc viu as fotos das flores dos candombás?

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