Dinha é uma pessoa generosa. Como poucas. Precise dela e verá. Sua bondade manifesta-se clara e fácil. Já houve quem se aproveitasse disso, o que é uma pena, mas é assim mesmo, como diz o povo daqui. Uma vez alguns rapazes, vindos de uma caminhada lá do Pati, passaram na casa dela e perguntaram se havia comida. Disseram que eram moradores “das Campinas”, uma comunidade alternativa que existe no início do caminho que vai dar em Lençóis. Como ela gosta do pessoal da comunidade, deu de comer aos caminhantes. Logo saíram felizes e, como eu estava indo para os lados do sul (que é o lado da casa de Dinha), cruzei com eles assim que deixaram a casa dela, o que ela percebeu. Perguntou-me se os conhecia e neguei. Quis saber se eram residentes daquela comunidade e eu disse que não porque à época conhecia bem todos os moradores de lá. Ela se aborreceu. Mas nem por isso abandonou sua generosidade. É que esta virtude costuma se enraizar com força nas pessoas que a desenvolvem. Talvez porque além de ser uma virtude é uma alegria, já que, de certa maneira, é uma forma de amor. Os povos mais primitivos têm-na na mais alta conta. Nos ensina Etienne Samain no seu livro Moroneta Kamayurá que entre as tribos do alto Xingu os líderes são tão mais respeitados quanto mais generosos forem. Interessante comparar com os costumes celtas, onde o líder só era querido e respeitado na mesma medida. Isso, evidentemente, não implica que não tenham outras qualidades, mas esta é muito importante. Alguns psicólogos evolucionistas, ou darwinistas, consideram que a generosidade é uma estratégia de um tal gene egoísta, que nos inspira a certas atitudes com o interesse de se autopreservar. Acho essas explicações um tanto estapafúrdias porque o mero bom senso me diz que a autopreservação pura (que seria um egoísmo) jamais levaria à doação de bens, pelo contrário, trataria de acumula-los. Dinha, fosse puramente ‘autopreservadora’, não sendo ela uma pessoa monetariamente rica, veria no pedido daqueles caminhantes uma ótima oportunidade de ganhar dinheiro, que lhe fortaleceria a renda, principalmente se levarmos em conta o fato de que ela nada devia ou deve ao pessoal “das Campinas”; ainda mais se levarmos em conta que ela e sua família mourejam e muito para conseguir viver satisfatoriamente. Penso que às vezes os cientistas estão tão envolvidos com uma determinada explicação do mundo que se perdem da realidade. E nisso não são diferentes de nós, gente comum, e relativamente ignorante. Mas gosto do que comentou o biólogo Rolf Bencke em seu prefácio ao livro de Varela e Maturana, A Árvore do Conhecimento; disse que todos os seres sociais, inclusive nós, humanos, temos um impulso biológico fundamental para a cooperação e mesmo para o altruísmo. Dinha, assim me parece, corresponde com profunda leveza e tranqüilidade a este impulso.
Seguramente alguns, observando os noticiários, perguntam-se onde está este tal impulso biológico altruísta, uma vez que já estamos saturados de escutar ou ler as notícias de tantas mortes, guerras, roubos, extorsões etc. Sim, a generosidade pode não estar tão à mostra. Talvez seja porque, culturalmente aprendemos a não ter tanto interesse pelas boas notícias. Observe: Quando acontece uma situação desagradável rapidamente junta gente para ver; não é o mesmo número se acontece algo edificante. Mas isso não significa que não nos emocionemos com o bem, pelo contrário; o Brasil, tão rico em notícias lastimáveis, também é rico em gente que ajuda aos demais e de vez em quando, nos noticiários, espremidos entre as histórias terrificantes encontramos notas sobre aqueles que são como minha vizinha, Dinha. E estas notícias nos tocam o coração. Somos bem egoístas, não nego, nós os seres humanos, talvez tenhamos também um impulso biológico para o egoísmo, afinal não fosse nosso desejo de sobreviver, não viveríamos. No entanto, me parece que a generosidade é mais freqüente do que imaginamos. Precisamos apenas retirar os óculos de ver miséria e limpar os olhos com a água de ver generosidade.
Recebam um abraço de Aureo Augusto.
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