quinta-feira, 1 de setembro de 2011

AQUILES, GLAMOUR, VELHICE e PAZ

Escrevi a poesia que se segue no dia 11/7/04. Há um bom tempo, portanto. Inspirei-me em algumas pessoas de vida muito intensa, como Joplin, Hemingwai e Cazuza. A epítome deste tipo é Aquiles e por isso coloquei-o no título: AQUILES E A VELHICE

Você não precisa morrer
Para se sentir vivo;
Para viver e sentir-se ser
Não precisa desgastar-se
Nem se drogar até a morte
Ou morrer de má sorte
Matar pra se sentir forte
Deixar de trabalhar
Nem se exaurir no labutar
Amealhar uma fortuna
Poupar forças ou desperdiçar.

Você não é mais vivo porque famoso
Menos insignificante porque reconhecido
Visto que é verdade que a glória
Por obras conseguidas, rosto formoso
Ou palavras sábias nada eterniza, nem o nome.

Porque o tempo passa e o pó
Termina por cobrir a toda fama, toda a forma
Sob a enxurrada dos anos tudo some;
Portanto, melhor olhar-se no espelho
Caminhar na rua como se fosse
Nada mais que mulher ou homem
Gente enfim, coisa que é e somos
Tal qual pedra, árvore ou estrela
Já que tudo passa e do existir
Apenas o presente fica
Neste processo eterno de sempre ir.

Daí que ninguém precisa morrer
Para saber que está por aqui
Nem se exaurir com o velho intuito
De marcar uma diva presença
Como se fosse possível nem esquecer
Nem deixar de ser
Um passageiro fortuito.
Reza a lenda que lhe foi concedido decidir se viveria uma vida longa e respeitável por sóbria, sem ascender aos altos píncaros da glória ou se preferia viver gloriosamente, destacando-se como guerreiro por um curto período, ter a vida festejada, por glamurosa. O belicoso Aquiles quis a segunda opção. Notabilizou-se nas praias de Ílion, onde também morreu com a famosa flecha no tendão. Para os gregos era muito importante a lembrança dos que ficam. Uma pessoa que não foi pranteada pelos amigos e parentes poderia ficar vagando dolorosamente (e às vezes vingando-se). O esquecimento era também uma morte. Aliás, é. O rio que circundava os infernos chamava-se Estige, nome que significa esquecimento. Na verdade, quando uma coisa ou fato é esquecido é como se tivesse deixado de existir ou como se nunca houvesse existido. Talvez por isso entre os gregos era importante a glória. Apenas entre eles? Acho isso uma coisa engraçada porque não vejo muito em que alguém possa se beneficiar depois de defunto porque lhe erigem uma estátua no meio de uma praça. Eu, particularmente, gosto de ver estátuas nas ruas e praças comemorando pessoas que contribuíram para o melhor em nossa sociedade. Mas não porque isso vá melhorar algo para o homenageado e sim para lembrar aos vivos daquele exemplo. Aquela pessoa foi um poeta e tanto, ou alguém dedicado aos pobres, então podemos tê-los como exemplo, guia, farol. Pelos vivos. As cinzas de Aquiles há muito se perderam e ele não ressuscita cada vez que a Ilíada é lida.
Entendo que viver a vida neste limbo marasmático que pode ser o cotidiano, tendo como única emoção o dominó com amigos no final de semana, tampouco é saudável. Uma coisa é subsistir, outra é viver. Ir e voltar ao trabalho, cerveja rigorosamente no fim de semana, prestações e salários. Isto é subsistência. Coisa semelhante fazem as plantas ou os animais (e esta frase merece ser questionada, pois será que plantas e animais são tão passivos assim?). Ir ao trabalho e ali encontrar significado no que faz, atendendo a propósitos definidos no todo ou em parte por si, voltar feliz com mais um dia onde fez o que quer e gosta (ainda que em muitos momentos tenha feito o que não quer e não gosta), chegar em casa, feliz por estar em seu lugar (só ou acompanhado), desfrutar do fato de estar vivo; avaliar as obrigações financeiras ou outras que assumiu após deliberação interna e pensar no futuro e em suas possibilidades. Isso é viver.
Aquiles queria ter sensações novas, sentir o frêmito da emoção. Mas a adrenalina vicia. E gera tolerância, i. é, o usuário necessita cada vez mais de doses maiores. O pessoal que gosta de esportes radicais sabe disso. Querem cada vez mais perigo para sentir aquela sensação orgástica/orgiástica. Mas isso não é viver. Viver sob o rigor do vício é uma subsistência. Há o aplauso, sim, e isso é agradável, mas os aplausos não conseguem compensar o tremendo desgaste físico, e é por isso que, com freqüência, vivem pouco. K. Cooper notou que superatletas têm mais câncer do que a população geral, porque o excesso de exercício libera radicais livres em profusão. O sistema imunológico decai e o sofrimento pode ser grande.
Viver intensamente é necessário, imprescindível. Para tanto devemos colocar cuidadosa atenção em tudo o que fazemos, atenção plena. Porém atenção não tem nada a ver com tensão. A-tensão. Não tensão. Estar atento não é estar alerta na acepção belicosa do termo. É manter-se pleno presente no lugar e momento em que se está. Fácil assim. Coisa nenhuma de fácil; mas quando rola é muito legal. A busca da glória é uma fuga, o empreendimento da atenção é um encontro.
Recebam um abraço com atenção de Aureo Augusto.

2 comentários:

  1. Plenamente de acordo, Áureo, viver não é procurar fama ou glória, estas devem vir de bônus, quando houver merecimento.
    Curiosa, porém, a observação de Kenneth Cooper.
    Parece estar correta. Tenho uma lista de celebridades brasileiras com mais de 80 anos, e, entre os 50 mas antigos, apenas quatro se destacaram por exercer atividade física: Djalma Santos, Bellini e Zagallo, ex-jogadores de futebol, e Zé Peixe, um prático de atracamento, famoso em Aracaju por sua habilidade em natação.
    Cumpre lembrar que Maria Lenk, nossa representante olímpica em 1912, faleceu aos 92 anos, ainda praticando a natação diariamente. Talvez isso demonstre que exercer atividade física com prioridade no prazer, e não no dinheiro ou fama, pode realmente beneficiar o organismo. Fora disso é apenas desgaste.
    _Abraço.

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  2. Belo comentário. Tenho pensado comigo que a tensão cerebral deve jogar um papel importante nesta coisa de aumentar os radicais livres.
    O problema é que nem sempre é fácil manter-se relaxado...

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