LOUVO AS
PARTEIRAS
As velhas
parteiras aí estão por todo este Brasil contribuindo para que as crianças
nasçam e apesar da tecnologia médica, não fosse por elas, milhares e milhares
de mulheres estariam tendo seus filhos sem nenhum apoio. Seu saber não é fruto,
regra geral do conhecimento livresco ou do contato com a universidade. Elas se
tornam parteiras por força da necessidade local ou do atavismo familiar. Recolhem
velhos saberes, conservam-nos e sua aplicação obedece a regras nem sempre
inteligíveis para aquele habituado ao pensamento apreendido nas escolas.
Louvo as
tantas parteiras que tenho conhecido!
Há quem julgue
seu trabalho algo anacrônico e em vias de desaparecer. Triste seria se o
cabedal de saberes daquelas senhoras desaparecesse por completo. Ocorre que
teríamos nós, enquanto humanidade, perdas, tanto no âmbito do mundo científico
(objetivo e analítico) quanto no âmbito da antropologia. Empobreceríamos
enquanto coletividade subjetiva.
As parteiras,
como de resto todos aqueles que lidam com os conhecimentos tradicionais dos
diversos povos situados (seja pela geografia seja pela economia) distantes dos
polos de pensamento dominante em nosso planeta, têm conhecimentos que merecem ser
estudados pelos nossos farmacologistas, psicólogos, médicos etc. Um exemplo: Por
que será que tantas parteiras recomendam que as mulheres se banhem e mesmo
bebam o chá de mentrasto após o delivramento? Que eu saiba ainda não existe
estudo sobre isso. Mas ocorre-me que este estudo deverá ir para além da
química, pois o bem estar que o referido chá proporciona pode ter a ver com
odores, com aspectos insuspeitos na interação energéticas entre seres de
distintas espécies (as mulheres e as plantas). Eu gostaria de saber como uma
planta – seu odor, seus óleos essenciais, seu “astral” (seja lá o que for isso)
– pode interferir naquilo que Goldscheider, em 1932, chamou de “quadro autoplástico”, referindo-se às
dores, angustias, medos, interpretações pessoais, fenômenos afetivos, sugestões
da cultura da qual é produto, entre outros aspectos não palpáveis presentes nos
processos de saúde/doença no evolver de nossa vida. Este é um exemplo daquilo
que poderíamos, enquanto estudiosos da ciência aprender das parteiras.
Porém haveria também, como expressei acima,
uma perda em nossa riqueza antropológica. Embora o processo tenha começado
antes, foi a partir do Iluminismo que a humanidade adotou entusiasticamente o
pensamento analítico (cartesiano/newtoniano) como forma de descrever a
realidade. O sucesso deste método foi notável. Graças a ele fomos à lua e estou
aqui digitando em um prático lap-top. O único problema é que passamos a
acreditar que esta é a única forma de explicar ou entender o mundo, quando é a
melhor forma de explicar e entender determinados aspectos do mundo. O ser
humano é dotado de outras instâncias com as quais se aproxima das coisas e tais
instâncias têm características mais identificatórias que o método analítico.
Estão envolvidas outras competências (ou inteligências se queremos usar a
terminologia de Daniel Goleman) tais como a emoção, os insights, a imaginação,
e, mesmo, a espiritualidade.
A maneira como o ameríndio acessa o mundo do
real é distinta daquela que o morador da grande cidade. A lógica é outra. Mas ambas
as formas têm o seu lugar e papel. Karl Popper, no livro Conjecturas e
Refutações, comenta que costumamos confundir as palavras ‘científico‘ e ‘verdade’,
como se fossem sinônimas. Quando uma coisa só será científica se houver a
possibilidade de se criar um experimento que demonstre sua falsidade (o oposto
de verdade). O mesmo autor nota que a literatura, a astrologia e a psicanálise não
são científicas, exatamente por causa da dificuldade de verificação pelo método
cartesiano. Mas, insiste, isso não significa que não sejam expressão da
verdade. Uma coisa pode ser científica e falsa e outra não científica e
verdadeira. Conforme Harold Bloom, a melhor maneira de se conhecer o ser humano é
lendo Shakespeare. Concordo, conquanto Shakespeare não seja científico, mas me
impressiona sua percuciência no abrir nossa mente para o entendimento da psique
humana.
O jeito de abordar o mundo das formas
tradicionais é, por assim dizer, literário. Não é objetivo, mas muito
verdadeiro e com resultados frequentemente positivos.
Porém incorre em erro quem pensa que minhas
palavras impliquem que o método científico não é válido. Ocorre-me que o
sistema analítico e os sistemas participativos (tradicionais) são complementares.
O ser humano é grande demais para ser avaliado, descrito, compreendido e
avalizado por um sistema ou método. Para descrever-nos é necessária muita
pesquisa científica e uma visita às prateleiras das obras literárias e às
trilhas dos pensamentos tradicionais, criando uma hibridização que, ainda assim
carecerá de uma evolução para nos alcançar a grandeza.
Por isso quero atenção para o que dizem as
parteiras, atenção para a maneira como suas mãos tocam, apalpam, “vêm”. Atenção
para seus sorrisos e comentários curtos, para o texto oculto nas palavras
simples.
Louvo às parteiras!
Em 27/11/12, Aureo Augusto.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuerido Aureo, saudades. Este artigo me lembrou de Dona Assunção, parteira em Inhambupe, conhecida e chamada por todos de "Mãe Sunção", Mãe de muita gente, inclusive minha. Em datas especiais como páscoa,natal,e seu aniversário, minha mãe nos mandava levar o presente de "Mãe Sunção" e pedir-lhe a benção.
ResponderExcluirBenção Mãe Sunção, Muita Luz para você. Sou Grata.
Oh! Marília, que bom "estar" com vc! Eu tb nasci por mãos de uma parteira, como aliás, a maior parte dos brasileiros. Benção a todas estas mulheres!
ResponderExcluirBravo, Áureo! Essa sua abertura mental é que me deixa magnetizado.
ResponderExcluirSó ouso acrescentar quatro observações:
1. A confusão entre científico e verdadeiro é um fato, e fato lamentável, diga-se. A recente condenação de sismólogos, na Itália, por não preverem um terremoto é prova disso. Endeusam a Ciência mas não a entendem (nem se esforçam pra entendê-la) e ainda veem os cientistas (médicos inclusive) como "bruxos", que podem dominar (pensamento deles) as 'forças da natureza'.
2. Quando você fala (3º parágrafo) em pensamento dominante, fala bem.
Não é por ser dominante que opensamento é verdadeiro.
3. Falando nos aspectos influentes de determinado chá (ou outra substância qualquer) e desconhecidos pela ciência, pode-se acrescentar a crença, nem precisa ser fé e nem tem que ser o efeito placebo. Sendo comprovado pelo sujeito que está ingerindo aquela tal substância, não há força no mundo que lhe prove que não faz efeito, se ele crê que faz. Isso não é fé, é crença mesmo.
4. Essa não tem nada com o assunto, mas a citação de Ralph Blum sobre Shakespeare é apenas um fator etno-linguístico. É o pessoal de língua inglesa fazendo seu lobby. Poderia ser Tchecov ou Machado de Assis sem problema algum.
_Abraço entusiástico.
TEsco, seus comentários me atingiram em cheio. Grato, mto grato. São jóias. Tomara outras pessoas os leiam.
ResponderExcluirAgora que me dei conta de que pus Ralph Blum qdo na realidade é Harold Blum.
abração mto entusiástico.
Querido, me devia este dentre tantos comentários! Não por falta de desejo, mas parece que seja morando na Chapada, em Brasília ou no Nepal, minhas dificuldades com a Internet me acompanham...
ResponderExcluirEscolhi começar por este texto, creio, porque quando vc o publicou estávamos recém tranquilos com a chegada às 38 semanas e pouco mais de uma semana depois nosso querido filho nasceu...
Áureo, enquanto vc "louva as parteiras" agrego a todas as entidades femininas que constroem este universo da gravidez e do parto. É uma passagem muito feminina. Uma oportunidade para que possamos encontrar o feminino em nós mesmos; homens! Ao invés de tentar masculinizar esse fenômeno... e por puro medo!
A terra, a água, a luz, noite, a madrugada, as mãos, a atenção, a paciência, a dedicação, a tolerância, a coragem, a força, a dor, a musculatura, as posições confortáveis, as boas práticas, a experência, a placenta, a bolsa de líquidos, a companhia, a preseça (...) que permitem uma passagem mais afetuosa para ambas (as duas pessoas) da "díada".
Agradeço também pela sua escrita e "louvo a parteira" que vive dentro de você!
Benção de Higéia e Panacéia!
Muito obrigado meu querido irmão! Por cada um de seus louvores...
Muita paz,
Marcos Trajano