Uma coisa que
aprendi na Faculdade de Medicina foi que devemos partir do simples para o
complexo, do mais provável e corriqueiro para o mais raro e incomum. O saudoso Dr.
Zilton Andrade, em palestra para os estudantes no auditório do Hospital
Professor Edgard Santos, nos contava que havia um paciente internado naquele
mesmo hospital e os estudantes no afã de entender-lhe a patologia solicitaram
cerca de trinta exames, alguns deles caros e, no entanto, o pobre homem
apresentava apenas um quadro sério de verminose. Um mero parasitológico de fezes
lhe ajudaria mais do que tanto custo e trabalho. De quando em vez os Conselhos
de Medicina, alertam-nos para os cuidados com os exames. Lembram-nos que nada
substitui uma boa consulta, onde as perguntas são abundantes e as respostas
esclarecedoras. Onde o exame do corpo do doente tem seu lugar.
Facilmente esquecemos que há um
número razoável de pessoas doentes da cura, ou, o que é pior, doentes da
tentativa de descobrir qual é a doença. Estas condições são chamadas de doenças
iatrogênicas. Exames de fezes ou de urina não geram nenhuma agressão física na
pessoa exceto naqueles que, por serem muito ansiosos, ficam angustiados quanto
aos resultados. No entanto existem exames que submetem o organismo a situações
de perigo e, portanto, não devem ser realizados à toa. É importante ressaltar
que na sua formação o médico é informado quanto aos riscos de determinados
exames, mas infelizmente hoje em dia há uma poderosa pressão dos próprios
pacientes no sentido de que lhes sejam indicados este ou aquele procedimento
diagnóstico. E nem sempre o médico resiste. Mas deveria, pelo menos,
esclarecer. Outras vezes a consulta é tão rápida que só resta ao médico pedir
uma batelada de exames para poder ver o que não se viu (por falta de tempo),
situação bem triste.
Aqui, no Vale do Capão, noto uma
mudança radical nas pessoas. Antigamente morriam por desinteresse com a própria
saúde e por excesso de aceitação da situação dolorosa vivenciada. A pessoa
doente suportava estoicamente o desconforto até a morte. Ainda temos alguns
assim, mas agora há uma agonia por descobrir o diagnóstico e a cura (quando
possível) de preferência fácil e rápida. Uma mulher foi a Seabra e fez uma
consulta. No dia seguinte me procurou no posto porque ainda se sentia com o
problema. Ela só havia tomado uma dose da medicação receitada! Outra, desta
feita em uma consulta particular, estava confortável porque sua mãe havia
morrido, mas o médico tinha lhe dito o diagnóstico. Ela me disse que fora muito
bom isso. Claro que é bom saber do que a mãe morreu, mas tem algo errado quando
a informação substitui o sentimento. Não que ela não tenha sofrido com a morte
da mãe, mas havia um prazer e uma segurança no fato (abstrato) do nome da
doença.
E preocupa-me também esta pressa
em resolver a dor. É uma porta aberta para cair nas amarras da medicalização da
vida. Fica mais fácil quando cada dor, sentimento triste, agrura, pode ser
“curada” por um remédio. Somos química, não há dúvida, mas também somos
consciência, pensamentos, ciência, sensações e sentimentos. A química é fácil,
a vida pode não sê-lo, mas a vida é inapelável e volta; a dor pode ser como
estes rios da Chapada Diamantina que “engrunam”, ou seja, desaparecem entre as
rochas, mas surgem mais adiante.
Não nos enganemos: O gozo de
viver é fruto da dor de nascer.
Recebam um abraço gozoso de Aureo
Augusto.
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