domingo, 28 de outubro de 2012

COISA BOA


Tem uma coisa que me causa alegria neste momento no Brasil:
Tenho acompanhado o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal e fico admirado que em um país como o nosso, que é democracia há tão pouco tempo já mostra um avanço inacreditável. O Supremo Tribunal está julgando e condenando pessoas que traíram a república fazendo jogatinas que, caso não viessem à luz da opinião pública teriam a possibilidade de enfraquecer a democracia. A compra de votos, o uso de recursos públicos ou não para subornar deputados e senadores, alugarem legendas, negociar fidelidades são ações que subvertem o estado democrático. Isso acontece com frequência dentro dos estados livres e precisa ser coibido. A lei é a solução. Porém em um país como o Brasil, a lei é lenta e, às vezes não cumpre o seu papel.

Mas desta vez, apesar de tudo, apesar de tantos empecilhos, o fato é que o partido que está no poder vê homens que jogam (ou jogaram) importante papel no comando do partido sendo julgados e condenados. Sei que ainda acontecem grandes injustiças, mas isso é sensacional.
Pense se isso estivesse acontecendo no Brasil de 20 anos atrás! Eu duvido que os governantes não interferissem de forma bem assertiva – impedindo com o exército ou com manobras infalíveis o desfecho desfavorável. Penso que em muitos países de nossa América Latina um julgamento como este seria impossível. Ainda mais em época de eleições.

Não deixemos de ver aquilo que está errado e merece correção, porém celebremos este momento!
Recebam um abraço de celebração de Aureo Augusto.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012


Dia 16/10 tive a oportunidade de fazer uma fala no Curso de Permacultura na Comunidade Campina, aqui no Vale do Capão. Foi muito legal estar com aquelas pessoas que se ocupam da sustentabilidade no Planeta. Aqui vai o material usado:
SAÚDE CORPO AMBIENTE PRAZER
Muito agradável saber que há um grupo de pessoas pensando agricultura, economia, vida humana enfim, em uma perspectiva ambiental. Tenho notado, mesmo morando aqui nestes confins do mundo, que este interesse está aumentando entre as pessoas.
Fico pensando no que poderia falar para vocês, que seguramente conhecem mais agricultura, ambientalismo e economia do que eu. Ocorreu-me de início trazer um texto de um precursor de todo o movimento que, em dado momento se autodenominou alternativo. Nome já bastante desgastado. Este autor a que me refiro talvez tenha sido o primeiro a propor a formação de uma comunidade alternativa, nos moldes pensados no final do século passado. Refiro-me a Epicuro, que viveu na Grécia (nasceu em 341 a.C.). Em 306 a.C. em Atenas fundou uma comunidade onde as pessoas viviam plantando o que comiam, encontrando prazer na vida simples, vivendo frequentemente em barracas. Esta comunidade atraiu gente de muitos lugares e sobreviveu ao mestre.
Começo apresentando um excerto da carta que Epicuro escreveu para Meneceu, seu discípulo, que aqui apresento retirado do livro Carta Sobre a Felicidade (A Meneceu), publicado em grego e português pela Editora UNESP em 2002:
Nunca devemos nos esquecer que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, e nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.
Consideremos também que dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz; em razão desse fim praticamos todas as nossas ações para nos afastarmos da dor e do medo.
...
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer. Há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
A filosofia de Epicuro está centrada no fato de que todos os seres procuram sempre o prazer (aqui significando bem estar). Devemos considerar que seu exemplo é bem atual, inda mais neste momento, em que o processo desencadeado pelos seres humanos (que a rigor começou na pré-história, ampliou-se com as navegações portuguesas e agora culmina com a cada vez maior interdependência comercial e com a internet) de globalização das relações entre as diversas pessoas, culturas, nações, economias. De repente percebo que às vezes, mesmo morando no Capão, sei tanto do que acontece com meu vizinho, em tempo real, como do que se passa no Irã, na Indonésia, ou no Kwait. Somos uma comunidade terráquea e devemos atentar para o fato de que os nossos desejos não fundamentais, bem como os não naturais, frequentemente instaurados em nós por uma mídia a serviço do lucro de corporações que não levam em consideração a sustentabilidade, dizia, que tais desejos podem ser uma declaração de morte ao nosso futuro.

Vai daí que precisamos aprender a lidar com o prazer, uma vez que a nossa recusa a tratar isso da forma adequada nos tem levado a deixar-nos ser vítimas de uma mídia que nos impõe a medicalização da vida, e a agrotoxificação da vida. No afã de atender a prazeres imediatos não podemos nos considerar vítimas inocentes de corporações que querem lucro a todo custo (o custo será não das corporações – para elas apenas o lucro), uma vez que em grande medida (e sem querer tirar a responsabilidade – ou irresponsabilidade – das grandes empresas e governos) nós também somos agentes ativos de nossa própria desgraça ecológica.

“O futuro não é totalmente nosso, nem não-nosso”.  Mas é nossa a decisão de como vamos atuar no presente com vistas ao futuro. Isso tanto em nossa vida particular quanto na relação com o meio ambiente. Lembrando Morris Bermann (in El Reencantamiento del Mundo, Cuatro Vientos, Santiago-Ch) quando nos diz que o jeito com o qual lidamos com nosso corpo é isomórfico à nossa ação com o ambiente entendemos que agrotoxificamos a vida na mesma medida em que medicalizamos nossa vida.
Tenho notado a forma imediatista com que lidamos com nossas dores físicas e psíquicas. Os pais não suportam suportar a dor nos filhos e em si. As medicações antiálgicas são uma verdadeira praga.  Para não sentir a mínima dor, desconforto ou doença aguda nos medicamos assiduamente, o que traz consequências avassaladoras para a saúde, seja por causa de efeitos colaterais, seja por que deixamos de ter competência para lidar com a dor e a perda. Tornamo-nos aos poucos tomados de um narcisismo que, em última análise é autodestrutivo (sobre isso veja Dana Zohar, in O Ser Quântico). E acabamos por agir com o ambiente, como se estivéssemos fora dele e para sermos por ele servidos – corolário disto é a atitude tão comum hodiernamente quando tantos se consideram seres especiais a serem servidos pelos demais, pelos pais, pela sociedade; um número razoável de pessoas está exigindo muito dos demais, sem, contudo, se esforçarem pelos demais; usando argumentos justos, de crítica à sociedade, vivem à margem dela, parasitando-a, criticando-a, porém sem efetivamente contribuir para sua transformação ou sustentação e sustentabilidade.

Dessa forma e no desejo de atender a desejos tornados essenciais, mas que não passam de não naturais, ou não necessários, acabamos por sobre exigir da Terra que “pode prover a toda e qualquer necessidade, mas não a toda e qualquer cobiça” (Gandhi in Minha Vida e Meus Encontros com a Verdade, Diffel, São Paulo).

Saídas existem e são muitas, como um encontro como este que está ocorrendo, porém todas passam pela consciência. Passam por aprendermos com o passado, netamente com o século XX, o das ideologias, onde o culpado era sempre o outro (capitalistas, comunistas, fascistas, democratas, negros, brancos, europeus, cristãos etc.) que deveria, preferencialmente, ser eliminado.
Assumir a responsabilidade pelos nossos desejos e pelo futuro, bem como com pelo presente. Sem ver as medicações como obra (apenas) de interesses escusos, entendê-las como úteis em determinadas circunstâncias, mas evita-las sistematicamente. Procurar encontrar soluções para o desabastecimento de grande parcela da população mundial sem o uso fácil de insumos artificiais e alheios aos costumes locais. Não alinhar-se com hegemonias óbvias, apenas porque poderosas, porém não esquecer que aquilo de hegemônico assim se tornou não por obra do acaso. Entender as injunções que criaram um mundo tão injusto, tão hipócrita, tão terrível, mas que nos traz maravilhas que merecem contemplação. Estas são algumas das tarefas que devemos assumir.

Nossa tarefa não é fácil. Estamos sendo convidados a rever o mundo que criamos não mais com o olhar meramente e facilmente crítico depreciativo. É tão fácil derrubar, desconstruir, quando não temos competência para colocar-nos ombro a ombro com o nosso próximo. Por isso nossa tarefa é difícil. Somos nós, os que padecemos de narcisismo, de sedentarismo (ainda que seja uma forma de sedentarismo psíquico que nos faz acreditar em teorias nas quais mais uma vez clivamos o mundo entre pessoas certas e pessoas erradas). Nossos próprios desvios psicológicos e nossas necessidades narcísicas nos fazem condenar aos demais e repetir toda a história da humanidade onde sempre criamos a necessidade de ricos e pobres, líderes e liderados (rigidamente estabelecidos), nobres e plebeus, ortodoxos e heterodoxos, salvadores do mundo e destrutores do mundo, absolutamente bons e absolutamente maus, este partido e aquele partido...

Talvez esta globalização que estamos vivendo, com tudo de absurdo que há nela, seja enfim uma oportunidade de viver como se vivia na aldeia, um convite a sairmos do conforto umbilical de estar certo das nossas certezas. A chance de desfrutar prazerosamente do ato de viver a satisfação dos nossos desejos naturais e até alguns a mais, atendendo também ao desejo de que as gerações futuras possam desfrutar do mesmo prazer de cuidar do mundo.
Povoado do Vale do Capão, em 16/9/12, Aureo Augusto.

domingo, 9 de setembro de 2012

O VALE DE OUTROS TEMPOS


Ontem Ditinha foi à consulta. Amo Ditinha. Ela tem lá pelos seus 65 anos, é uma lutadora como poucas. Troncuda, redonda, baixinha. Brinco com ela dizendo que faz parte do time de basquete do Capão, que é a bola. Ela ri a mais não poder. Seu marido trabalhava no terreno que um pequeno grupo de amigos comprou e que depois se tornou a comunidade (e agora o Instituto) Lothlorien. Ele era um servo da gleba, como nos tempos medievais. Lembramo-nos daquela época e ela recordou como as relações trabalhistas eram absolutamente injustas com o patrão do qual compramos a terra. Como tudo era difícil e, repito, injusto.

Hoje, em Salvador, caso alguém veja uma moeda de 5 centavos no chão, talvez não se dê ao trabalho de pegar. No Vale do Capão, quando aqui cheguei há praticamente 30 anos, o equivalente a esta moeda era um valor nada desprezível. A vida era bem dura. E aproveitamos a consulta (que era coisa de pequena monta) para relembrar as inúmeras aventuras que partilhamos. Ela foi lembrando-se de quando foi me buscar para o parto de uma senhora sumamente irritadiça que parecia no parir estar em guerra com algo. Então passamos a recordar os detalhes daquele acontecimento. Depois a vez em que eu estava transferindo o gás de um botijão grande para um pequeno (usado na iluminação já que não tínhamos eletricidade) e ela chegou em casa tão desesperada pedindo socorro que trazia uma sandália na mão e outra no pé, coisa que me deixou assustado, pois vendo ela balançando a sandália sobre a cabeça, aos gritos, quase saio correndo pensando que ia me bater. Correra de sua casa para a minha porque seu cunhado havia morrido. Larguei tudo e sai correndo por dentro dos matos na rota mais curta e lá encontrei o sujeito, não morto, mas desmaiado após dor atroz. Ela lembrou que o seu estado era terrível. Mas que graças ao tratamento recuperou-se para morrer no garimpo em acidente.

Depois nos lembramos dos partos de sua filha, Reizinha, nada fáceis! Recordamos as várias vezes que me atalhou na estrada, chegando eu de viagem, cansado e sonolento, para dar socorro a este ou aquele. E das molequeiras que eu fazia com Etevaldo, seu marido, um homem bom e tranquilo, muito tímido que ria silenciosamente com as minhas brincadeiras. Ele era tão tranquilo que ao ser picado por uma cobra cabeça de capanga terminou o serviço que fazia na roça para só então buscar socorro, coisa que lhe custou a vida. Ficou Ditinha só com a multidão de filhos... Mas superou e hoje ri do passado (e do presente)!

Era uma época em que se morria muito, bem mais que hoje, de mazelas comezinhas, de picadas de cobras, de mortais acidentes. Filhas e filhos descendo, anjos, às sepulturas porque ventos, ou frios, ou fomes, ou estupores... E Ditinha com seus olhos miúdos, tratando de ver os meus, me falou de sua admiração com o fato de que as pessoas de hoje já não são tão felizes como aquelas dantes, como ela outrora e agora.

Rimos também daqueles que insistem em comparar o passado com o presente e lamentam as mudanças pelas quais passou o Vale. Cresceu, facilitou-se a vida, carros e motos alargaram os caminhos antes trilhados por pés descalços e sandálias velhas. Televisões e lâmpadas substituem conversas na obscuridade prévia ao sono e guardam estrelas esquecidas. Sim, o mundo mudou e por isso boas recordações de fatos que em seus momentos foram tão dolorosos. Hoje, só porque o hoje é agora no conforto, rimos do passado duro. Os desafios de outrora eram outros, agora novas demandas e amanhã outras. Que haja vida para tantos desafios!
Recebam um abraço antigo de Aureo Augusto em 7/9/12.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

FRIO E ATIVIDADE


Primeiro o vento derrotou todas as possibilidades de o dia surgir em silêncio. Depois ele mesmo, ruidosamente, permitiu um frio, ou melhor, ajudou o frio a penetrar os ossos dos seres viventes, fundir em tremor árvores e pássaros que quedaram mudos ante o assombroso do tempo cinza.
Já alto é o dia, mas os pássaros, ao contrário dos seres humanos, recusam-se o pipilar e o trinado. Ajustam-se aos limites dos ninhos.
Inquieta a humanidade parte ao labor, enxadas, pás, ancinhos e machados tornando frio em suor, nuvens chumbo em verde horta.
Assim somos nós, os humanos, um povo dotado do dom da construção de novos modos. E este dia frio e ventoso, quando as pontas de meus dedos pedem o calor dos cobertores, me faz estar aqui, matinalmente a escrever esta pequena ode à atividade desta raça inquieta.
Enquanto avançava através da neblina, divisava o caminhar dos meus vizinhos encolhidos por entre as nuvens, mas caminhando à labuta, suaves, sem pressa, mas certos do próprio destino. E admirei-os. E a mim.

Vai daí que escrevi esta ode ao que somos, e somos, entre outras coisas, nem sempre tão boas, mas somos iniciadores de possibilidades, construtores de futuros, aliciadores de sonhos.

Recebam um abraço de Aureo Augusto

domingo, 12 de agosto de 2012

ELEIÇÕES NO VALE DO CAPÃO


Época de eleições, como do nada surgiram paralelepípedos em vários lugares para fazer novos calçamentos, a escola está passando por uma grande reforma, os políticos vão e veem correndo atrás de promessas dos eleitores, barganhando por outras promessas, sempre maiores, sempre melhores, sem, contudo, dizer o como é que vão conseguir fazer tanta coisa. Palmeiras tem 3 candidatos a prefeito e a coisa já está quente. Só no Vale do Capão apareceram 5 candidatos à vereança, uma desistiu, mas alguns postulantes de outros lugares também ganham votos por aqui, o que nos faz pensar que o nosso vale terá pouca possibilidade de ter representante na Câmara. Quem vai gostar são os defensores do status quo, já que por tradição o povo daqui é o que mais questiona as atitudes de prefeitos e associados. Pelo meu gosto os candidatos se reuniam e decidiam por um nome e todos lutariam por ele, mas, será que todos os candidatos estão com o desejo vazio de ter emprego sem ter trabalho? Nininho foi vereador pelo Capão. Desistiu de candidatar-se para a reeleição. Tudo indica que, embora seja bem ligado em política, não se sentiu identificado com a forma, digamos, inadequada, com que os processos são conduzidos no meio. Pena que os honestos tendam a retirar-se (o que não significa que todos os honestos se abstenham de participar).


O povo se assanha, pois eleições municipais têm um quê de festa. Ganha-se muito, faz-se muito, aproveita-se muito. O povo fica animado com a chance de conseguir aqueles exames que necessitava há muito e que os políticos dificultaram a consecução para depois fingir que conseguiram para as pessoas. E o povo agradece, não sei se matreiramente, cônscios de tudo ou ingenuamente, achando que os caras são mesmo legais - ou os dois casos estão presentes no mundo. Tem gente como Landinha que uma vez o cara lhe comprou o voto por 20 reais, aí se lembrou que já havia prometido a outro. Foi lá e devolveu o dinheiro porque não poderia faltar com a palavra. Pena que os políticos não veem as coisas pelo mesmo prisma de Landinha. Pelo menos resta o consolo de que hoje ela não mais vende o voto, pois a minha gente querida do Capão está mais consciente e discute mais o que é melhor e o que é pior.


Fico acompanhando a movimentação dos políticos e percebo que este no quem quer que ganhe para prefeito terá pouca margem de vantagem. A disputa é dura, mas o que eu gostaria mesmo é que eles se sentassem em uma mesa redonda, para discutir como cavalheiros e damas desinteressados o melhor para este lugar. Palmeiras é um lugar muito legal, com uma gente adorável. Palmeiras merece mais.

Recebam um abraço eleitoral (rsrsrs) de Aureo Augusto.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

PACIENTE IMPACIENTE


As denúncias de mal atendimento do poder público à saúde são inúmeras e o mais das vezes fundadas em fatos reais. Aqui em Palmeiras vivemos uma situação triste no quesito saúde. Os motivos são muitos, e nem sempre a corrupção tem o primeiro lugar como causa de desserviço. Inoperância, descaso, manipulações eleitoreiras, tudo isso tem o seu papel. Além da prefeitura, muitos funcionários não entendem claramente qual deveria ser o seu comportamento como servidores públicos e dão sua triste contribuição para que a população sofra. Porém hoje quero comentar algo relacionado com a pessoa a ser atendida, que também acaba por tratar mal a si mesma.
Há aqui uma mulher que acompanho há muitos anos e sempre me preocupou. Ela é simpática e desleixada com a saúde. Mais de 10 anos atrás quando tentei mostrar para ela o risco que corria pelo fato de ser jovem e hipertensa ela foi bastante debochada, usando frases do tipo “todo mundo um dia morre”. Aliás, tomou a mesma atitude com um colega, Dr. Ricardo, que acompanhou-lhe uma das gestações, e também se preocupou com a hipertensão (que na gravidez é algo sério). O tempo passou e outros médicos também se preocuparam e ela continuou descontinuando o uso das medicações...
Como esperado tudo foi piorando. Seu sofrimento fez com que voltasse a atenção para si mesma. Porém, em que pesem as admoestações do pessoal da saúde, nem sempre, ou quase nunca segundo a agente comunitária que a acompanha, seguia com rigor as recomendações dietéticas e medicamentosas.
Recentemente fortes dores de cabeça a fizeram vir ao posto. Por alguns dias tentei debalde, usando diversas medicações, reduzir os níveis tensionais de modo que a encaminhei para internação. A prefeitura providenciou transporte e internamento. Chegando à clínica, o cardiologista fez uma medicação e pediu que esperasse para verificar se seria necessário mesmo o internamento. Ela então aproveitou o transporte grátis para fazer compras em Seabra e retornou pra casa sem voltar na clínica.
No domingo encontrei-a na feira, ainda com dor de cabeça. Ela sempre se queixa dos políticos, e da prefeitura; muitas vezes disse para mim que tentou fazer os exames que eu solicitava, mas não conseguiu, pois não dispunha de recursos e tampouco do apoio da prefeitura. E agora?
Recebam um abraço de Aureo Augusto.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

DO DESESPERO AO DOMÍNIO

Hoje uma jovem mulher veio à consulta. Há anos, era uma criança que gritava todo o tempo, quase não falava. Havia um desespero nela. Mesmo assim um rapaz se interessou por ela e casaram. Ele é um bom homem, mas é um bom homem com todo o ranço de séculos e crê e age do jeito de que a mulher deve apenas obedecer e seu gosto, o gosto da mulher, não é algo a ser levado em consideração – pensa, e há sinceridade nisso, que o mundo ainda é regido pelo mesmo motor que moveu aquele em que seu pai viveu – e vive. O tempo passou e ela cresceu. Um dia, procurou-me para uma consulta. Sua queixa foi inusitada. Dizia que havia reconhecido em si um tormento e que ela estava destruindo o próprio casamento. Explicou-me que seu marido, apesar dos conceitos era (é) uma boa pessoa, e que as dificuldades matrimoniais não dependiam necessariamente do comportamento dele, mas era mais, do desespero dela, prévio ao casamento, que lhe impedia agir com calma e pensar, que lhe impingia uma maneira de viver aos gritos que era o mesmo viver de sua mãe.

 Nos últimos tempos ela havia descoberto o espiritismo – me disse – e a custo estava começando a conseguir pensar, e foi assim que descobriu que precisava sair daquele desespero que a acompanhava desde criança. Conversamos um bocado e propus que lesse o Evangelho todos os dias em uma determinada hora. Quis que pelo menos uma vez por dia, regularmente, sua mente aquietasse em algo. Ela fez. Meses depois nunca mais sua voz se tornou esganiçada e gritante. Eu mesmo não esperava tal resposta.

 Engravidou e como o mundo ao redor não acreditava tanto assim na sua mudança me alertava que eu sofreria no seu parto – que seria um escândalo. Penso que as pessoas ao redor perdem referencias próprias quando as referências do outro mudam, pois referenciamo-nos também no outro (para o bem e para o mal), daí mudar é romper consigo e com os demais... E pariu um parto tranquilo e bonito. E também cuidou do seu filho com uma competência inesperada. Hoje entrou na sala com gotas de suor brilhando na ponta do nariz, como sempre, apesar do frio. Havia um sorriso matreiro nela. Então anunciou-me a gravidez nova. Sorrimos e fiz festa. Então comentei que seu marido deveria estar feliz. Ela riu bastante e disse que ele não queria e ficou muito aborrecido porque ela o enganou, fingindo que estava usando a “pílula”.

 - Mas não se preocupe, disse, em poucos dias ele ficou bem, e começou a me tratar muito bem para me agradar, pois estava arrependido. Percebi que aquela menina agoniada que conheci, tinha em suas mãos o marido machão, por artes cujos instrumentos eram variados, desde submissão até uma forma de rebeldia simpática. Ainda não consegui entender tudo o que ela tem a me ensinar, mas se já a admirava, agora muito mais.

Recebam um abraço admirado de Aureo Augusto.

terça-feira, 10 de julho de 2012

O MORIBUNDO, o MÉDICO, o PASTOR, e MONTAIGNE

Quase todos os dias, antes ou no final do expediente, tenho ido visitar um homem jovem (35 anos) que está morrendo aos poucos com um câncer devastador que lhe causa grandes incômodos. Já está desenganado. O médico em Salvador foi muito claro ao lhe revelar que não há mais possibilidades de recuperar-se do grave trânsito pelo qual está passando. Hoje quando estava conversando com ele chegaram alguns representantes de uma corrente cristã evangélica. Dois homens, um pastor e um cantor, e uma mulher, vieram dar-lhe conforto espiritual.

O pastor falou muito insistindo que ele pode se salvar na dependência de sua fé. Algumas vezes disse que estava também nas mãos de Deus e que este, no final decidiria. Em dado momento exaltou-se e olhou para a esposa do moribundo e apontando-lhe com o indicador disse que ela tinha em sua família um “espírito hereditário de doença”. Naquele momento dentro do quarto se instalou um clima bem estranho, havia uma exaltação de emoções, uma energia, uma vibração bem forte, porém francamente (a meu ver) associada ao estado do próprio pastor, que repercutia na chorosa esposa. Por fim ele foi bem claro ao dizer que dentro de mais alguns dias não mais haveria um doente naquela casa. O oráculo foi claro. Também acho que dentro de mais alguns dias não haverá mais um doente naquela casa. Ou Deus vai agir e o cara vai estar curado, ou Deus vai agir e o cara já não estará entre nós.

A questão é que percebo um clima no qual Deus vai salvar o sujeito. Fico me perguntando o que é salvar. Será que salvar é alcançar um estado (que já vi em outras pessoas em estado terminal) onde haja uma paz redentora no confronto final com a morte? Ou será que salvar é apenas e unicamente a recuperação total do corpo físico? Lembrei-me de um dos ensaios de Montaigne no qual ele lamenta que muitas pessoas só acreditam em Deus na medida em que este age de acordo com o desejo de quem diz crer. A pessoa afirma com todas as letras: Deus é grande, pois eu lhe pedi tal coisa e ele me concedeu. Montaigne pergunta: E se ele não tivesse concedido, deixaria de ser grande? Fiquei pensando na certeza do pastor, que contou diversos milagres que testemunhou e que ocorreram graças ao poder de Deus, que por sua vez interveio por obra das suas orações. Não sou dado à descrença, conquanto não seja uma pessoa de fé. Porém olhei a cena com certa estranheza.

O quarto, o homem pálido, macilento, esquálido e triste, os filhos pequenos atônitos, o irmão alheio, a esposa contrita e sofrida (será viúva pela segunda vez – a menos que a intervenção tenha como resultado o seu desejo), os religiosos tomados por uma fé, diria, medieval, e eu, olhando e ao mesmo tempo participando com o coração contrito. Eu estava contrito, pois procurei encontrar aquele Mistério que nos une a todos no sofrimento, ou seja, no ato (como diria Ralph Blum) de estar submetido às contingências da Terra, deste mundo. Saíram todos e por fim eu e a esposa do rapaz enfermo.

Olhamos o céu do entardecer e alertei-a para o dourado que a luz assinalava em casa coisa, realçado pelo céu plúmbeo agourando chuva. Ela sorriu triste e me falou de esperança e de redenção. Saí caminhando pela vila e logo a palpitante vida me fez notar que o mundo está estranhamente girando apesar de que naquela casa, o Universo parou à espera de um milagre – mas não podemos nós os seres humanos determinar egocêntricamente que milagre é este que acontecerá. Esperemos.

 Recebam um abraço pensativo de Aureo Augusto.

domingo, 1 de julho de 2012

VOLTANDO

Desde ontem comecei a retornar ao lar. Hoje estou em Salvador, sofrendo os efeitos da longa viagem de avião através diversos fusos horários. O corpo cansado e uma discreta confusão mental. Dirigindo o carro em Salvador e vendo as pessoas, todas brasileiras! Antes de ontem entrei em uma loja e a balconista me perguntou de onde eu era. Como sempre aconteceu neste tempo de Inglaterra, ela abriu um largo sorriso ao saber que sou brasileiro. Quanto a ela, vinha da Eritréia, área situada no corno da África, bem perto do Iêmen. Vou ter que me acostumar de novo à pouca diversidade do Brasil! Aqui as coisas não mudaram muito. Na casa de minha mãe a família reunida ao redor da fogueira de São Pedro, risonhos, apesar e até por causa das lembranças que meu pai deixou. Mas não foi ele o tema principal, o que se comentou mesmo foi o tempo na Europa. Como é, como foi, o quanto de gente e de novidade, porque será e aonde chegará este mundo tão diferente... O mundo é feito também de novidades e línguas estranhas, até porque cada pessoa é em si um mundo per si, por mais conhecido, estranho aos demais, por mais acostumado, um ambiente a ser desbravado, descoberto. Recebam um beijão de Aureo Augusto.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

COMENDO COM OS DEFUNTOS

Os últimos dias têm sido de intensas atividades. Vou tentar resumir fatos e sentires: Se Londres é uma cidade bem legal, as cidadezinhas são absolutamente deliciosas. Uma delas, Bath, é bem interessante pelo fato de que foi planejada por um arquiteto apaixonado pela arquitetura paladiana (de origem italiana). A cidade é praticamente toda de pedra e sem colorido nas paredes. Foi concebida como uma cidade ideal e é bem bonita. Tem uma praça circular onde todas as casas exibem símbolos maçônicos, uma faixa de símbolos com 360º. Esta cidade foi para os romanos antigos um local de banhos medicinais e por isso tem um daqueles edifícios usados no tempo daquele império. Ademais tem uma igreja gótica muito bonita, ostentando na fachada uma escada sendo usada por anjos – uma coisa fofa! É essencial a visita a Stonehenge. O círculo de pedras tem mais de 5000 anos. Não é atração artística, não é uma obra de arte convencional. Mas ali tem coisa! O lugar é bem especial. Parece que o nosso planeta tem linhas de força, como os meridianos da acupuntura e pontos especiais. Stonehenge é um ponto especial. Estive lá no dia de São João, quando no Brasil, e em especial no Nordeste, o povo acende as fogueiras. Os antigos celtas festejavam este dia, muito antes do cristianismo e um grupo de neodruidas fez um ritual no interior do círculo. Acabei conhecendo de passagem uma velha senhora que fazia parte do grupo. Ela impressionava pelo seu jeito, olhar e cara de bruxa (do bem). Como era de se esperar, voltei no British Museum e na National Gallery. E seguramente voltarei mais uma vez. A torre de Londres é sinistra, apesar da multidão de turistas e do brilho intenso das joias da coroa (que não são poucas). É uma visita que não carece retorno. Passear de barco pelo Tâmisa é muito legal até porque dá uma visão bem gostosa da cidade. A gigante abadia de Westminster impressiona pela sua altura, mas mais ainda por um equívoco. Ela foi evidentemente concebida para ser um espaço amplo e grandioso, como qualquer igreja gótica. Porém, eles aqui têm a mania de colocar preso nas paredes das igrejas placas de mármore ou outras pedras com frases e/ou esculturas homenageando seus mortos. Antigamente muita gente era enterrada nas igrejas (em Salvador também acontecia isso). Mas os sarcófagos dos reis eram bem grandes e começara a embatumar a igreja. Tem um espaço lateral dedicado a São João Batista. Entrei lá e tinha uma profusão de sarcófagos e homenagens a duques, capitães, esposas de marechais e coisas assim. Procurei pela imagem do santo e não vi. Não pude deixar de rir. O interessante é que se perdeu completamente a visão de conjunto da grandiosidade da abadia. Há somente um espaço, a casa paroquial, uma sala octogonal com uma coluna central que é um espaço bem especial. Luminoso, com as paredes revestidas de azulejos antigos (relativamente bem conservados). O lugar além de lindo, contrasta com o demais pela leveza e luz. Ontem estava jantando em um restaurante situado no porão de uma igreja (logo depois assisti na nave principal da igreja uma apresentação de um pianista excelente, tocando Chopin – foi simplesmente maravilhosa). O ambiente era bem medieval e, mesmo, cavernoso, e em dado momento chamaram minha atenção para o piso. Eram lápides. Ou seja, estava comendo em um antigo cemitério sobre as sepulturas. Não tenho muita certeza se isso é bom para a digestão. Até fotografei uma das lápides sob minha mesa, vou tentar colocar neste post, procês verem. Eu nunca imaginaria que algum dia estaria comendo com os defuntos! Abraços medievais pra todos de Aureo Augusto.