segunda-feira, 12 de junho de 2023

O MUNDO

 

Manhã nova: o mundo assoma na minha janela. Convida-me à vida.

O mundo me assombra em sua fêmea beleza.

À minha janela, ela, a luz, sorri para mim e respondo calmo e surpreso.

O mundo: a sombra e sua noite, negro céu, guirlandas de estrelas... Sol e seus jogos, as brincadeiras que faz com as sombras das folhas, das montanhas, das coisas; furtando a cor dos seres existenciais.

Isso: O mundo!

12/06/23





terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O QUE FOI QUE A CHUVA ME TROUXE

 


A chuva cai lerda, nada de vento, vertical.

Logo, horizontal, o rio vai transbordar e como grávido irá sair dos limites, quiçá passando por cima das pontes que é uma das alegrias de assistir aqui no Vale do Capão.

A água nos ensina a fluidez neste mundo humano no qual decidimos e queremos, fazemos e acreditamos que nossa mente sabe tudo, que sabemos tudo, que podemos intervir em tudo na medida em que somos inteligentes.

Enquanto isso, a chuva cai... Seguimos como se nada houvesse a aprender dos demais seres. No máximo podemos tê-los como objetos de estudo ou... de nosso amor!

Às vezes paro nas coisas dos dias e olho para mim e se faço isso com cuidado (e não se pode dizer que seja sempre cuidadoso) noto que olhar para mim é olhar para o demais – que nunca é demais – porque, por alguma arte que não sei direito o que é, somos parte de algo que é parte de nós.

O rio enche espalhando sua horizontalidade para além das margens, nós devemos ir para além das margens. Olhar a chuva, senti-la no rosto e abrir-se para ampliar o horizonte.

Parece que estou divagando demais!

Mas o fato é que, cuidando para se afastar das fantasias, o fato é que todos nós, os seres humanos, somos convidados a olhar as outras coisas como algo mais do que algo lá. Não há como continuarmos acreditando que um vírus é um azar, ou uma maldade chinesa, ou invenção da mídia... não dá pra crer que a queda que sofri é apenas azar, ou cansaço, ou um complô para me prejudicar. Acredite, todas as coisas estão inapelavelmente imbricadas e nada é apenas um coisa do tipo azar, ou o que quer imaginemos ou constatemos.

“Apenas” – a palavra não foi posta a toa. É sim alguma coisa, mas também é mais, já que nosso ser inteiro é a água que primeiro encharca a terra pra depois encher o rio. Estamos encharcados de existência, a água existência nos embebe, a água que é vida nos ensopa, empapa. Como os micélios (algo que lembra raízes, mas que é o maior e mais rápido meio de comunicação entre as plantas, não apenas entre os cogumelos), a vida se distribui em todos os lugares sem que necessariamente percebamos.

A comparação com os micélios é bem legal, pois que, eles são como um sistema nervoso unindo toda a vida.

Toda a vida, toda a existência são o fluxo e nós somos o fluxo – repito, sem fantasia – carecemos de reconhecer isso.

Tomara eu consiga, consigamos!

Foi isso que a chuva me trouxe.

Bjs no coração de todos

terça-feira, 9 de agosto de 2022

UM BANHO NO RIO

 


Cinco e trinta e cinco da manhã, frio de primavera, como faço quase todos os dias, fui ao rio a tomar meu banho matinal. Tudo igual a quase sempre, nada novo, tudo novidade como sempre.

A chuva deixou-nos pouco antes da luz invadir o mundo, e as folhas das árvores gotejavam qual nuvens. Caminhei extasiado como sempre e desta vez ao ver no pé da serra ascender a névoa, frangalhos de neblina, dança de sílfides...

Então um ruído rouco avançou do sudeste, ao redor de mim, sem me tocar o ruído rosnante de um vento impossível rondou-me e atiçou os espectros das nuvens ao rés do chão, que se espantaram lançando-se com certo frenesi de volutas. Admirei-me!

O vento chegou-se a mim fazendo das árvores a chuva de grossos pingos e (já na água) tremelicando a superfície do rio que entre plácido e rápido iniciava o caminho das gotas ao mar.

Um mundo de absoluta magia... um universo de acontecimentos que me embalavam em significados não necessariamente inteligíveis. Um mistério manifestando-se como vida e existência me arrebatou para um outro mundo, que não mais é do que este mesmo daqui de onde escrevo, agora que se fez noite, estas linhas.

Foi o dia balizado por esta estranha familiar sensação de que sou a continuação do mundo – o mundo é a continuação do que sou. Sou apenas como parte disso tudo tão tudo e tão aqui em mim como parte do que sou.

Agora me sento, sinto a pensar nos jovens aqui deste meu Vale do Capão. Jovens tão especiais todos eles com seus cabelos desalinhados e com seu esgueirar-se entre a timidez e a petulância de quem ainda não sabe que não sabe. Penso neles porque penso que dos tantos quantos atentam para esta outra coisa que está além das telas de celulares e computadores?

O fogo não é mais o das fogueiras ou da lenha do fogão e o que nos norteia nem sempre é o ciclo alimentado pelo ir e vir dos astros, da sazonalidade do tempo, do nascer e morrer das plantas e das demais pessoas.

Temo que esqueçam aquilo que seus avós sabiam, sem, contudo, ter como eles (os jovens) têm hoje a competência para assuntar e entender também no intelecto. Os antigos mal tinha saída para as agruras do tempo, como hoje os jovens mal têm saída para as (tantas vezes duvidosas) benesses da tecnologia.

Mas olho para eles e meu temor tende a dissipar-se um pouco porque há neles uma grandeza de descobridores!

Beijos a todos.

Aureo Augusto

segunda-feira, 4 de julho de 2022

NO VALE DO CAPÃO - ALIMENTAÇÃO E CÂNCER

 Hoje o sol deu as caras agora depois do almoço, corri no rio pra gostar de sentir a correnteza!

Gosto da chuva, quem não por aqui? É que aqui no Vale a chuva tende a ser apenas benção, mesmo quando se demora, e a grande maioria concorda que lama é melhor que poeira.

Mas o sol é (literalmente) uma luz e nos protege, inclusive contra doenças como o câncer já que com ele produzimos vitamina D que tem papel muito legal na modulação imunológica. Foi aí que pensava nisso e o pensamento foi mais adiante sem que eu pedisse.

Pois não é que o câncer sempre existiu, mas agora estamos no meio de algo que poderia ser chamado de pandemia de câncer. Béliveau e Gingras (in Os Alimentos Contra o Câncer, ed. Vozes) nos contam que a revista Time fez uma amostragem dos medos que temos e a realidade. A revista nos dizia que morrer de acidente de avião é um medo frequente, mas o risco de morte é 1 para cada 3 milhões de passageiros. De ataque de tubarão é 1 pra cada 280 milhões. De carro já é mais sério: 1 pra cada 7000 viajantes, mas o câncer atingirá 1 entre 3 pessoas antes dos 75 anos de idade! Nos EUA 600000 pessoas morriam de câncer por ano. Hoje é muito mais, pois o livro foi publicado em 2005.

E o que isso tem a ver com o nosso tão delicioso Vale do Capão?

Repare: Na Índia, China e na América do Norte o aumento do consumo de frutas e legumes tem sido responsável por redução em 30% da incidência de câncer em 25 anos. Tumores malignos de cólon e reto (intestino grosso) que estão entre as 5 maiores causas de morte por câncer no Brasil têm a ver segundo os estudiosos com o baixo consumo de legumes e frutas.

Aqui, nesse vale único, quando vim morar tínhamos problemas com a variedade de alimentação por causa das dificuldades com transporte, com ganhar dinheiro, entre outras coisas. Mas às 10 h da manhã tudo parava para comer jaca (quando na época da fruta). As crianças sabiam roubar frutas nas roças. Tá bem que o sal era o tempero e por isso todo mundo castigava, mas tinha suas compensações.

Hoje tem uma coisa chamada calabresa, não sei se já viram esse negócio. Antigamente era coisa rara, coisa de festa do padroeiro e veja lá. Agora é comida do dia a dia. Hoje temos uma coisinha até bonitinha, amarela, com jeitinho de ter sido feito de isopor, o nome é salgadinho. Deveria ser salgadaço!

Conquanto tenha aumentado a variedade de frutas e legumes, as crianças estão de olho é nesses salgadinhos, achocolatados (deveria ser açucarados) e temo pelo que vai acontecer no futuro.

Olho o sol e sou grato, aguardo para hoje de noite mais chuva, mais lama pro carro rabiar, mas também espero que a par da poesia que temos aqui à farta, vamos cuidar para que possamos nos debruçar na janela da vida até bem depois de muito tempo passar, felizes e saudáveis.

E sem boa comida não será tão fácil.

Grato de coração!

terça-feira, 19 de abril de 2022

FILHAS E FILHOS DAS ESTRELAS

 


Parei um pouco o que fazia, pois o sol oblíquo da tarde chamou-me à janela.

As árvores, a luz parecia que saía delas (e saía), as folhas tremulando ao passo dos raios que abençoavam a terra úmida pelas últimas chuvas.

Sabem meus amigos? Tenho a impressão de que no mundo, digo melhor, no Universo, há um algo, um Grande Mistério, um Quê que não conheço e que é incognoscível, até porque para nós pode ser difícil conciliar a ideia de um Algo tão vasto que, como tal, se basta a si, e ainda assim tem um quê de pessoal com cada um de nós e toca a cada um dos seres existenciais como uma Fonte de onde flui tudo e a si. Uma Grandeza infinita, impessoal, uma beleza maculada de existir e de viver.

E quando o sol paira com sua luz tocando a mata de raspão, tangenciando a nossa vida, nas tardes depois das chuvas e quando a noite me presenteia com sua rajada de estrelas, olho pasmo e agradeço. Sei que sou escutado ao tempo em que sei que estou só. Sei que sou o responsável por mim e por tudo o que comigo acontece, mas de alguma forma habito a palma da mão do Inominável.

Uma amiga minha, a quem amo muito e sei que é recíproco, quando contei pra ela de onde vinham os elementos químicos que nos formam, quando disse das estrelas moribundas que explodiam espalhando carbono, hidrogênio, ferro, oxigênio etc. por todo lado ela me olhou surpresa dizendo que pensava que esse papo de que somos feitos do pó das estrelas era mera metáfora.

O legal é que a verdade pode ser uma metáfora!

Nesse instante dá-me de saber que todos nós, filhas e filhos das estrelas, todos nós, somos filhos e filhas das estrelas, como estrelas, iguais e diferentes, como estrelas destinados a brilhar (sem fantasias – pois brilhar é apenas ser, seja como for).

Beijo no coração

Aureo Augusto

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

O CIRCO NATURAL DA PARTILHA

 

o aleph (homenagem a J. l. borges), acrílica s/placa de ardósia

Uma conhecida minha explicava a alguém como fazer certa comida. Esta conhecida vive de mandar marmita há muitos anos em uma capital. Depois que se despediu ela me confidenciou que quando ensinava alguma receita dela para alguém nunca dava o “pulo do gato”, pois qualquer pessoa poderia ser uma concorrente futura.

A declaração me assustou, já que aprendi (principalmente com meus pais) que partilhar nunca é prejuízo. Mas, estávamos em um shopping e olhando ao redor percebi como era viável naquele lugar tal tipo de pensamento. Um filho e duas filhas da minha prole trabalharam em shoppings e com eles aprendi como são as relações trabalhistas ali, como é a busca da vantagem.

Nada contra o lucro, não acho ruim que o comerciante ganhe, aliás, pelo contrário, acho muito legal, podendo, obviamente, como tudo, ser letal. A busca de lucro acima do reconhecimento de que somos todos uma humanidade e aquilo que a um afeta, a todos toca, é causa de muitos males.

Agora estou aqui em casa, uma casa como qualquer outra, só que cercada de mato... no mato não há sinal de lucro. A natureza tudo oferta, é como se soubesse que não há em seu seio a possibilidade de não interferir no viver de todo o mais.

Está claro que na natureza a onça caça o coelho, que este come as plantas, estas usufruem da morte de outros seres, cujos corpos foram transformados pelos micro-organismos do solo. Enfim, na natureza a onça no fim é comida de planta. No círculo da vida, todos somos quem come e quem é devorado, a seu tempo.

Na natureza tudo é um circo, um círculo, tudo coberto pela tenda da infinidade das relações, um tecido complexo no qual nada sobra e nada é demais.

A humanidade sobreviveu apenas porque soube partilhar. Somos, enquanto animais, seres fracos, não temos a agilidade dos gatos ou a força dos cavalos, tampouco nos assustamos com gatos ou cavalos e inclusive elefantes (bem mais fortes que cavalos) podem ser domesticados. Mas tudo o que somos e temos, começou com o fato de que compartilhamos com os demais aquilo que coletávamos ou caçávamos. Não é conveniente que esqueçamos isso apenas porque vivemos em uma sociedade pautada na competição.

O “pulo do gato” é um “tiro no pé”. Acho isso divertido de pensar!

Grato por estar aqui comigo.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

DE GORGEIOS E RELAÇÕES

 


Hoje, primavera inicial, o amanhecer veio com a serra envolta em nuvens como eu nos cobertores. A névoa esparramou-se leve e fria até tocar os telhados das casas... Um silêncio, mais ainda que a névoa, inda mais que o frio, ocupou cada canto, loca, buraco, sombra, espaço... nem pássaro, nem vento.

Enquanto o dia do mundo espreguiçava-se indeciso entre luz e nuvens os seres humanos alheios à vida acontecendo se ocupavam do preparo de um dia humano. Um dia repleto de ausências.

Por fim, os pássaros suplantaram com seu canto o silêncio que se ocultou sabe-se lá aonde, mas seguiu sendo o sustentáculo , a base em que se desenvolvia os sons da chuva nas telhas e dos insistentes gorjeios do pequeno povo de asas e cantos. Pergunto-me:

Quantas vezes deixei de sentir o dia nascer, e como?

O que causa em mim o circo do tempo, e quanto, quando enquanto perpetua-se a vida, efêmero, tantas vezes abandono a consciência do perene circuito do viver no mundo?

No círculo da vida, como na lona do Circo do Capão, todos os pontos extremos estão ligados ao centro. Assim, cada ato, pensamento, vontade, ou desejo, enfim cada coisa (como na lona do circo) se insere em um campo universal de relações fluidamente estabelecidas. Fluidas, porém consistentes, relações que nos definem, que são aquilo pelo qual todas as coisas existem. Sim, nós não somos seres separados, à parte, o que nos faz existir é o fato de que outras coisas existem.

Sinto em mim que quando perco o estar aqui e agora deixo um pouco de existir, e isso é uma das doenças que nos afligem.

Bjs no coração de todos!

Aureo Augusto

PS: observem que o texto foi escrito no início da primavera e não agora mesmo.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

 

UM ANO PARA O AMOR!

Já o ano se vai. Já bilhões de pessoas jubilosas saúdam o novo ano e nele põem suas esperanças de que tudo vai estar melhor.

Tudo tem estado melhor, noto, em que pesem as pandemias, o aumento absurdo de eventos climáticos extremos, a violência urbana, a nossa incompetência em estabelecer relações igualitárias com os demais seres humanos... Muitas coisas têm pesado nos últimos tempos.

Como sempre estou cheio de esperança. Tenho essa tendência, para mim inevitável, de ter esperança. Aliás, apesar de estar informado das coisas que estão acontecendo, mantenho uma fé inabalável na humanidade. Não sou cego. Sei que estamos correndo riscos graves por nossas atitudes desrespeitosas (para dizer o mínimo) para com as outras pessoas, a natureza interna e externa. Sim, amigos, estamos bordejando o desastre.

Desta vez não é um império que arrisca cair. Não é um povo que pode desaparecer. Não é uma empresa que encontrou a falência ou a bolsa quebrou. Agora a ameaça é global, tal como a globalização. E ainda seguimos meio cegos, habitando uma névoa de fantasia quanto ao nosso poder de seguir adiante sem reavaliar caminhos.

Mas mesmo assim, mesmo sabendo dessas coisas, digo pra vocês de coração que sigo acreditando que conseguiremos.

Acredito que vamos passar por bastante sofrimento, até aprender, mais ainda, até compreender e ainda mais até viver a mudança necessária.

Acredito que seria mais fácil se apenas soubéssemos amar com o coração limpo.

Acredito, aliás sei, que muitos estão tentando abrir-se para o amor como farol para a caminhada. Eu estou tentando, quiçá por isso acredito.

Ocorre-me de repente que mais do que acredito, eu sei que algo está se fraguando no ventre da Terra, no íntimo da humanidade e que seja pelo amor ou pela dor, vai acontecer!

Nesse novo ano será? Quem sabe? Não creio que seja, mas sempre está aberta a possibilidade de ser. Mas sempre podemos, cada um de nós, dedicar o próximo ano a desenvolver cada vez mais em nós a nossa capacidade (habilidade, fluidez) para amar. Um ano para o Amor!

Recebam o meu amor!



quarta-feira, 24 de novembro de 2021

PENSANDO AQUI NA VIDA

 
Dizem que a vida é uma escola e estou inclinado a acreditar nesta afirmação. Porém, observando com cuidado, percebo que há diferença marcante entre a escola da vida e as outras. Vejo as crianças se formando felizes recebendo o título de conclusão do curso fundamental. A alegria do diploma!

A promessa é que quanto mais diploma, mais ascendemos social e economicamente. No entanto, nem todos acreditam nisso, e em parte porque é patente o fato de que tem é gente diplomada e desempregada ou que recebe salários irrisórios.

Não quero dizer que um diploma não serve pra nada, até porque é uma sensação muito agradável e mesmo emocionante ter nas mãos um papel que atesta uma conquista alcançada com esforço. Em certa medida o diploma é por si só um prêmio (ainda que nem sempre seja algo lucrativo) como podemos ver nos rostinhos sorridentes e expectantes das crianças do fundamental se formando.

Há uns anos recebi um título de Comendador da Ordem do Mérito Médico Nacional, do Ministério da Saúde. Quando recebi a comunicação de Brasília e o convite para ir lá receber o as medalhas e o diploma (isso foi importante), não fazia ideia do que era ser um comendador. Meu filho, que tende a ser iconoclasta, pesquisou para me dizer e me veio com a resposta:

                – Ah, pai! Isso não passa de um título honorífico – e completou com pragmatismo – não dá dinheiro nenhum.

E disso rimos bastante, mas para mim, isso poderia chamar a atenção da mídia e então aproveitar para defender o SUS, o que traria, como trouxe, validade ao título. Convém não deixar de lado o fato de que tive uma satisfação pessoal ao pensar que, não sei por quais vias, um médico que labora num povoado na zona rural de uma cidade pequena no centro da Bahia chamou a atenção, por seu trabalho às autoridades federais. A satisfação do diploma! A sensação de que algo fiz...

Ganhar diplomas tem seu brilho... mas... voltando a tratar da escola da vida, devemos lembrar que o pior mesmo dessa escola é que quando chegamos ao final não rola diploma algum!!!

Tenho certeza que deste último parágrafo podemos exarar vários pensamentos profundos, mas destes fico com um (não tão profundo, convenhamos):

Já que é assim, e não recebemos um belo papel assinado pelo diretor da escola da vida, pelo menos aproveitemos o que há nela, como o recreio, a camaradagem com os colegas e a beleza do cenário (aqui no Vale do Capão então...), pois dessa estranha escola só escapamos com a morte.

Aureo Augusto

domingo, 31 de outubro de 2021

O VALE DO CAPÃO DE ANTES

 

Esta semana conversava com amigos que nasceram ou viveram o Vale do Capão antes dele se haver tornado o lugar cosmopolita que é hoje. Delícia lembrar!

Lembrar é reviver na alma. As águas corriam mais do que hoje, a lama impregnava o mundo muito mais tempo que o tempo da poeira agitava os pulmões. Jamais faltava a chuva das águas, tampouco a candombazeira ou o aguaceiro do período da quaresma. Os ventos uivavam como hoje e faziam das folhas barcos aéreos nos redemoinhos – mas isso não mudou – o povo acordava antes do sol e com ele ia dormir.

Uma coisa interessante é que os galos não cantavam fora de hora. Seu cacarejo era somente na hora de puxar o sol para o seu passeio diário. Hoje perdidos na luz das noites eletrificadas de repente divisam uma luzinha em um momento de sono mais leve e dão pra se esguelar sem que o sol corresponda.

Vai daí que o próprio correr da conversa nos trouxe para os tempos de agora.

Tempos fáceis, tempos luminosos, tempos internáuticos!

Fáceis pois não mais aquela labuta (às vezes insana) para conseguir arrancar da terra a batatinha, o aipim, café, cana, uva, marmelo, pêssego, banana etc. que iriam ser levados para Palmeiras às 3 da manhã, à luz das tochas de candombá, a pé no mais das vezes no comum do povo, chuva ou pó, rios roncando trilha variando texturas sob os pés descalços, sandálias grosseiras, sapatos surrados como as almas, mesmo aquelas jovens.

O retorno sob o sol, luz diurna em abundância, mais silêncio que conversa, mas conversa também bem como risos...

Sim, era outro Capão, como o rio era outro, como eu era outro, como todos nós mudamos com a mudança dos tempos... os tempos de outrora... bom saber que foram bons a sua maneira, bom saber que passaram... como passarão os tempos de hoje – bons a sua maneira – e amanhã uma criança vai acordar feliz porque acontece um novo dia e ela poderá (sem o saber) alimentar com sua vida o eterno passar.

Aureo Augusto