O pai de Magdalena Szaszkiewicz lhe contava que quando ele
era pequeno, logo após a Segunda Guerra Mundial, quando da “liberação” da
Polônia pela Rússia, na escola as crianças eram reunidas no pátio e um
professor lhes dizia que pedissem a Deus que lhes desse caramelos. Então os
alunos se punham a orar piedosamente, mas nada acontecia. Aí lhes recomendavam
que pedissem ao “papai Stálin”, o que faziam, e os caramelos apareciam como num
passe de mágica.
Magdalena cresceu naquela Polônia, construída com os
caramelos de Stálin, onde as pessoas estavam obrigadas a usar de toda a sua
criatividade para burlar a lei com a finalidade de conseguir o mínimo para
sustentar suas famílias, já que o conforto dos autoproclamados comunistas
pautado nas tarjetas de racionamento era nada mais que falácia ideológica e
pratos insuficientes. Um mundo onde não se poderia confiar nos vizinhos, já que
qualquer deles, incluindo o mais íntimo, poderia ser um vigia do governo. Um
lugar onde não se podia falar alto nem pensar diverso, e seus olhos umedeciam
com as lembranças.
Estávamos Irma, Belém, Magdalena e eu na hospitaleira
cozinha de Jorge e Pati, em Pirque, junto à Cordilheira dos Andes, nas
proximidades de Santiago de Chile. O acolhedor fogo e cheiro de pão tostado
davam às lembranças da polonesa um sabor onírico, ao tempo em que nos trazia a
uma realidade não muito distante no tempo. Irma não nos deixou esquecer dos
tempos de racionamento na atroz revolução de direita acontecida nesse belo país
e, conquanto o sofrimento brasileiro não tenha levado ao ponto da fome, o medo
foi o mote que garantiu o poder àqueles que, com diferentes matizes
ideológicos, trataram de impor a verdade que Deus, ou o Capital (o mercado), ou
o Partido, davam por assentado como única.
Logo da “liberação” da Polônia com a queda da Cortina de
Ferro (será que os jovens sabem o que é isso e o que significou?), Magdalena
foi à Noruega e ali havia algo que a deixou estranhada. Não identificou de
imediato esta sensação, mas depois percebeu que as jovens como ela vestiam
roupas coloridas o que não era acostumado a seus olhos, pois só conhecia
branco, negro ou azul marinho nas roupas. E, enquanto me contava de sua
experiência de vida não pude deixar de pensar – e o expressei – quanto de medo
havia naquele regime que para “salvar” as pessoas tirava delas a humanidade
(autonomia, liberdade, criatividade, prazer de viver...), no que ela concordou.
E no decorrer da fascinante conversação, fomos destrinchando
acontecimentos atuais e nisso incluindo o fato de que não estamos livres da
dominação, até por conta das manipulações midiáticas que podem nos levar a
comer o que não é bom para nossa saúde, inscrever-nos em grupos terroristas
fundamentalistas religiosos e por aí vai. Mas qual a solução?
Vigilância. Mas não aquela expectativa armada a que estamos
acostumados, pois isso não deixa de ser repetição do que está aí, mais do que
sempre tivemos. Magdalena nos diz com os olhos úmidos de amor que carecemos
nós, antes mesmo de divulgar mensagens de libertação e denúncia, carecemos,
dizia, viver o amor, vivenciar o amor em si, por si e na vida e, então
irradiá-lo, e seus olhos umedeciam com a mensagem, e, pena que nesse texto não
possa mostrar a beleza luminosa que dela irradiava enquanto nos brindava com
essas palavras.
Recebam um abraço carinhoso de Aureo Augusto.