Júlia era pequena quando veio passar uns dias aqui em casa. Como toda criança ela gostava de escutar histórias. Pensando bem, todos nós gostamos de histórias, não fosse assim o cinema, o teatro, as novelas não teriam espectadores. Um dia estávamos brincando com os irmãos e pais quando aconteceu a coisa de contar histórias e, de preferência história de terror. Os pequenos gostam deste tipo de história às vezes, quando a emoção, o medo principalmente, é confrontado em um ambiente seguro. Essa coisa de história sempre me faz lembrar um antropólogo, Etienne Samain, que escreveu um interessantíssimo livro sobre um dos povos do Xingu, os Kamayurá cujo título é Moroneta Kamayurá. Ali ele diz do valor das lendas e registra algo que acho precioso: Que o momento de contar uma história importa e muito. A história pode ser modificada pelo contador conforme for contada na beira do rio ou no espaço entre as ocas. Os índios têm isso claro. Por isso é sempre legal dar uma certa atenção ao ambiente. Quando meus filhos menores eram pequenos eles e seus amigos se reuniam em minha casa para contar-lhes as aventuras dos irmãos Sigurd e Sowelu, sempre acompanhados de um grupo de companheiros que se metiam em situações bem difíceis, porém sempre se saíam bem. As histórias eram inventadas ali mesmo, na hora, mas havia um certo ritual antes de começa-las. Tinha um clima. Os adultos não podiam participar exceto Cybele, que tem um sorriso que permanece como uma luz de criança em seu rosto. Era um momento quase sagrado.
Depois que cresceram, eles queriam que contasse as histórias do “livro da caveirinha”. Assim Sunna, minha filha, chamava o livro Cuentos y Leyendas de la Bretaña de Ros García-Lluis (recopilação), em cuja capa tinha uma morte esquelética com a tradicional foice. E na hora que Júlia pediu uma história de terror veio à minha memória aqueles agradáveis momentos com os filhos e seus amiguinhos e amiguinhas.
Naquela oportunidade contei uma história que aprendera quando criança e que aqui vai resumida: Um homem era ladrão de túmulos. Sabia de todos os enterros e dos enterrados, quem rico e quem pobre, quem daria lucro na cavucação das sepulturas e quem de nada valia. Vivia visitando os cemitérios às noites, cavucando covas, e roubando pertences dos defuntos. Vai daí que um dia encontrou um anel em um dedo feminino. Belo, de ouro e pedras. Mas o dito anel estava colado no dedo. Não conseguiu arrancar o adereço sem cortar o dedo e coloca-lo no bolso. Então fugiu do cemitério, pegou o carro e se foi. Mais adiante uma mulher pediu-lhe carona e, apesar do adiantado da hora não negou. Após alguns quilômetros notou que à pobre e silenciosa mulher a seu lado faltava-lhe um dos dedos. Perguntou-lhe então que tinha acontecido, como tinha perdido o dedo. O segredo da história, e o que a torna emocionante, não pode ser experimentado por quem lê; pois agora cabe ao contador, de supetão, agarrar quem escuta e dizer com a voz soturna: “Foi você”. Isso dá um tremendo susto no outro e aí reside a graça do conto. Graça ou terror (desgraça)? Quem escuta sempre se assusta, mas gosta. É engraçado como gostamos de emoções fortes. Claro que Júlia e os demais se assustaram, mas se divertiram também.
Hoje me lembrei muito dela e por isso quis contar, e partilhar com vocês esta história. Pode ser que logo lhes conte uma das histórias do “livro da caveirinha”.
Para vocês um abraço terrificante (rsrsrs).
Aureo Augusto.
Argh!!daqui eu me arrepiei.Minha mãe adorava contar estas histórias de forma bem teatral e eu aaaadorava, também tinha o colo dela na hora do arrepio. Continuo achando massa e adorando!Lindo texto
ResponderExcluirEstes momentos são mto legais. Meus pais não foram mto dessa coisa de contar histórias, mas eu adorava fazer isso com meus filhos. Era mto legal. Depois de contar as histórias ainda fazíamos teatralizações delas o que tornava aqueles momentos mais divertidos ainda.
ResponderExcluirGrato!
Querido Aureo, (re)contamos a história no dia seguinte do seu post, para uma turminha de 10 crianças, em férias na quente Fortaleza, com uma lua enorme no céu. Foi um barato! Muitos gritos, muitos abraços e muitas risadas.
ResponderExcluirSimplesmente delicioso... as lembranças voltam suaves e envolventes. Me vi na fazenda vivendo esses momentos, onde o medo e o desejo eram fiéis parceiros. Estou aqui rindo sózinha e me lembrando desses sustos!!!
ResponderExcluirQue legal, Elza,
ResponderExcluirqdo era criança, nos reuníamos um grupo legal e contávamos inúmeras histórias de terror. Parece que assim tentávamos aprender a lidar com o medo.
Um abraço