O dia amanheceu frio e a neblina escondia as serras até bem abaixo da metade. O dia 31 de outubro de 2010 acordou com aquele silêncio que caracteriza a névoa, quebrado pouco depois pelos pássaros e crianças com seus cantos esparsos. Lembrei-me que o povo se arruma para a votação, mais ainda os mais velhos. Pensei que já estou entre os mais velhos, pois, com 57 anos, estou bem próximo dos 60 que marcam a terceira idade. Consequentemente me arrumei com uma roupa (para mim) bastante digna do evento cívico (conquanto obrigatório). Uma calça bege praticamente nova, camisa de manga comprida xadrez ostentando no bolso uma caneta tinteiro e uma lapiseira. Só não gravata porque não sou muito afeito a este adereço.
Durante o período ímpio do regime militar eu não votava. Pensava comigo que de alguma maneira estava colaborando, ou melhor, avalizando o regime se fosse escolher nas urnas os candidatos que, mesmo de oposição, eram permitidos pelo regime vigente. Porém, e, mais ainda, depois daquele belo movimento das diretas já, e também da movimentação que levou à queda de Collor de Melo, evidenciou-se que o Brasil entrou em um período de democracia. Reconheço que ainda estamos no início e que, como tal, cometemos ainda erros sérios. Mas somos, a meu ver, uma democracia bem mais robusta do que o esperado em tão pouco tempo, e disso me orgulho. Quero votar, mesmo quando os candidatos não são aquilo que sonho. Deputados e Senadores têm cometido barbaridades absurdas e sei em mim que para a maioria deles pouco importa a palavra democracia, exceto quando usada para preencher discursos hipócritas. Em que pese a dignidade de alguns, a regra para a maioria é o usufruto do cargo com olhos em ganhos pessoais. Sei que não se importariam que voltássemos a um regime militar, ou de exceção, desde que mantivessem sua ocupação. Comportam-se de modo tal que algumas pessoas, com pouca memória, até desejam um regime de força onde um homem nos salve da corrupção. Este sonho do homem forte nos remete à família patriarcal e nos faz esquecer que o patriarcado nos levou a beco terrível onde bombas atômicas, guerras, desrespeito ao meio-ambiente, homens-bomba, separação entre fato e valor, são a norma. Onde impera uma espécie de ética da força bruta.
Quero votar e o faria mesmo que não fosse obrigatório. Porque esta é uma das formas de estar presente. Estar acompanhando os atos dos eleitos é outra forma e muito importante do viver democrático; a república não existe apenas nos momentos do voto, mas também quando avaliamos aqueles que nos representam no executivo e no legislativo. Sempre há em mim uma esperança de que os eleitos correspondam à consideração que os meus vizinhos do Vale do Capão têm pelas eleições. Estas esperanças nem sempre se cumprem em realidade, porém tampouco morrem e em grande medida porque vejo como a gente do nosso país tem evoluído politicamente apesar da eleição de alguns palhaços.
Recebam um abraço democrático e aguardem um post sobre alguns pensamentos que tenho tido sobre mulheres no governo e feminismo (e ecofeminismo).
Escrito por: Aureo Augusto
Belo texto, Áureo, como sempre. A propósito da eleição de palhaços, olha que interessante este islandês e seu "O Melhor Partido" > http://www.politicsdaily.com/2010/06/30/mayor-john-gnarr-the-best-party-and-icelands-punk-politics/
ResponderExcluirVou votar com qualquer roupa desde que esteja limpa e seja simples, o que importa é o meu estado de espírito e a minha consciência e sempre voto e volto muito feliz para o meu amigo travesseiro não preciso me fantasiar para votar, entendo até o lírico e o poético do texto mas é uma coisa bem antiga esta. Uma boa leitura para as pessoas que vivem delimitando idade e se encontrando dentro dos seus limites e seus espaços se colocando sem chance de ultrapassá-los é um livro do pensador Cícero - Saber Envelhecer - só acho que estas delimitações devem ser para a própria vida e escolhas de quem as faça (e isto é o propalado respeito que tanto aconselhamos ter pelo outro) Tenho uma vaga certeza de que cada um sabe o momento que escolheu envelhecer. LÍLIA CAMPOS
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