Uma coisa muito legal dos partos aqui no Vale do Capão é a
comadreada que aparece. Hoje em dia o
povo está mais “civilizado” e a coisa já não é como antes, embora este costume
ainda exista.
Era assim: O marido, um filho mais velho, irmão, tio ou a vizinha
vinha em minha casa me tirar da cama, do almoço, da pintura de um quadro ou do
descanso para me avisar que a mulher estava “incomodada”. Era esta a palavra
para trabalho de parto. Às vezes era diferente. Um dia Ditinha me pegou na
estrada, escuro, chegando de uma cansativa viagem, porque Reizinha, sua filha,
estava com um parto complicado (coisa boba, colo anterior, bastou reduzir e o
cabrito pulou fora – e não parou mais de pular, pois esse sempre foi danado).
Noutra oportunidade arrumava a mala para ir a Salvador atender e me chamaram.
Lembro que me preocupei com a viagem do dia seguinte. Naquele momento meus
olhos divisaram minha bolsa de runas. Então resolvi tirar uma runa pelo parto,
saiu Wunjo, a runa da alegria, invertida. Pensei: invertida ou não é a runa da
alegria. E saí.
O parto demorou bastante e a mulher ficou muito agoniada me
perguntando a cada momento se a criança estava viva. Preocupava-se demais e
tive que fazer algumas manobras para que as coisas acontecessem a contento. Mas
no final tudo deu certo (e já fiz o parto do filho deste menino que naquela
noite nasceu). Voltei pra casa apenas para pegar a mochila e viajar. Só então
me lembrei da runa. Então abri o manual das runas escrito por Ralph Blum onde
encontrei a frase inicial do texto sobre wunjo invertida: “As coisas levam
muito tempo para frutificar. O processo de nascimento é longo e árduo e
aparecem medos pela segurança da criança que está dentro”. Sorri e dormi no
banco desconfortável enquanto o ônibus vencia a distância.
Mas escrevia da presença das comadres nos partos. Quando
chegava já lá estavam várias senhoras; todas prontas para ajudar e me olhavam
interrogativas quanto ao que deveriam fazer, éramos uma equipe. Atentavam a
cada atitude minha, riso, fala, jeito – depois descobri que deduziam a
qualidade do acontecimento conforme meu jeito – e recitavam suas ladainhas em
silêncio. Então, durante a espera era muito legal o converseiro. A mulher era o
centro ao redor do qual todo o mundo girava naqueles instantes. Mas às vezes ela
ficava com a cabeça encostada no regaço de alguma comadre e ali ficava por
algum tempo descansando. Nestes momentos sempre tinha alguém que se lembrava de
algum caso, alguma história e contava a boca pequena. Às vezes a própria
parturiente contava algo e ria. Tinha uma coisa de poesia naquelas longas
noites em que as sombras eram o pano de fundo do ato de dar a luz.
Depois que o parto acontecia, céleres, arrumavam tudo. Eu
ficava sentado na sala vendo o sol me dizer que o dia cantava filho da noite.
Então tudo limpo e arrumado me chamavam para dar os conselhos finais (ou
iniciais de uma nova vida). Então recebia o abraço tão grato e doce de cada uma
daquelas senhoras, beijava a testa da parturiente e do bebê e saía pro mundo
das coisas comuns.
Não lhe ofereciam nem um cafezim, meu caro parteiro?
ResponderExcluirRealmente, o nascer de antigamente, parece que existia mais poesia. Eu nasci de um parto domiciliar aonde champanhe foi estourada ao meu primeiro grito. Primeira filha, primeira neta, primeira sobrinha, enfim. Mas mainha odiou o parto. E passou este sentimento para mim. Foram mais de 12 horas de agonia, eu entalei e foi preciso um doutor, huhuhuhu, um doutor, para que a Juju que aqui lhe escreve, saísse das entranhas da mamis. E assim eu fui crescendo, ela sempre me relatando a forma sofrida e ruim da minha chegada, ah sei lá...introjetei isso e fiz minhas duas cesas eletivas. Não quis passar nem por um segundo, o drama e agonia do parir de mainha. Não me arrependo mas confesso que parir assim, como era no Capão e no meu interior, tinha sim, mais poesia.
Receba um abraço cheio de ocitocina...
Todos os fenômenos naturais podem degringolar. Principalmente em uma sociedade onde os hábitos não são naturais. Por algo vc teve esta experiência. O que importa é que está bem, feliz e com dois blogs novos, mesmo tendo fechado outro.
Excluirabração procê.
Blogs?? oh...rsrsr...eu estou numa fase de transição intensa. Várias vertentes, uma ansiedade angustiosa por decisões e essas decisões precisam se encontrar no meu objetivo de vida. Não podem ser paralelos, os caminhos, entende? Tudo precisa ser muito coeso e espiralado para acima. Não quero mais nem abrir e nem fechar ciclos. Eu entendo que a vida não são ciclos e sim, espirais. Aqueles círculos que ascendem, os sinais de transformações que vão nos levando a viver, a experimentar.a vida, a nos dar experiências. Se fechamos os ciclos, seria como encerrar mas jamais vamos encerrar nada, sem levar conosco os experimentos. Tudo que vivemos e vivenciamos, são carimbados em nossas almas. Mesmo os processos inconscientes e vosmecê sabe disso bem mais do que eu, porque és um estudioso.
ResponderExcluirE se tudo é processo de vida e aprendizado, o meu nascer marcou a minha alma. De um lado, ficou carimbado o acolhimento, a familia me aguardando, o amor reinando, o doutor chegando. Por outro, a sensação de que eu causei dor e sofrimento à pessoa que veio como minha mãe mas eu sempre meditei sobre o assunto e entendi que, eu, sendo a primogênita, abri caminhos para os meus outros irmãos. Ao menos no mundo físico, aonde todos os outros partos foram super rápidos e tranquilos e naturais. O fórceps nas minhas têmporas, espremeu o meu juízo a ponto de liberar o chacra da sensiblidade que permeia a minha existência. Tirando tudo isso, acho que eu sou normal...rsrs
Quanto aos blogs, estou analisando que fase estou para retomá-los. Eu lheinformo.
Receba um abraço energético.
Querida,
ResponderExcluirgostei mto de suas palavras. aprendo contigo.
dizem que a vida é uma escola. Se é, não é das mais terríveis, pois ninguém é reprovado, apenas no ascender da espiral a marca fica. receba um abração.
Sem dúvida, algo que incrementa a alegria nas comunidades pequenas e¹ou pobres
ResponderExcluiré esta reunião de solidariedade que ocorre nestes 'acontecimentos'. É uma prestatividade sem limites.
Triste é constatar que uma reunião similar com predominância masculina, complementa-se logo logo
com cachaça ou cerveja, retirando, quase completamente, qualquer aura de espiritualidade, ou
mesmo de respeitabilidade, do local.
Abraço arcaico.
É incrível como temos, nós homens, esta tendência autodestrutiva e também a evitar uma alegria sensível e sem adereços perturbadores da consciência. impressiona.
Excluirabraço arcaico também