Sou uma pessoa tremendamente curiosa e com uma sede de aprender que beira o vício, devo reconhecer. Por isso quando Mariane Riani colocou no face book sua inspirada frase: “Radicalismo me cheira intolerância e julgamentos”, quis aprender mais, e procurei-a para conversar.
Per si a frase é suficiente, embora não custa nada fuçar mais um pouco. Neste momento estou lendo um livro maravilhoso e a autora me apresenta alguns postulados que remetem à educação das crianças. Tenho pena de não haver lido o texto há muito tempo, quando meus filhos eram bem pequenos. No entanto incomoda-me aquela coisa radical, uma postura tal que só aquilo é vero, só o que funciona – todo o mais é erro. E esta sensação fica mesmo naqueles momentos do texto em que a autora se lembra que pode haver verdade (quem sabe?) em outra postura. Por isso quis ver com Mariane algo mais e, nossa conversa trouxe algo mais ou menos assim – lembrando que as conversas são sempre maiores que as escritas.
Ela nota que o radicalismo pode ser muito útil pelo fato de que a ênfase que põe no próprio ponto de vista faz com que ele se destaque, apareça, atraia a atenção, torna-o mais socializável, insere-o na pauta de pensamentos das pessoas, dissemina-se em jornais e revistas, acaba sendo um fenômeno midiático. Desta forma aparecem grupos a favor e contra, ocorre o debate, surgem aqueles que concordam, mas que não acham que seja tão radical como querem os radicais e por fim a sociedade pode se transformar. Um exemplo disso é o movimento feminista, cujo radicalismo (alguém se lembra das mulheres jogando fora os sutiãs?) atraiu a atenção, foi e ainda é amplamente debatido e neste rastro grandes foram as conquistas das mulheres em nossa sociedade sabidamente machista.
No entanto, alerta Mariane, o radicalismo tem “embutido a intolerância” (entre aspas porque a frase é dela). E a História aí está para corroborar sua fala. Um exemplo foi nazismo foi um fenômeno onde o radicalismo era a norma e claramente intolerante. Também os fundamentalistas religiosos não apenas seguem as normas das suas religiões como querem eliminar todos aqueles que não partilhem suas crenças; não toleram opiniões diversas. E esta é uma das mais terríveis formas de tentativa de dominação. Hanna Arendt nos conta que o pior totalitarismo é o da verdade. Quando cremos que o nosso radical modo de ser é a verdade absoluta, tudo o mais é mentira e há que ser eliminado. Esse é o caminho lógico segundo o qual aparecem anomalias como Torquemada, Pol Pot, Hitler, Stálin, Pinochet, Charles Manson, entre outros. Estes homens eram ‘donos da verdade’ e seu radicalismo continha em si e como corolário natural a intolerância. E em quanta medida esta certeza tão absoluta a ponto de matar e morrer pela tal verdade absoluta não apenas esconde as próprias incertezas, incompetências? Quanto não é uma tentativa de esconder os próprios defeitos, pondo-os nos demais?
Sendo até necessário, o radicalismo é uma ‘faca de dois legumes’ como diz a gente do campo. Um lado passível de doçura e melhorias outro amargo como afiada lâmina sobre a carne, cabendo a nós o cuidado do bom senso, pois que os produtores de novas ideias já estão atarefados demais parindo-as para nós.
Recebam um abraço radical de Aureo Augusto (rsrsrs).
Post Scriptum: Registre-se que o termo radical refere-se a raiz, cerne. Mas a palavra radicalismo acabou por ser vista como algo negativo, quando na verdade deveria referir-se apenas a quem segue cuidadosamente uma ideia, sistema ou teoria.
Post Scriptum: Registre-se que o termo radical refere-se a raiz, cerne. Mas a palavra radicalismo acabou por ser vista como algo negativo, quando na verdade deveria referir-se apenas a quem segue cuidadosamente uma ideia, sistema ou teoria.
Obrigada pela atenção ao meu comentário, doctor.
ResponderExcluirUma honra ter um texto seu inspirado em uma reflexão minha.
Seguimos filosofando... =)
Um cheiro!
Red
Aprendo muito contigo. Vc sabe. Sou grato por contar com seus pensamentos que frequentemente caminham por inesperadas trilhas.
Excluirabraço
Sem dúvida, são termos bem inter-relacionados, porém, a genealogia pode ser discutida.
ResponderExcluirNo caso do nazismo, por exemplo, não sou perito nesse período histórico, mas Hitler era intolerante
e antijudeu, bem antes de assumir o poder alemão, pelo que se lê no "Mein Kampf". Não sei como
ele chegou lá, mas pode ter aparentado certa flexibilidade e só ter assumido o radicalismo depois
de ascender à chancelaria.
Também no caso dos veganos, mesmo os radicais podem ser intolerantes a alimentos animais
sem ser intolerantes às pessoas carnívoras.
A radicalização em torno da verdade, mesmo sendo apenas uma verdade parcial ou fictícia, não leva
necessariamente à intolerância.
Um exemplo mor é o Cristo, que era radicalmente anti-pecado e não anti-pecador, intolerante frente
aos erros, não frente aos 'errados' que pretendiam (aparentemente) mudar de vida.
Creio que, de todo modo, não se pode ser radical nesse campo.
Abraço moderado.
Pra vc tb um abraço moderado. Suas palavras merecem atenção, porém o fato é que muitos são os exemplos de radicalismos intolerantes.
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