Foi há um bom tempo, tem já muita água passada por debaixo
das pontes aqui deste Vale abençoado desde o acontecido que agora vou contar.
Fui chamado prum parto lá pras bandas do Militão. A mulher,
me disse a parteira que me esperou na porta, estava “incomodada” havia várias
horas, mas não despachava. A coisa não ia adiante, estava devagar.
Adentrei a casa, daquelas de antigamente, sem janela, e
caixas de papelão fingindo-se de gavetas, mais pra escura que iluminada; a
mulher, uma moça na verdade, branquela e com cara de que não entendia o que se
passava. Naquela época não tínhamos posto da Estratégia de Saúde da Família por
aqui e muito menos agentes comunitárias de saúde, e nem todas as mulheres
compareciam à consulta em Lothlorien, a instituição onde eu atendia
gratuitamente a gente daqui. Assim nem sempre tinha pré-natal apesar da minha
insistência. Aquela moça não havia frequentado e acredito que era isso que lhe
dava aquele jeito de que vivia um segredo revelado sem mais nem que. Antes
mesmo de me acostumar ao escuro e de ver o rosto leitoso no meio das sombras,
uma coisa me causou surpresa: O forte cheiro de tempero caseiro, dos bons –
tinha coentro, pimenta, tinha alho – dava pra abrir a fome... Quase brinco com
a coisa dizendo que ia almoçar por ali mesmo, embora não fosse coisa de almoço
já que os lampiões estavam acesos.
Deitei-a com cuidado, conversei um pouco, fiz perguntas e
brinquei até que relaxasse. Então apalpei o barrigão. Quando pus o estetoscópio
de Pinar e escutei o coração a 140 bpm (batimentos por minuto) em QIE
(quadrante inferior esquerdo), já bem baixo, o cheiro de comida ficou bem
forte. Então fui fazer o exame de toque, pra observar dilatação e altura do
cabrito (ou cabrita) que estava por vir. Aí se revelou o segredo do apetitoso
cheiro. Ela estava com “as partes” (termo comum para se referir à genitália) temperadas.
A parteira, preocupada com a demora tinha enchido a vagina dela de especiarias.
Nunca tinha visto aquilo e achei bem estranho. Mas a criança já estava quase
nascendo e apenas me preocupei em limpar a comida, com medo de o cominho
irritar os olhos do rebento.
Depois do parto, quando as comadres cuidavam da mulher,
lembrei que a excitação da parede posterior da vagina estimula a contração
uterina. Por isso o tempero. Não há dúvida de que a parteira conseguiu aumentar
a contratilidade do útero, mas conversando com a parturiente ela comentou que
ardeu muito. O método foi, portanto, bastante drástico.
O Vale me reservou muitos momentos de deliciosas aprendizagens
em todos estes anos nos quais participei das vidas de tantas famílias e os
partos foram momentos inesquecíveis e ricos como fonte de alegrias e lições.
recebam um abraço temperado de Aureo Augusto
Como dizem as 'miguxas': kkkkkkkkkkkkkkk!
ResponderExcluirIsso lá é hora de temperar a "comida"?
Mas coentro, pimenta, alho, cebola... tudo bem, mas cominho? Aaaargh! Num guento!
Acredito que tenha ardido mesmo um bocado, ainda bem que não tive que parir.
Abraço cheiroso.
tb achei uma coisa bem estranha. Por sorte das mulheres daqui, isso é passado. Ainda bem que vc não teve que parir naquele tempo, kkkkkkkk. Abração sem tempero.
ExcluirQue delícia de experimentos, meu caro amigo. Quantas vivências temperadas com sabedoria e o dia a dia do Capão.
ResponderExcluirE ói eu aqui...rsrsrsr, também ouvindo (e não vendo), as conversas das parideiras de Cações.
Sim, amigo Áureo, em Cações também se temperava as partes...heheh, para que as contrações chegassem rápido e a mulher se despachasse.
E teve uma em especial. Cumadi Mundinha. Negra forte, robusta, parideira das boas. Pariu 16 filhos, inclusive o primeiro debaixo de uma árvore, em pleno temporal e frio do inverno em Cações. Motivo? "Saiu de casa" (perdeu a virgindade) e o mancebo fugiu. Vergonha para a família que não permitiu que a ex-donzela expurgasse seu rebento ali. E de porta em porta, já consumida pelas dores, se agachou embaixo de uma imensa mangueira e sem tirar a calçola, ela pariu. Como o nenen nasceu dentro da calçola, tem o apelido de CARAPICUM, que são aqueles gererês de pescar siris, tipo um saco de tela...kkkkk..oh...
Assustada, o próximo parto quase a levou a morte. Uma placenta prévia, assim eu penso ter sido. Veio mortinha da silva ou quase isso, de canoa até Itaparica e de lá, para o Tsyla Balbino. O doutor então recomendou que ela não tivesse mais filhos e se os tivesse, que fossem todos cesareados..hehehhe...Ela pariu mais uns 14,sem contar as percas, a maioria sozinha e atualmente goza de uma saúde perfeita apesar de tantos problemas.
Ah...quase ia se esquecendo. Todos os partos dela eram temperados com uma cebola enfiada e alhos. E o costume se perdurou por anosss, no vilarejo de Cações.
Quem viver, contará. E elas viveram para contar e agora dão risadas e gargalhadas e jamais iriam repetir a experiência. Aliás, experiências essas contadas por ela, que tem aumentado o número de cesáreas no vilarejo. Lá, virou status parir cesárea e a maioria está com medo de parir.
Receba um abraço envolvido com alecrim.
Do pto de vista do cheiro, é melhor alecrim que alho de cebola (rsrsrs). Parece que o temperar "as partes" era coisa bem disseminada. Dizem que o primeiro momento na vida, o parto interfere no resto da vida; será que os filhos dela gostam de comida bem temperada? KKKKK. Vc tem razão, cesárea virou status. E a culpa não é apenas do povo comum que quer status.
Excluirreceba um abração de alecrim tb.
Aureo, muito bom o blog to lendo sem parar os vários acontecidos daí.
ResponderExcluirVocê é um figura e que idéia boa escrever um pouco desse seu rico mundo, to embebedando de tanto ler.... parabéns!