terça-feira, 4 de março de 2014

SUS

Tenho um jovem e grande amigo chamado Kian, que com seus familiares passou o carnaval aqui em minha casa. O rapaz se interessa pelo mundo com aquele olhar aprendiz que caracterizava os filósofos gregos dos séculos VI e V a.C. Aquela coisa de querer saber para além da mera formalidade das autoridades. Gosto disso. Quando nos despedimos ele me pediu que escrevesse algo sobre o SUS, pois me ouviu defende-lo. Por isso, estas linhas:
Há mais de 20 anos atrás uma senhora aqui no Vale do Capão, onde resido, apresentou-se à consulta. Logo que a examinei suspeitei de mola que é uma degeneração da placenta. Fiquei bastante preocupado, pois sabia a conduta médica, mas não sabia como conseguir realiza-la, pois a senhora não dispunha de recursos para exames e procedimentos necessários. Vai daí que telefonei para meus pais e pedi-lhes que a recebessem como hóspede em sua casa, o que acederam de imediato. Então contatei o Dr. Sérgio Uderman, que foi meu colega na escola, que topou fazer a ultrassonografia sem ônus. Viajei para Salvador com ela, levei-a a fazer o exame que confirmou minha suspeita. Depois procurei médicos amigos meus que tiveram a bondade de interna-la no Hospital Roberto Santos e os procedimentos foram realizados com êxito. A senhora ficou convalescendo em casa de meus pais, voltei ao Vale para minhas atividades e retornei para busca-la. Até hoje goza de boa saúde.

Mas esta boa saúde dependeu de várias boas vontades. Nem sempre é fácil (e nem sempre por má vontade) conseguir exames, cirurgia ou o que mais, quando se tem necessidade premente. Porém, hoje, graças ao SUS, se tenho suspeita de mola, basta preencher uma solicitação de exame e a pessoa se dirige à secretaria de saúde onde será marcada a data, e de posse do resultado faço nova solicitação para a cirurgia. A mulher será levada de ambulância e será devolvida a sua residência do mesmo jeito.
Pode parecer pieguice, mas quando estou atendendo a uma gestante no posto de saúde onde trabalho com uma equipe maravilhosa de pessoas que gostam e querem trabalhar, sempre fico tocado quando solicito uma bateria de exames no princípio da gestação e depois no 3º trimestre. Aquela mulher grávida terá garantia de que seus exames se realizarão. Isso é maravilhoso!

Outra mulher procurou o posto porque foi internada devido a problemas cardíacos e depois recebeu uma correspondência do SUS perguntando como foi o atendimento. Quando lhe expliquei do que se tratava ela ficou visivelmente feliz e me pediu que a ajudasse a responder. Ela foi internada por um problema que em outros tempos não seria sequer diagnosticado, pois jamais teria recursos para pagar. Morreria não fosse o SUS.

Por isso me aborreço quando vejo críticas destrutivas ao Sistema Único de Saúde. Suspeito que há um interesse em acabar com o sistema. Talvez eu esteja equivocado, por isso vou fingir que as críticas são sempre de pessoas bem intencionadas. Estas cometem um erro comum. Querem que as coisas aconteçam do dia para a noite. O SUS ainda está em processo. Acontecem problemas e mais problemas, os recursos a ele destinados são poucos, investe-se excessivamente em ambulatórios e pouco em modificação de hábitos nocivos. Há uma leniência para com os fatores que geram ou agravam doenças, como aqueles decorrentes do consumo de alimentos excessivamente salgados, carregados de substâncias prejudiciais destinadas a edulcorar, conservar, embelezar... Mas está sendo oferecida uma saída para aqueles que não podem pagar médicos caros ou planos de saúde, digamos, maquiavélicos.

Acompanho o dia a dia de meus vizinhos e vejo a satisfação deles com o fato de que hoje dispõem de certos confortos associados à saúde tais como o direito a atendimento digno. Sei que em muitos lugares as filas são enormes, o acesso aos exames é demorado, o atendimento nem sempre é respeitoso... Mas o SUS não é apenas uma lei, mas uma ação. Todos nós que trabalhamos na saúde somos o SUS. Quando tratamos mal a uma pessoa que nos procura, esta poderá acusar o SUS, mas somos nós os responsáveis. Se o salário não é suficiente, ou se falta material, a culpa não é da pessoa que nos busca solicitando orientação. Ele pode até ser papel quando votou em pessoas não confiáveis, mas este papel é mais remoto do que o de algum burocrata inoperante, negligente ou desonesto, que impede que as coisas aconteçam como recomenda a lei. Ou quando o enfermeiro, médico, auxiliar, motorista enfim, o funcionário, descumpre o seu dever de servidor público e de ser humano. A pessoa doente não deve ser penalizada por nossas insatisfações, incompreensões, incompetências ou desonestidade. Cabe a nós enquanto funcionários e enquanto cidadãos vigilar, comentar, protestar, propor e mudar.
O SUS não é para ser desativado e sim para ser completado, para o bem de todos.

Recebam um susabraço de Aureo Augusto.


7 comentários:

  1. Esse meu amigo Aureo sempre inspirado, crítico e certeiro nas colocações. O SUS não é presente dos governos, ao contrário, é luta social construída ao longo de muitos anos, mas que infelizmente, muitos governos, intencionalmente ou não, acabam por desarticular e favorecem o setor privado. Não é a toa que a mídia só mostra o que acontece de ruim no SUS e esquece de dizer que tudo que comemos passa por criterioso controle pelo SUS, por meio da vigilância, atividades de prevenção como a vacinação e de controle de doenças como do programa da dengue e anti-tabagismo a gente esquece que é financiado pelo SUS, os programas mais caros de tratamento como AIDS e Câncer tem financiamento do SUS e tantos outros exemplos como o programa de saúde da família, que ainda não chegou em todos os lugares, mas onde chegou parece ter trazido benefícios. Aí no Capão eu sei que beneficiou bastante e tem uma equipe que é pouco chamar de boa, essa aí é "retada mermu"... Forte abraço pra todos aí... =)

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    1. Grato pelo seu comentário, João, que acrescenta mais algumas das inúmeras vantagens do SUS. Somos todos beneficiados, inclusive aqueles que pensam que não o usam.
      abração.

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  2. Vejo que "meninos bons estão aí": Você e o João. Este quando diz "...governos, intencionalmente ou não...", aparentemente, diminuindo a monstruosidade do governo do presidente Cardoso (vulgo FHC), tentando destruir todo o sistema de assistência ao povo, de responsabilidade governamental.
    Você, quando diz: "Talvez eu esteja equivocado...". Tá não! Não advogo nenhuma "teoria da conspiração", mas há uma convergência de ações funestas, destinadas a esfrangalharem os sistemas de auxílio ao povo. É a turma do 'quanto pior, melhor' que fomenta este quadro de pessimismo e desânimo. Aí se inclui o que Paulo Henrique Amorim cognominou de PIG (Partido da Imprensa Golpista), que engloba as organizações Globo, Folha de São Paulo / UOL, Estado de São Paulo, e revista Veja, entre outros. Estes quase nunca (o quase se deve a descuidos) apresentam notícias favoráveis ao Brasil, que não sejam acompanhadas de um "mas, ...".
    Excluindo estes detalhes, seu post e o comentário do João, estão irrepreensíveis.
    Abraços patrióticos.

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    1. grato, Tesco, realmente temos uma situação triste no sentido de qto pior melhor. Desgraçadamente qdo sobe outro grupo de governo a oposição opta pela mesma conduta. Os políticos são pelo grupo e não pelo Brasil. Para eles que se lixe o Brasil.
      abraços patrióticos.

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    2. Olá, Tesco! Satisfação! Grato por contribuir para ampliar o debate. Apenas dois comentários. 1 - No caso dos governos, é importante lembrar que o SUS é construído pelas 3 esferas de governo e, essencialmente, depende da participação cidadã, portanto, apesar de não acreditar na centralização do poder nas mãos de poucos, acredito que existem iniciativas dentro da federação, em pequenos municípios, de gente que tenta gerir com responsabilidade, mas muitas vezes a estrutura burocrática inviabiliza. Tem muitos exemplos de municípios que o sistema público de saúde é mais organizado por conta de iniciativas populares em parceria com governos locais. 2 - Prefiro deixar abraços sem fronteiras, porque o patriotismo matou muita gente sem deixar muito claro, para os agentes da ação homícida, motivos concretos para tais atrocidades humanas. Portanto, Abraços internacionalmente federalizados.

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    3. Oi, João! Agradeço o esclarecimento, mas também tenho como pátria o planeta inteiro.
      O 'patriótico' do abraço refere-se a cuidar, antes de mais nada, dos próximos mais próximos, que são os conterrâneos, mas sem detrimento dos demais concidadãos do mundo.
      E, principalmente neste caso de assistência à saúde, advogo a exclusão da vida política, dos políticos carreiristas, geradores de males e preocupados apenas com o patrimônio pessoal.
      Abraço sem adjetivos.

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  3. Excelentes as contribuições de vcs! Enriquecem o nosso papo!

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