quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

PARTO CESÁREA - PROBLEMAS

O Dr Augusto Sampaio é pediatra baiano de renome. Escreveu um artigo no conceituado jornal A Tarde nos alertando quanto aos riscos das cesáreas. Informa que a revista pediatrics, entre outras, publica trabalhos que por seus resultados consideram o parto normal (vaginal) é, ou deveria ser, a opção melhor, para a criança. Conta que uma pesquisa realizada em dois milhões de nascimentos entre 1973 e 2012.

Destes partos 14% foram cesáreas e nesse grupo, repito: das crianças que não nasceram de parto normal, aumentou significativamente os casos de asma, artrite juvenil, problemas do tecido conjuntivo, problemas intestinais, deficiências imunológicas e leucemia (popularmente conhecido como câncer no sangue). Explica que o parto cesariano faz com que a criança não tenha contato com a flora vaginal (as bactérias que moram na vagina da mãe) e esse contato é um preventivo contra alergias e infecções.

Tenho visto muita gente falando de que o parto cesárea é mais seguro. Muitos estudos mostram que não é, mas tem-se desconsiderado o prejuízo a longo prazo que a cesárea provoca, como vemos neste estudo dinamarquês.


Recebam um abraço natural de Aureo Augusto

domingo, 1 de fevereiro de 2015

METER-SE NA VIDA DOS OUTROS

Recentemente uma jovem vizinha queixou-se comigo de que as pessoas aqui se metem muito na vida das demais. Estava aborrecida porque se sentia vigiada. Maldizia morar em um lugar pequeno.

Aí ontem aconteceu uma batida de um carro com uma moto. O motoqueiro, ao contrário da maioria dos alucinados de motos daqui, é um rapaz bem cuidadoso no manejo da máquina. Não era de correr. Porém na festa do padroeiro acabou tomando umas e perdeu o sentido de velocidade e equilíbrio. Em uma curva perto do circo descontrolou-se e bateu feio no carro de Eraldo (que, por sinal, e com o testemunho do próprio motoqueiro) vinha devagar. Eraldo tentou escapar jogando o carro no mato à direita, sem sucesso. A batida foi tão forte que entortou a frente da moto, quebrou a cruzeta do carro, jogou a roda para trás etc.

Naturalmente me chamaram e corri ao posto, era bem cedo da manhã, mas a notícia correu como fogo nos Gerais. Ao passar pelo local já tinha um bando de gente apreciando, comentando, explicando, deduzindo e todas estas coisas filosóficas que os acidentes inspiram.

Vendo o estrago do carro e da moto, imaginei encontrar uma bagaceira. Mas para minha surpresa havia escoriações leves em coxa à direita e um profundo corte sobre a rótula à esquerda, que deu para costurar tranquilamente. Mas o rapaz estava inconsolável. Chorava a mais não poder, não pela dor, não pela laceração no joelho, sim, por estar preocupado uma vez que nunca havia dado preocupação aos pais. Dizia-me que havia bebido, contra seu próprio hábito, e acontecera aquilo, perguntava-se como dera tanta bobeira e por aí vai. Tentamos, eu e Marilza (que chegou antes de mim e preparou tudo), consola-lo sem grande sucesso. O pai chegou, e conhecendo-o, mostrou-se compreensivo.

Depois do atendimento, e vendo que não havia carro para leva-lo a sua casa, ofereci-me para dar carona já que vive cerca de minha casa. No caminho as pessoas perguntavam como estava, instava-o a ter força e pediam melhoras. Para daqui, para dali, em dado momento um amigo lhe perguntou se já tinha alguém para pegar a moto, ele disse que depois ia ver; o amigo ofereceu-se querendo saber onde deixar o veículo e se queria que contatasse quem consertasse e por aí vai. Outro acompanhou o meu carro para ajuda-lo quando chegou em casa. Enfim, muita gente pronta para ajudar.
Então comentamos como o povo aqui tem essa coisa de se meter na vida dos outros, e que isso é muito bom, pois assim todos se ajudam. O que é ruim pra uns é bom pra outros!


Recebam um abraço enxerido de Aureo Augusto

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

DIFICULDADES COM AS DIFERENÇAS

No post anterior comentei das diferenças presentes aqui no Vale do Capão, neste período da festa de São Sebastião. Hoje quero comentar um aspecto que me causa alguma estranheza:
Recentemente tivemos um evento em uma cidade próxima, Lençóis, uma espécie de festa, creio eu, chamada Ressonar. Muitas das pessoas que ali estavam vieram para o Capão depois que acabaram as apresentações. E aí foi um fuzuê. A turma queria continuar na brincadeira de invés de dormir, sapatear. E pra eles pouco importa que o povo daqui tenha que dormir pra no dia seguinte trabalhar. Não se interessam em conhecer os costumes do lugar para não agredir. Vai daí que os moradores, tanto nativos quanto aqueles que adotaram esta paisagem como casa, tiveram que passar pelo dissabor de explicar para numerosos deles que aqui não é de conveniência fumar maconha na praça cheia de crianças, nos bares ou na porta da igreja e do posto de saúde; explicar que o coreto não é pousada; que cagar e mijar é assunto a ser tratado no banheiro e não nas ruas e trilhas (teve um que defecou no topo de uma belíssima cachoeira, coisa que nos causou a todos uma admiração muito grande, uma vez que parece tão obvio para nós que ali não é lugar para isso); que em lugar cheio de crianças não convém deixar garrafas espalhadas pelo chão; que quando se come num restaurante o hábito universal é pagar; que relações sexuais são tema para lugares mais íntimos do que a beirada das trilhas bem frequentadas por turistas; que ao procurar ajuda no posto de saúde não convém ir nu, usando como vestimenta uma camisa amarrada sobre os quadris para fingir que esconde o pênis; e por aí vai...

Um fato complicou tudo: Em cerca de uma semana atendi 75 casos de gastroenterite, com fortes diarreias, dores abdominais e frequentes vômitos, todos de pessoas provenientes do Ressonar. E cada um dos que foram atendidos referiram amigos com o mesmo quadro. Foi uma trabalheira para a turma do posto, principalmente por um fenômeno bem peculiar:
Uma quantidade razoável dos enfermos aparentemente perdeu o sentido de autopreservação, e esta perda veio associada a uma total incapacidade de suportar o menor sofrimento. Desesperados querem solução rápida para os achaques e logo que os sintomas passam, mergulham em uma obrigação (como se fosse um trabalho árduo) de embebedar-se, drogar-se, festejar, fazer som, gritar e badernar. Alguns voltam depois desesperados e querem atendimento imediato (porque o quadro voltou, mas como? Perguntam) em busca de alívio. Não adiantou eu falar para tantos da necessidade de parar para descansar, comer algo, permitir que o corpo se recuperasse. Assim como alguns trabalham como loucos para ter carro, apartamento, seguro de vida... Estes estão açodados por uma ordenança que os obriga a uma labuta de prazeres, a uma guerra cruel de gozar sem trégua, sem repouso.

Um deles entrou na consulta e quando perguntei o problema respondeu desagradável: “Estou sofrendo a consequência da má qualidade do saneamento de seu lugar”. Comentei, entre outras coisas, que eu mesmo havia pedido encarecidamente às inúmeras pessoas que havia atendido com diarreia que não defecassem nas trilhas, beiras de rios etc. Mas que estas mesmas pessoas, que como ele, vinham de fora e que exigem saneamento adequado haviam se servido de todos esses lugares das formas mais inadequadas e que isso não estava em nossas condições controlar.

Um lugar como Palmeiras, que tem poucos recursos se viu coagido a atender uma quantidade inusitada de pessoas provenientes de outro lugar (aonde adoeceram), gastando recursos médicos que são caros e que tem dificuldade em obter (e nem sempre dispõe do necessário para a população local).

E, por incrível que pareça, em que pesem estas agressões, o povo daqui, ainda consegue ficar feliz com a chegada de “pessoas de fora” e tentam entender o que se passa com os micróbios (como se referem em relação aos mais displicentes com a higiene pessoal) e aprender daqueles que trazem novidades positivas. Mas nem sempre é fácil a convivência com as diferenças.


Recebam um abraço, digamos, preocupado de Aureo Augusto.

sábado, 24 de janeiro de 2015

FESTA DO PADROEIRO E DIFERENÇAS

É um momento bem especial para o povo do Vale do Capão esse de janeiro, pois é a festa do padroeiro, quando tradicionalmente aqueles que emigraram voltam para rever seus parentes, reencontrar os amigos, reviver vidas deixadas para trás em um tempo onde havia luta demais, trabalho demais, chuva demais, fartura de dificuldades e pouquíssimas oportunidades.

Assim é que posso me sentar depois do trabalho para ver as pessoas na praça. Os emigrados que chegam com sorrisos e apertos de mão, admirados das mudanças daqui e do cosmopolitismo que alcançou esta terra, antes tão isolada. Em realidade o Vale do Capão segue sendo insulado entre os mares que são os gerais lá em cima, nas serras, onde o mundo é imensidão, em muito oposta ao uterino aconchego da vizinhança. Mas não mais tão distante como no passado das coisas do mundo lá fora.

Assim, quando sento a ver o entardecer nos paralelepípedos da vila, acompanho também os mais variados tipos que chegam dos mais vários lugares deste planeta. Alguns tipos bem estranhos, devo confessar. E têm nos dado trabalho e preocupação. Na próxima postagem detalharei isso.
Estranheza esta que não impede ver um velho garimpeiro com sua roupa surrada, rindo da conversa com um estrangeiro branco como o leite, com cabelo rasta, ostentando numerosos piercings em tantos lugares que me faz pensar em almofadas de alfinetes. Ou uma senhora com a vassoura na mão, interrompendo seu limpar a calçada para conversar com uma jovem adepta do hinduísmo, trocando ideias sobre culinária vegetariana. Coisas de pouco ver!

Hoje e amanhã terei ampla oportunidade de me abastecer de visões variadas que irão enriquecer minha memória de mundo. Dedicados religiosos em procissão ladeados por gentes que não se interessam muito por religião ou professam fés muito diferentes do catolicismo ou evangelismo habitual; paletós convivendo com tangas, saias masculinas, batas, e outras roupas indecifráveis; cabelos cuidadosamente cortados para a festa ao lado de dredes (não sei como se escreve) de variadas grossuras, limpeza e odor. Muita variedade. Enorme fartura de diferença!


Recebam um abraço diferente de Aureo Augusto.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

GEOGRAFIAS

A passagem de ano de 2014 para 2015 aqui no Vale do Capão teve muito mais turista do que jamais vi nesse lugar. Foi impressionante o afluxo de gente de outras cidades, outros estados e outros países. Uma verdadeira multidão. E, destes, uma significativa quantidade precisou de atendimento de urgência no posto onde trabalho. De diarreias a suturas, de unhas arrancadas a dores de garganta, de crises hipocondríacas a riscos reais de vida, enfim, tivemos bastante trabalho. Perdi várias noites e nos dias normais de atendimento, além do comum com a gente daqui, o posto se viu invadido por rostos desconhecidos, alguns bem angustiados, falas alienígenas nem sempre inteligíveis – orgulhei-me quando um turista elogiou meu inglês capenga. Mas se por um lado o trabalho aumentou exponencialmente, fiz contato com pessoas adoráveis, embora nem todas.



Foi assim que na primeira chance que tive saí a passear por este vale magnífico, experimentando o maravilhamento que atraiu aquela multidão para aqui na passagem do ano.

O Vale do Capão guarda tesouros secretos invisíveis ao desatento. Saí dos caminhos usuais, sem, contudo, me afastar dos lugares aonde o povo vive seu dia-a-dia. Estava um pouco melancólico, pois o cansaço tem esse efeito sobre mim (às vezes me dá raiva, outras uma sensação de plenitude e por aí vai), por isso procurei os caminhos menos usados. Apenas me afastei das ruas movimentadas, encontrei um lugar delicioso, com recônditos cantos que me surpreenderam pela deslumbrante e delicada beleza. Um desses lugares tinha uma pedra em balanço assustador, e de sua precária base surgia uma nascente gelada. Mais adiante encontrei uma gruta com cerca de 3 metros de fundo e da altura de um homem alto. Em seu teto uma claraboia iluminava uma delicada cascata que forrava todo o fundo da lapa. A delicadeza do lugar só era perturbada pela enorme quantidade de murinhanhas (nome que os antigos aqui davam às muriçocas). Mas tomei-as como parte do processo e elas depois se acostumaram comigo deixando-me em relativa paz para desfrutar da beleza do lugar.
Tentarei por fotos aqui pra que possam compartir comigo o belo lugar, espero conseguir.


Recebam um abraço embevecido de Aureo Augusto. 

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

FINDA O ANO

Começa a terminar o ano na prévia de um natal bem chuvoso aqui no Vale do Capão. Um natal que é um presente para nós, depois desta seca atroz que agrediu a Bahia nos últimos anos. O abençoado Vale do Capão tem a circunstância geográfica de contar com 1000m de altitude, ladeado por montanhas com até 1250m e, por isso as chuvas são mais frequentes do que em outros interiores da Bahia. Por isso, mesmo nas secas, o verde é aqui imorredouro. Mas isso não significa que não padecemos. Foram cinco anos sem as chuvas das águas, que quando nos alcançam fazem dos riachos rios e dos rios engolidores de margens e pontes e a Serra da Larguinha, a Leste, e a do Candombá, a oeste ficam pontilhadas do brilho da água, das inúmeras cachoeiras que rumorejam sem parar. No ano passado recomeçou a chuva das águas, mas fraca. Esse ano está melhor, o que me faz pensar que a crise climática passou, embora não me sinto capaz de afirmar nada, nesses tempos de irresponsabilidades ambientais.

Pois é, finda o ano. Foi um ano rico para mim, com os sofrimentos e alegrias de praxe, como de praxe com muito mais alegria do que sofrimento. E aí no findar dá um esquecimento de todas as coisas que se passaram no mesmo ato de lembrar-se delas. Um lembrar incompleto com seus sentimentos já cansados de existir, já pedindo para mergulhar naquele limbo que acontece com o passar do tempo desmemoriante. Talvez exagere eu. Algumas coisas ficam como pele, mas o fato é que outras se desvanecem aos poucos e isso é bom.

Finda o ano e de uma forma um tanto irracional, mas irracionalmente verdadeira, todos se sentem com mais esperança, como se preços e maldades respeitassem ciclos, inda mais ciclos artificiais, como é a instituição de princípio e fim de ano. Vero que caímos de cabeça em uma loucura de esperança, e daí? Pior seria se caíssemos em uma loucura de desesperança. O fato é que finda o ano e consequentemente começa outro. E isso há que festejar, pois que não festejaríamos se findasse um ano e não começasse outro. Isso sim seria algo bem ruim. Por isso (e por tantas coisas mais, inclusive a esperança) festejemos e como não poderia deixar de ser quero que todos vocês recebam agora o meu abraço natalino bem gostoso e um beijo longo, morno, terno em seus corações.


Em 23/12/14, Aureo Augusto.

sábado, 6 de dezembro de 2014

ALINHADA

“Mãe, tô indo pra praia com minhas amigas, esse lugar é horrível! A gente anda, anda, anda, e não chega em lugar nenhum”.
Raí (Raimundo Cirilo), o dentista do posto onde trabalho, escutou a frase ao chegar para o serviço. Quem dizia era uma jovem bem vestida, do alto dos saltos de um sapato sofisticado. Ele riu um bocado enquanto comentava comigo do desalinhado discurso da moça alinhada. E, de minha parte, achei tão interessante o fato que quis partilhar com vocês.


Beijos desalinhados de Aureo Augusto.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

PÉTALAS

Durmo e acordo sobre uma linha e me perco cada dia. Nem queria tão pouco e, mais ainda não queria viver assim tomado pela paixão de cada coisa, não pelo querer, sim pelo desavisado não usar da vontade, pois as coisas se põem e nem sempre nos pomos para elas com a nossa vontade. A vida resvala tão mais rápida do que quer meu coração e tão sem que eu saiba como, por que e onde...

Durmo e acordo sobre o plano do tempo enquanto doo meu tempo para que o tempo passe, aí as pessoas brincam de meu coração ama-las, mas não as amo todo o tanto nem tanto o quanto há de amor no meu coração, não que falte, mas porque mais do que falta há aquela distância que nem sempre sei traspassar. Às vezes de quando em vez acontece aquela senhora idosa, ou a mocinha perdida, a criança de olhar sapeca, cada olhar de uma dada mulher ou por um tempo beijos e abraços que se converteram em silêncio, o bebê me beijando com seu olhar impossível, o homem bravo escondendo o medo, a árvore anunciando-me o nada, a brisa me dizendo da carícia divina, os pássaros com o cantar de bigorna que me saúda a manhã quando o frio da água do rio cedo faz de pele à pele. Queria eu que esse acontece não desacontecesse na memória falsa das coisas que não significam, mas fingem.

Todos os fins-de-semana noto que o tempo voltou. Aí me encontro novamente sentado em cima da vida dentro da mão que sem existir criou tudo e acaricia a mim com o todo, como ao Todo.
Pode que o sol lamba as faldas da serra assolando-a de calor ou que a chuva brinque de saquear as margens dos rios de sua secura, o riso quem sabe ostente-se em dentes claros à espreita de olhares coniventes ou lágrimas brotem fecundando almas de compaixão. Pode que a vida interrompa-se no arfar da dor ou não, que o arfar seja de um recém-nado que emergiu do canal aveludado de sua mãe e todos sorriem acreditando que o tempo parou em celebração da nascitura vida.

Tantas coisas ao meu redor dispostas apenas para que eu possa ama-las, e, aprendiz, nada mais faço que abrir as pétalas da minha alma em busca de um dia saber.


Recebam um abraço desacontecido de Aureo Augusto.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

PREGUIÇA AGITADA

É preciso privar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens, que vemos precipitarem-se alternativamente nas casas particulares, nos teatros e nos lugares públicos: sua mania de se intrometer nos negócios dos outros lhes dá uma r de grande atividade. Pergunta a algum deles, quando sai de casa: “Aonde vais? Qual é teu destino?” Ele responderá: “Por Hércules! Não sei nada, mas eu verei gente e encontrarei qualquer coisa para fazer”. Eles vagam assim ao acaso mendigando ocupações ... Quantas pessoas levam uma existência semelhante, que se chamaria muito justamente preguiça agitada.
Este parágrafo foi escrita por Lúcio Aneu Sêneca, filósofo latino, há mais de 1500 anos atrás. Ao lê-la em seu agradável texto intitulado “Da Tranquilidade da Alma”, não pude deixar de associa-la a um número razoável de pessoas que vejo presas ao Facebook. Na época de Sêneca o correspondente às redes sociais e aos e-mails era o sair de casa em visitas e mais visitas, correr atrás de conversas apenas em aparência interessadas e interessantes, falsamente resolutivas e decisivas, nas praças, nas residências particulares, nos banhos públicos.

Hoje testemunho a incomunicação dos meios de comunicação a serviço da superficialidade das relações numa reprodução moderna de um mundo que afundou com as invasões bárbaras, mas capaz de manter suas características apesar da passagem do tempo. Uma pena porque o Facebook, o Twiter, os e-mails, são uma grande oportunidade de democratizar relações e gerar informação formativa. Mas temos o dom de nos perder.

Penso que é maravilhoso enternecer-me com o primeiro sorriso de um bebê que sua mãe postou com a emoção dos que amam. Gosto disso e não deixo de pingar o meu “curtir”. Mas também olho com preocupação a desocupação das conversas ou a maquinização com que pessoas encaminham e-mails ou postam informações em suas linhas do tempo sem nenhum interesse maior do que satisfazer aos imperativos da preguiça agitada, mencionada por Sêneca. Sem nenhuma tentativa de senso crítico, de verificação, ou de cuidado quanto à verdade, à veracidade, à consequência, ao significado do posto nas letras da virtualidade.

“Preguiça Agitada”: Que conceito precioso este daquele autor antigo. Vejo um sem número de pessoas agitando os dedos sobre pequenos teclados, frenética e preguiçosamente agitadas na busca de nada saber sobre todas as coisas, ou melhor, sobre todo o mundo. Uma verdadeira doença e finalizo com o mesmo Sêneca: “A esta doença se prende um vício horrível: Este de se informar de tudo, de estar à espreita de todas as novidades, tanto secretas como públicas, e de possuir uma quantidade de histórias perigosas para contar e igualmente perigosas para ouvir”.


Recebam um abraço admirado do Facebook e outras tecnologias (sem ironia) de Aureo Augusto.

domingo, 9 de novembro de 2014

HOJE

Hoje fui a um lugar aqui no Vale do Capão chamado Riachinho de Lençóis. Tem um poço de águas escuras e frias que contrabalançam esta seca de tantos anos que faz o mundo sofrer. Deitei-me e deleitei-me com o frescor das águas boiando nelas como se o universo me tivesse (e tem) na palma da mão.

Depois sair a caminhar e observei a delicada fímbria dourada das folhas, rústicas flores visitadas por ágeis abelhas, pássaros rápidos disputando a velocidade com o vento. Vi uma flor idêntica à quaresmeira em suas magentas e violáceas presenças, só que bem pequenas; havia uma orquídea que não poderia existir. Tão pequena e tão detalhada. Impossível passível de ser visto pelos meus olhos embevecidos; deixei-me estar entre as flores, o sol, e o áspero mato dos gerais. Depois voltei ao rio, à água e senti a exaltação da beleza das rochas brancas rebrilhando ao sol sob a água. Uma luz inapelavelmente impassível à passagem rápida da água célere e do tempo se dilatando à minha atenção.

Sei que não sei. Sei que é tudo muito grande e grandioso. Sei que uma quase imperceptível orquídea esquecida no meio do áspero matagal é um monumento a minha ignorância tão bem vinda e à minha competência em reconhecer o irreconhecível em cada coisa, e o inominável em cada denominação.
Depois voltei pra casa e comi pizza com alface.


Recebam um abraço deleitoso de Aureo Augusto.