quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

MALUCO

Tem um cara azucrinando o espírito do povo desde há três dias. É um rapaz que veio morar aqui há algum tempo. Forte, fala mansa, olhar um tanto mortiço. Veio ao posto e foi acompanhado por um bom tempo por nós, pois era portador de uma doença infecciosa de tratamento difícil. Sempre afável, só não era bom para horário. Tinha uma esposa e um filho lindo. À época tomei conhecimento de que usava medicação controlada para uma doença mental – penso que o olhar vinha da medicação – mas não me preocupava, pois estava perfeitamente controlado.
O tempo passou e a família em questão desistiu de viver no Vale. Aqui não é tão fácil para artesãos. No período turístico vem muita gente, mas fora dele não tem muito a quem vender. E, também, a concorrência tem sido intensa entre eles. Conquanto fujam daquilo a que chamam sociedade de consumo, nela vivem e consomem. A lei da oferta e da procura também funciona para os autodenominados ‘alternativos’. Por outro lado em muitos períodos faz frio e chove a mais do que o suportável para quem se acostumou às cálidas praias do nosso nordeste. A nudez característica dos litorais é o mais das vezes mais confortável que o obrigar-se às roupas pesadas da montanha. O fato é que ele e seus parentes se foram.
Agora retorna, transtornado e violento. Persegue as mulheres, diz que vai mata-las. Sua esposa, segundo divulga-se o deixou por que não mais o agüentou. Infelizmente além da verdade de que ele não está nada bem, e estar muito agressivo, há a outra verdade que vem dos medos, do prazer mórbido da notícia ruim. Comenta-se que ele foi expulso de Lençóis porque mutilou uma menina por lá e a população o expulsou. Ora, se ali tivesse cometido o crime, teria sido preso. Em Lençóis tem polícia. O povo não o expulsaria, a polícia o guardaria na cadeia. Aí, um conta que ele correu atrás desta ou daquela mulher. Contaram-me. Mas quem mo disse ouviu de alguém que ouviu de alguém. O que será que ocorreu mesmo? Os loucos sofrem a loucura e as histórias.
Porém ele entrou no posto, se trancou no banheiro e tomou um banho com a ducha higiênica, deixou um bodum tremendo lá dentro. Sua conduta foi ostensivamente agressiva. Não notei nada, porque estava atendendo, mas depois vi a confusão. Ontem quando saí do posto ele se aproximou e sua conduta era bem desafiadora. Sou muito medroso, mas também sei fingir (às vezes a ira passa por cima do medo e aí parece, aos incautos, que sou corajoso) e, mais do que isso, minha larga experiência de medo me fez aprender a lidar com o sentimento. Dialogo legal com ele. De modo que olhei-o nos olhos e comentei que havia sumido. Comentou com a voz desproporcionalmente alta que estava “no pedaço” e queria dinheiro. Fui bem taxativo na resposta negativa. Mudou o tom. Hoje, quando cheguei tentou novamente e foi mais específico exigindo R$100,00. A claridade da minha resposta, “não dou dinheiro a quem não trabalha”, também fê-lo mudar o tom. Ficou mais amigável e disse que queria um dinheiro para ir embora, embora as gatas daqui o atraíam. “Tô com uma gata agora que é um negócio”. Quanta aflição em seu ser! O sorriso não esconde a dor, os movimentos e a postura grandiloqüente não esconde a menosvalia. Há dor neste mundo, e não apenas naqueles lugares onde as guerras mordem a gente, mas também (e em muita medida tão forte) em recônditas paragens dos corações.
Agora soube que a polícia vem busca-lo. Resolveu-se. Resolveu-se?

Recebam um forte abraço, Aureo Augusto

3 comentários:

  1. Resolveu-se pra quem ficará livre do convívio com a dor do outro. Mas não resolveu-se pra quem sente a dor...
    Estava eu procurando referencias do seu livro de iridologia e encontrei seu blog.
    Sou admiradora da sua história de vida; mesmo tendo ouvido ela de outros.
    Também me atrevo a escrever [http://diadebicicleta.blogspot.com] Certamente nos encontraremos qualquer dia desses. Abraço forte!

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  2. O problema é que existimos nós e os outros. Tolstoi dizia que não se pode sacrificar o indivíduo pelo bem futuro da multidão. Concordo. Por outro lado não se pode sacrificar a multidão por uma pessoa. No entanto, convém pensarmos qto ao que há de maluco e que alijamos de nós, ou melhor de nossa consciência, e que era presente naquele maluco lá fora.

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  3. ôpa! rpz... Estou fazendo uma Oficina de Vídeo em Feira de Santana todo Sábado e neste último assisti um filme que tem tudo a ver com esse seus post! Chama-se "Estamira" é um Filme/Documentario fantástico, Nacional! vale a pena assistir, se não houver por aí pelo capão, qdo vc estvier por aki pode cobrar pq acabeid e baixar na Internet! Lembrei de Sunna, se algum professor deixou de passar esse filme para ela ver, deve assistir! Fantástico, o Filme e Seu post!!
    Abração Tio!

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