Fui cuidadosamente ensinado no hábito de esquecer de respirar. Aconteça o que acontecer prenda a respiração. Encha o pulmão e espere, inerte, inerme, pelo pior. Procuro em meus pais a origem deste ensinamento e não encontro. Na verdade eles também foram educados na dor de afastar-se. Foram adestrados no hábito de abandonar a rede que nos conforma no mundo. Mas quem é que nos educa? De onde vem a regra insana que regra a vida de todos nós? Como fomos nos padronizando na desabituação do encontro? Não sei bem. Sei que temos uma história e ela marcou nossos corpos, nosso sistema físico, nosso jeito de se emocionar e pensar. Sei que não somos seres criados apenas no momento do encontro de gametas. Nestas células já havia o registro de muitos tempos e ademais existimos em um campo de existência. Somos, em muito, e muito mais do que notamos, frutos do tanto que a humanidade experimentou, de campos verdejantes a esconderijos úmidos e fumacentos, de adoráveis rios e mares a naufrágios, invasões sufocantes e lutas atrozes. Duas células com metade de genomas se encontram: Não são duas células, são uma montanha de histórias. Talvez por isso, e porque nossa história não é um conto de paz, que somos ensinados a prender a respiração.
Disto resulta que nem sempre conseguimos usufruir o que de bom o mundo nos dá. Esperamos o pior. Talvez porque o pior veio muitas vezes. Muito mais vezes do que esperávamos que viesse um conforto, um afago, uma ternura.
Às vezes (quase sempre) me pergunto se é assim mesmo. Será que veio sempre o pior, ou será que o mais das vezes não vemos o melhor? Uma mulher veio para a consulta. Ela mora em outra comunidade aqui de Palmeiras e tem uma longa e amarga história para contar. Há muita dor. Mas também na entrevista descobri que tem um marido que é um santo, homem bom, cuidador e dador, com o qual ela sempre conta. Também um filho que é muito inteligente e premiador com suas conquistas na escola. Ela ganha em alegria com ele e suas notas. Ganharia, dito melhor, se soubesse dar a devida atenção. Também tem um lar, uma casa bem legal, feita de tijolos com telhas e não palha. A roça é pequena, mas “dá pro gasto”. Consegui uma longa lista de bondades... Pergunto-me, perguntei-lhe, se já não era hora de olhar um pouco mais para o lado luminoso.
Hoje, logo depois que visitei esses pensamentos e que, portanto, respirei com cuidado e atenção, ia para casa e encontrei três passos-pretos em animada conversação bem no meio da pista. Parei o carro e aguardei que terminassem. O negro de suas penas, bicos e olhos, era tão forte que quase azul. Percebi que a discussão enveredou por um assunto não tão pacífico. Um deles foi alijado do grupo e saiu um tanto irritado. Os dois outros também não estavam muito satisfeitos com o assunto. Por fim ficou apenas um que se achava o dono da rua e caro custou para que se afastasse para dar passagem ao carro. Logo depois encontrei a borboleta gigante de asas azuis. Como ia bem devagar ela ficou arrodeando o carro e dançando em frente ao pára-brisa. Segui meu destino e ela o dela, após o encontro inspirador.
Que no ano de 2010 todos nós consigamos ver o mundo com os olhos de quem vê o negativo e suas soluções. Que possamos divisar também, sem dificuldade, a bondade que o mundo nos dá e a bondade que somos e fazemos.
Recebam um abraço carinhoso,
Aureo Augusto em 29/12/09.
Prezado Áureo,
ResponderExcluirAcompanho o seu blog há uns quatro meses e é sempre um prazer ler seus artigos não só pela forma como escreve-sempre com palavras doces e delicadas- como pela forma como aborda os mais variados assuntos. Com um olhar terno, positivo e como a vida fica mais leve se a olharmos sempre assim.
Era frequentadora assídua desse lindo vale mas já tem uns 3 anos que não volto devido a sobrecarga de trabalho , sempre atarefada, nesse lufa-lufa da vida da cidade grande(sou arquiteta aqui). Mas voltar ao Capão é um prazer imenso, é recarregar as baterias, é ver a natureza pulsando, enfim alimenta minha alma.
Enquanto não volto, vou lendo seu artigos maravilhosos.
um grande abraço,
Cristina
Cara Cristina,
ResponderExcluirMenina, arquitete vir por aqui, organizando os espaços do seu tempo. Tenho aprendido na carne a necessidade de pensar esta organização. Agradeço suas palavras e fico feliz de poder partilhar contigo estes momentos/aprendizados que tenho no Vale.
Um abraço bem forte e feliz 2010.
Caro amigo irmão Aureo,
ResponderExcluirObrigada por tudo.Você ,para mim, é uma referência de alegria, perseverança , esperança, força ,garra e coragem.Recebi uma mensagem do meu irmão Chico de Chico Xavier em que ele fala da sabedoria inferior e a superior.Para ele a inferior é dada pelo quanto a pessoa sabe e a superior é dada pelo quanto ela tem consciência do que não sabe, são pessoas que sentem-se um aprendiz na vida, assim como você que aprende com os passáros, borboletas, pacientes e outros "bichos", como contas no texto.
Que em 2010 estejamos mais abertos para as novas possibilidades e que estas favoreçam a diminuição das desigualdades sociais.
Pelo fortalecimento do SUS, AVANTE COMPANHEIRO!
Abração amigão,
Maria José Camarão
Tio.. Realmente, certas coisas a gente deixa passar com o tempo! Neste corre-corre que vivemos no dia-a-dia, deixamos de prestar atenção em muitas coisas simples!! Acho IMPOSRTANTÍSSIMO a gente pensar em Apenas coisas boas para atrair coisas boas... porém com esses nossos governantes fazendo as besteiras que fazem, é praticamente impossível Parar-mos para pespirar mesmo porque um Pai de Família tem que Gerar grana para sustentar e !"tentar" educar seus filhos... MAs temos mesmo que Parar as VEzes para Respirar bem Fundo e apreciar com muito gosto as coisas boas que avida nos Trás!!!
ResponderExcluirUm Forte Abraço!!!! Um 2010 com Muuiiiittas Realizações!!!
Mto grato para mim ler os comentários de Ma José e de Thiago, pessoas mto diferentes, vivendo coisas diferentes (aliás, ambos mto diferentes de Cristina Stolze, mais acima), mas que fazemos nós todos parte do grupo de gente que mesmo tendo discrepâncias de opinião, não divergem no desejo, vontade de querer o melhor para todos.
ResponderExcluirUm beijo.