segunda-feira, 4 de março de 2013

CAMINHANDO PARA O TRABALHO


Nem sempre posso, pois todos os dias pela manhã tenho várias tarefas que interessam ao dia-a-dia de um “dono de casa”. Jogar o lixo orgânico na composteira, tomar banho de rio, rachar lenha, preparar o desjejum e come-lo, ordenar o que precisa levar ao trabalho etc. Por isso nem todos os dias posso ir a pé para o trabalho. Hoje fiz isso.

A caminhada hoje começou logo de cara com um sabiá pousado numa estaca na porta do consultório. Feliz cantava e não se assustou comigo. A ave foi o prenúncio de um agradável passeio. Caminho de pés descalços, o que sempre é tema de numerosas piadas pelo meu caminho, o que mais ainda me alegra as manhãs. A cada passo cruzo com um dos meus tantos vizinhos e sempre trocamos algumas palavras desejando bom dia, informando alguma coisa necessária e, principalmente, rindo. Sou abençoado com o riso e a alegria dos meus vizinhos!

À chegada ao posto, as pessoas que ali estavam já me saudaram comentando o nu dos pés, rindo do nu de minh’alma naquele momento de gloriosa tranquilidade. Tenho uma sorte e tanto por haver escolhido morar neste lugar. Sim. Muitas dificuldades aconteceram. Morar no campo (sem ser camponês, ou mesmo sendo) traz desafios significativos; até porque o silêncio pode ser insuportável. Quanto mais silêncio fora, mais nos ensurdecemos com o barulho interno. Acredito que é por isso que tantos que aqui vêm a passear em posse da paz que supostamente encontrariam aqui, acabam se envolvendo em farras, cervejadas e, tantas vezes, deixam o som bem alto em seus carros. Parece-me que visam abafar suas ruidosas almas, ansiando serem ouvidas.

Há um silêncio no camponês. Um não pensar. Sei que isso está mudando e os jovens daqui não são como seus pais. Para o bem e para o mal. Hoje já não há como trata-los como quase escravos, como o foi nos tempos em que aqui cheguei. Têm mais vontade, mais desejos e o dom de tratar de lutar para conseguir fazer valer seus direitos e até mais. O egoísmo existe em maior proporção, até como sequela (indesejada, mas comum) da construção de uma pessoalidade. Por isso aquele silêncio já não é tão disseminado como quando aqui cheguei. Planos são elaborados, ideias. O mundo gira mais veloz e as coisas adquirem uma dinâmica mais rápida, mutável e estranhamente livre. Todo mundo pensa muito mais e externamente isso se manifesta pela nata de ruídos que pairam na superfície dos acontecimentos. Antigamente, contam os mais velhos, era comum escutar desde certos pontos do vale, o barulho das festas em Palmeiras. Hoje isso é impossível. Agora temos nossos próprios barulhos e os maiores não são externos. 

Talvez as pessoas do Vale do Capão venham a perder uma preciosidade inusitada: o silêncio. 

recebam um abraço silencioso de Aureo Augusto.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

GENTE relações


Para mim, lidar com as pessoas é uma essencialidade. Gosto. Mais que isso: Necessito. Soube que nos Himalaias existem mestres de alta estirpe que apenas meditam isolados de todos, dia e noite para o bem da humanidade, e os admiro (se é que existem). Pergunto-me como estes seres conseguem ausentar-se deste alimento tão caro que é o poder interalimentar-se com os demais seres humanos.

Tenho a sensação muito nítida de que nós os seres humanos nos alimentamos reciprocamente em nossos diuturnos contatos. Mesmo que saiba que tais contatos e tal alimentação nem sempre sejam positivos. Algumas pessoas são leves e estar com elas é como comer frutas saborosas, enquanto outras nos trazem a artificialidade dos “salgadinhos” de pior qualidade. Espero que essa escrita não nos confunda, infundindo um peso moral às pessoas e seus sabores. Tenho tido contato com pessoas muito boas, mas cuja presença nos traz o peso de uma feijoada completa. Depois da conversa sou obrigado a caminhar um pouco para desgastar, ou a sentar-me a ver a brisa, como quem carece descomer o prato.
De cada prato algo se aproveita, alguns são substanciais e leves, enquanto outros são pouco nutritivos e nos locupletam de uma matéria inútil, porém mesmo estes, algo nos acrescentam de, no mínimo, aprendizado quanto ao que não devemos ter/ser.

Gosto de lidar com as pessoas, mas às vezes me canso. Alguns dias é tanto trabalho, tanta exigência de atenção e tantos mal-entendidos que me sinto como se tivesse comido macarronada – ocorre que para mim a pior comida do mundo é macarrão, não suporto este prato. Falamos com alguém determinada coisa e lá nesta pessoa bate em algo que lhe libera uma indigestão mental e há que contornar, explicar, esclarecer. Logo depois um outro transforma o que dizemos em outra coisa bem diferente e as demais pessoas envolvidas no caso ficam com os nervos a flor da pele. Agora há pouco conversava com Wanessa, a técnica administrativa do posto. Ela comentava como uma informação que passou para uma mulher resultou em situação conflituosa com o marido desta que pensou não seria atendido, quando o que Wanessa havia dito era completamente diferente. Felizmente quando tudo foi explicado todos saíram contentes, mas, algumas vezes, quando estas coisas se repetem, sinto cansaço.

Recebam um abraço dietético de Aureo Augusto.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

CONSULTAS NO CAPÃO bom e ruim


Saí feliz da consulta porque a criança estava muito bem. Há 10 dias a pele estava uma coisa horrível, inchada, vermelha, descamando, coçando e ardendo. Com 3 meses de vida já sofria muito além da medida de um adulto. A combinação de orientação alimentar (a mãe não amamentara), alopatia e neo-hipocratismo (o que será isso?) lhe devolveu uma pele limpa e linda, exceto nos pulsos (por que aí?) e por isso sugeri que continuasse os tratamentos por mais um pouco. A mãe sorria e se regozijava de ver seu pequeno sem choro. Mas o mundo tem às vezes (ou sempre) um quê de pêndulo.

Passou o tempo um pouco e Wanessa, a agente administrativa do posto, veio me pedir ajuda. Uma jovem estrangeira muito bonita, porém com modos impertinentes e arrogantes, acompanhada de um rapaz alto e musculoso exigia consulta, mesmo sendo avisada que uma unidade de saúde da família estava voltada para o atendimento das famílias residentes, além do fato óbvio que o SUS é universalmente dedicado aos brasileiros e apesar de ser uma coisa maravilhosa, ainda não conseguiu cuidar da nossa gente conforme se propõe, imagine se tiver que cuidar dos estrangeiros que aqui aportam a visitar. Disse-lhe que atendíamos, claro, qualquer urgência etc. mesmo sabendo que para entrar na Europa nós, brasileiros, temos que provar ter seguro saúde, recursos para manter-se e naturalmente os estrangeiros que nos vêm visitar deveriam também ter condições de pagar uma consulta e comprar seus remédios. Mas ela não queria acordo. Wanessa estava nesta conversa quando cheguei, mas ela apenas me falou que queria tirar uns pontos de uma sutura que sofreu após um acidente em Itacaré. Nenhum problema, eu tiro. Tivesse a francesa explicado a Wanessa, ela teria me chamado para cuidar disso. Mas ela queria mais, queria que eu fosse a casa onde estava hospedado um seu amigo também estrangeiro que estava doente. A conversa desandou. A questão é que ela tem um entendimento da vida completamente diferente do meu. Para mim quando você toma uma decisão livre, também se responsabiliza por arcar com todas as conseqüências de tal decisão. Ela não entendia que tanto ela quanto seu amigo haviam tomado a decisão de viajar pelo mundo sem dinheiro, livres de compromissos, de impostos, de responsabilidades sociais (por exemplo); vivendo marginalmente sem querer participar de uma sociedade que eles consideram (com alguma razão) podre, mas, paradoxalmente, ávidos das benesses e da proteção desta mesma sociedade.

Muitos jovens aqui aportam sequiosos de vivenciar a vida natural de prazeres que imaginam encontrar no Vale do Capão. Querem liberdade total, com franca irresponsabilidade. Querem, romanticamente, a impossibilidade, e vivem buscando um pai, pensando que querem um mundo novo. Deve ser por isso que a tuberculose, doença dos românticos, está voltando a agitar as estatísticas. Ontem ouvi uma mulher (sim, porque não era mais uma adolescente) em altos brados, no telefone público do posto exigindo que os pais lhe mandassem dinheiro. O que foi feito dos sonhos de um mundo novo de paz e amor? Tornou-se em grande medida, farra e indolência. Qual é o problema de farra? Nenhum. Qual é o problema da indolência se for uma coisa própria sem envolver os demais? Porém ser parte da humanidade em plenitude implica afastar-se do modo piolho de ser. Os piolhos incomodam porque sugam o sangue e dificultam o sono. Nós os seres humanos somos livres, somos a amplidão, somos o sopro divino, a luz plena. Mas não somos apenas isso: Existimos no mundo e isso é como um pêndulo!

Tudo piorou quando o rapaz se meteu e eu, procurando acalmá-lo, referi-me a ele na velha gíria de meus tempos de jovem, “bicho”. Pensei que ainda hoje se usava, aliás, tenho usado com muitas pessoas sem problema, mas ele se irritou muito e disse que ele não era bicho e me perguntou se eu era médico de gente ou veterinário. E se aproximou ameaçadoramente exibindo os grandes peitorais muito desenvolvidos. Quem me conhece sabe que minha “portentosa” musculatura não dá para muita coisa. Também é do conhecimento de todos que não sou o cara mais corajoso do mundo. Mas não recuei um passo, por um motivo muito simples: Sei que para o covarde às vezes é melhor aparentar coragem em dado momento de uma situação do que deixar que a situação piore. Encarei-o e continuei dizendo o que pensava dele, dela, do amigo. Ele recuou. Ufa!

Voltei-me para ela e disse que aguardasse um pouco para retirar os pontos. Ela se sentou e fui verificar a pressão de uma jovem mãe que precisava de atendimento. Quando terminei notei que o sujeito estava sem camisa, e é proibido permanecer no posto com o torso nu. Confesso que hesitei em falar porque não me causa agrado futucar o cão (ou é o leão?) com vara curta. Mas aproximei-me e lhe perguntei o nome. Ele respondeu e chamando-o pelo seu apodo lhe instei a vestir a camisa. Ele optou por retirar-se. Atendi à mulher e depois tirei os pontos da jovem. Fiquei feliz quando ela se foi, porém não tanto quanto estava no início deste texto.

Recebam um abraço pendular de Aureo Augusto.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

COBRAS E PARTOS


Venha viver no Vale do Capão e passará por experiências interessantes. Ontem a moça que trabalha comigo estava bem assustada quando cheguei para almoçar. Uma cobra de bom tamanho, que ela não soube dizer qual era havia passado toda a manhã aborrecendo um casal de sabiás que a atacaram sem piedade, provavelmente para defender o ninho. Por isso a serpente passeou de um lado para outro sobre as árvores no quintal, bem perto da porta da cozinha. Acho interessante como esta moça tem medo de bicho. Nasceu e se criou em um lugar chamado “Mata”, vizinho do Tejuco, povoado que faz parte do distrito de Caeté-Açú, do qual também faz parte este povoado do Vale do Capão. Mas apesar de sua história assustou-se com um teiú que veio visitar nossa composteira e com os insetos que vez por outra invadem a casa. Claro que me divirto demais com isso!

Estes dias tive uma experiência divertida: Uma jovem mineira casada com um mascate que se apaixonou pelo Capão veio para a consulta de acompanhamento da gestação. Ela é bem jovem, 19 anos, e é bem engraçada. Durante a consulta queria convencer-me a fazer algum documento onde registrasse que ela tinha que fazer cesárea, pois sua irmã tinha parido deste jeito e lhe disse que era legal. Argumentei muito em favor do parto normal, mas ela não queria acordo e enquanto conversávamos ela ria muito e eu também porque tinha um jeito muito peculiar de falar. No final nem ela me convenceu a fazer o documento, nem eu convenci-a a parir normal. Alguns dias depois, no meio do Carnaval, ela entrou em trabalho de parto, o qual foi bastante rápido. O marido tentou leva-la a Iraquara para parir no hospital, mas faltou gasolina e teve que aceitar o oferecimento de Talos, um jovem daqui que se dispôs a levar o casal, mas o parto apertou e pararam no posto em Palmeiras, onde estava de plantão a Dra. Maristela que é uma parteira muito amorosa. Acabou que pariu normal e rápido, embora tenha feito um barulhão.

Hoje, dia de visita domiciliar, fui a sua casa para fazer a consulta puerperal (puerpério é o período que se segue ao parto). Ela e seu marido estavam muito felizes; eu diria que ela estava serelepe. Comentei que se tivesse feito cesárea não estaria assim tão ágil ela concordou e disse que tinha sido legal parir normal, me disse “não é essa dor que as pessoas dizem”. E lá ficou ela com seu marido e o bebê lindo descansando placidamente no meio da alegria dos pais.

Recebam um abraço fértil de Aureo Augusto.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

REFLEXÃO SOBRE UMA LIBERDADE QUE PRECISAMOS


No silêncio descansado por entre os ruídos de um dia de labuta, estou. Lá fora as pessoas (ou seja: nós) se agrupam ao redor de um possível suspiro em suas dores. São tantas as dores! Mas também gosto de apreciar que há silêncio de dores, naqueles momentos em que a graça do riso transborda os lábios. O povo tem vivido mergulhado no labor de sobreviver e a isso se acostumou. Pois hoje, neste agora de onde saltam tantas queixas vejo minha gente aprendendo que há mais do que a sobrevivência. Vivemos! Vivamos!

Ontem entre os jovens notei interrogações. Percebi buscas e perscrutei neles a sensação de que as coisas devem ser algo mais do que contam os pais, mais do que dizem os livros, e muito mais do que falam as canções de gosto duvidoso que aqueles aparelhinhos engraçados lançam nas orelhas, pelos mesmos fios nos quais se penduram as cabeças. Os jovens têm olhares com formato de sinais de interrogação e de admiração. E isso é o que há de mais lindo neles.
Conversávamos (como parte de um interessante curso que tomam) sobre drogas. Mas não dava pra tratar de algo tão chão para todos eles do jeito tão “química de livro” comum nesses papos. Buscamos coisas por trás da fumaça. Os jovens gostam de ir além do elaboradamente arrumado no cotidiano. Isso é uma coisa linda neles e me estimula a caminhar por estradas de reflexões inauditas.
No entanto, é terrível para mim encontrar que esses jovens tão descotidianizados tantas vezes recotidianizam-se em padrões que não são os padrões dos pais, mas o são de outros donos do comportamento. Existem TVs, cinemas, existem amigos duvidosos sugerindo caminhos inusitados, mas tão iguais ao que aconteceu no passado: Alguém lucrando em nome da liberdade ou da justiça. O de sempre: Alguém lucrando através novos modismos que seriam capazes de torna-los (aos jovens) diferentes, quando os fazem todos iguais.

Às vezes vejo-os com aquele jeito meio imbecil herdado da maconha fumada há pouco, ou aquela cara totalmente debilóide imposta pelo álcool; vejo-os também às vezes com rostos rijos atracados ao futuro, perdidos de si, impondo-se futuros. Então entendo o que sentia Ulisses vendo seus companheiros presos no país dos Lotófagos. Ali as pessoas que comessem as folhas do Lótus se esqueciam de retornar para casa. Ah! Confesso que me dói ver estes belos seres de olhares com formato de sinais de interrogação e de admiração tornarem-se ovelhas dominadas dos pastores das drogas (cigarro, álcool, maconha, açúcar branco, cocaína, heroína...). Meu coração ficaria feliz em ver estas criaturas lindas retornando à casa – aquele lugar da liberdade responsável de onde saímos e para onde voltaremos e não perdidos entre os lotófagos.

Vivemos, é verdade, no labor de sobreviver e lá fora nós nos encontramos agrupados ao redor de um possível suspiro em nossas dores. Olhemos para nossos corações; precisamos abrir-nos para ver o mundo com os olhos de nossos corações. Precisamos romper com a lógica que nos leva a que curvemos nossas cabeças a uma vida medicamentizada, drogada, dominada, midiatizada, bigbrotherada.
Acredito!

Recebam um abraço de coração de Aureo Augusto.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O PARTO DE ZEZÉU


Lembro-me de Zezéu ainda criança. Creio que nunca houve mais barulhenta no mundo. Parecia não caber nem em si nem em nada. Sua agitação chamava a atenção de quantos a viam. Estava sempre molhada de suor, mesmo no rigor do inverno, olhava as coisas quase comendo-as e nunca falava, apenas gritava. Pudera, seu pai, o finado Delfino, eu o chamava de Trovão, porque, dizia eu, quando sussurrava um segredo, seu sussurro era tão alto que todo o vale sabia. Éramos muito amigos, ou somos, que a morte não reduziu meu amor por ele. Nunca me chamava de Aureo, para ele eu era Chuva, até o dia da sua morte. Depois disso ninguém mais me chamou assim, nem chamará. Delfino era troncudo e forte, não era de fazer grande alarde das coisas, mas quando se aborrecia, “sai de baixo”. Zezéu só herdou dele a voz alta (e mais esganiçada).

Ela cresceu como era de se esperar e, hoje, tive a oportunidade de assistir ao seu segundo parto. Natália acompanhou. Muito bom para mim ver Natália fazendo o parto; tranquila, amorosa, presente; realmente uma parteira como poucas! Mas dizia de Zezéu: O tempo passa, mas nós (eu pelo menos) nunca deixamos de nos surpreender pela forma e pelo fato de que ele passa. Zezéu hoje é uma mulher tendo o seu segundo filho. Fiz o primeiro parto quando nasceu um rapazinho que, não sei porque, só chamava de bananinha. O povo presente se lembrou que quando eu esperava dizia: “Eh! Bananinha, vem logo”. Acabou que a mãe durante muito tempo só chamava de Bananinha, pelo menos comigo. Agora na casa cheia de gente, pessoas muito gratas ao meu coração, muito riso, muita alegria enquanto o parto corria. Zezéu desta vez estava mais queixosa do que no primeiro, mas com a mesma força, e vocês precisavam ver a criancinha saindo. Natália indicando que não fizesse força, que apenas a força do útero era suficiente, lindo, foi saindo devagar até que se desprendeu e respirou. Ela de cócoras nos braços do marido que deu uma grande força, apoiou muito durante todo o processo de dilatação e expulsão. Lindo!

Néa, a irmã, já foi logo me dizendo que era menina e que tinha nome, Chiara. Foi aí que me dei conta de que a recém-nascida, com sua pele corada era como uma maçãzinha. Chamei-a assim, agora Zezéu tem duas frutas em casa. Tomara queira ter outros filhos e tenhamos em breve uma salada de frutas.
Recebam um abraço parteiro em 30/1/13 de Aureo Augusto.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

ACIDENTE COM DINHA


Sábado, dia de feira em Palmeiras e os mais velhos gostam de ir por lá. Dinha e Almir saíram cedo para pegar a van, porém na altura de minha casa ela tropeçou e caiu machucando o joelho, o lábio superior e um corte profundo e grande na testa, sobre o supercílio esquerdo.
Às 5:30h assustei-me ao ouvir sua voz me chamando e logo que constatei o ocorrido chamei-a a que fosse ao posto para que costurasse o corte e pensasse as demais feridas. Fomos de moto táxi eu em um ela em outro por estar sem o meu carro.

Enquanto preparava as coisas ela me contava que tinham muita coisa para fazer em Palmeiras, mas Almir teria desistido de ir, se ela não insistisse, pois não ia querer que ele largasse tudo por causa de uma besteira – a besteira era uma abertura na testa, como uma boca extra e desdentada. Pensei na têmpera do povo de antigamente. Hoje, qualquer corte joga um peso emocional muito maior do que antes. Mas no antes o povo passava por um maior número de provações no dia-a-dia. Acidentes com facões, machados, foices entre outros era relativamente comum. Até acidentes ofídicos eram bem mais frequentes. O povo ia catar café num converseiro danado e, enquanto riam ou se entristeciam com os assuntos conversados o que menos faziam era olhar para os galhos já que o ato da colheita é quase mecânico. Vai daí que de repente puxava uma cabeça de capanga (a cobra mais temível daqui) que não gostava nada de ser incomodada demonstrando isso com dolorosas e mortais picadas. Tantos morreram assim, ou ficaram aleijados com as ferramentas.

Hoje, acidentes acontecem, mas agora as motos ocupam o primeiro plano e cada vez tende a ser um “Deus nos acuda”. Mães, esposas, filhas vizinhas etc. se antes já faziam barulho com os acidentes, agora muito mais. Há uma ideia de que somos mais frágeis – e certamente isso corresponda à realidade. Noto que até as mães que pariram bastante, hoje tratam suas filhas como se estas não tivessem fibra para suportar o ato natural de parir. Não todas, mas algumas pelo menos e algumas filhas pelo menos correspondem às expectativas negativas de suas mães (e tias e avós).

Sim, as pessoas do Capão devem ter se tornado emocionalmente mais sensíveis e não vejo nisso problema, pelo contrário, trata-se de uma solução para determinados desvios de relacionamento. Porém, como tudo nesta Terra, nada é completamente bom e isento de contaminações. Assim, facilmente, por exemplo, medicaliza-se a vida. Tem dodói? Tem remédios. Pouco se sofre, pouco se aceita que viver é em grande medida submeter-se às instâncias que o Universo nos traz. O medo ao sofrimento e o desejo do prazer acima de qualquer bom senso acabou por contaminar muitos de nós, o que é triste.
Uma vez, no Chile, um especialista em incêndios florestais me explicou que é benéfica a existência de pequenos incêndios que consomem o mato ralo e seco nas florestas. Quando estes pequenos eventos não acontecem, aquele material não consumido se acumula e quando vem algum fogo, encontra muito material para crescer e até destruir as árvores que normalmente resistem aos pequenos incêndios. É semelhante ao que ocorre com nossa psique. Ora se não enfrentamos as pequenas dores, do corpo e da alma, ficamos, como aquelas florestas, susceptíveis e fragilizados diante das grandes perdas que a vida nos traz. Mais ainda: perdas não tão significativas assumem um papel gigantesco, tornam-se sombras atormentadoras.

Dinha tem uma lição a nos dar, mesmo que também tenha que aprender conosco!

Recebam um abraço resiliente de Aureo Augusto.

sábado, 26 de janeiro de 2013

CRIANÇADAS


Dei carona a Edenice e sua filha mais velha, Maiara, que tem em torno de 6 anos de idade. Íamos tranquilos quando a criança se assustou porque uma galinha passou na frente do carro correndo o risco de ser atropelada. Como eu dirigia devagar nada aconteceu. Depois de pouco tempo a criança, pensando alto disse: “Se ele atropelasse ela, hoje eu ia comer galinha”.

Há outra criança com 4 anos que também partilhou com a mãe uma carona. Depois de algum tempo o pequeno queria me perguntar alguma coisa e para minha surpresa dirigiu-se a mim como Dr. Natural. Achei engraçado este apelido que acabara de receber e a mãe também demonstrou surpresa. Como será que ela chegou a essa ideia?

Airam é muito ligado no avô e não concorda com o fato de que este fuma. Então fez um desenho e me deu de presente, onde ele, Airam, está vestido de médico e dizendo para o avô, deitado na cama doente, “Eu não falei pra deixar de fumar?”.

Dei umas pequenas pancadas com a ponta de um dos dedos no rosto de Piuzinha, uma jovem mãe aqui do Capão, para averiguar a sensibilidade. Seu filho que tudo observava, quando terminei, olhou-me com um jeito matreiro e comentou: “É, a jaca já tá madura”.

Jade ia fazer consulta. Então se escondeu cuidadosamente enquanto eu me arrumava para chama-la. Quando saí da sala ela deu um grito e quase eu caio no chão de susto. Ela morria de rir. Depois me presenteou com um desenho com a cena, inclusive comigo com os cabelos em pé. Pensei que as crianças de hoje em dia não têm mais medo de médicos. Que legal!

Estava vindo pro posto quando uma menino bem pequeno me chamou para eu parar o carro, o que fiz. Então ele se aproximou com os olhos marejados e me pediu que eu dissesse a um outro que estava mais adiante, que parasse de abusa-lo. Obedeci, mas não sei o resultado.

Ana é bem pequena e é linda. Seus olhos mostram a inteligência da menina. Sua avó teve que tomar diversas injeções no posto e trazia a criança consigo. Então ela batia na minha porta e me pedia os carimbos (que sempre tenho para a criançada) e os lápis de cor. Sentava-se no chão e ficava desenhando. Atrapalhou um pouco as consultas, mas vocês precisavam ver a cara terna dela, com uma certeza linda de que ali ela seria bem recebida e realizaria seu desejo!

As crianças são um negócio a parte aqui no posto. Na verdade não gosto de atender crianças doentes porque me dá agonia vê-las sofrendo; devia ser proibido criança adoecer.

sábado, 19 de janeiro de 2013

SESSENTA ANOS


Sessenta anos! Uau, é muito tempo. Então penso em minha mãe, com 92! Aí sim, muito tempo. Ela me diz que já está cansada. Considera que teve uma vida maravilhosa – e eu sei do tanto de sofrimento que passou! Mas ela avalia a partir do cômputo nesse final. Ela mostra-se feliz com o resultado de sua vida e isso me agrada. Minha mãe tem seus medos, mas tudo tende a ser superado pelo bom humor. Olho e aprendo.

Naturalmente procuro as vantagens da idade. Observando-me cuidadosamente percebo que hoje eu poderia ser mais equilibrado emocionalmente, menos irascível etc. Sim, estou melhor nestes quesitos, mas bem menos melhor do que o melhor que eu consideraria ideal. Ou seja, não avancei tanto quanto deveria. Fisicamente as coisas mostram que esta não é definitivamente a melhor idade. Não tenho queixas maiores, minha memória para coisas recentes hoje é melhor do que há 20 anos (mas era tão ruim que não é muita glória estar melhor do que aquilo), porém a força física (que nunca foi lá estas coisas todas) reduziu, assim como a agilidade.  Tem gente que abomina haver alcançado a velhice exatamente por causa desta decadência; eu me regozijo, porque se aqui cheguei é porque não morri jovem – e olhe que pulei várias fogueiras – vai daí que acho que tenho a celebrar; celebro.

Há algo maravilhoso em estar nesta idade. Hoje eu me sinto mais livre, menos compromissado com ideologias, com verdades construídas por outrem e impingidas a mim, como minhas. Os “ismos” perderam 90% do sentido. Além disso, conquanto algumas dores da alma (usando termos de René Descartes) alcancem-me com firmeza, meu humor é infinitamente melhor. Rio de nada e de tudo, e rio alegremente de meus próprios dissabores. Já não me levo tanto a sério.
Tenho a sensação de que vivi. “Confiesso que he vivido” dizia Pablo Neruda. Faço minhas suas palavras. Poderia ter vivido mais intimamente o que vivi, isso é indubitável, mas agora já passou. Sigo. E cada dia vivo mais dentro do que experimento, ótimo.

Mas o melhor mesmo é essa sensação de que já não me preocupo tanto com o que vão pensar do que falo, do que não falo ou faço. Acredito e vivo na consciência de que devemos satisfação aos nossos próximos, vizinhos, familiares, conhecidos, mas este prestar conta por nossos atos tem limite. Que me importa o demais, a mais do que o limite daquilo que acho que é a minha dívida para com a sociedade? Somos seres sociais e isso é bom, mas também somos seres individuais. Um amigo me disse que o legal de ser idoso é que quando fala coisas de qualidade todos reputam à sabedoria, já quando fala bobagem, todos compreensivelmente sorriem culpando a idade. Em outras palavras: podemos relaxar, posso, então, relaxar, pois, como não se cansam de repetir os meus colegas de trabalho, eu sou sexi; sexagenário, bem entendido.

Recebam um abraço idoso de Aureo Augusto, em 19/1/13.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

INCÊNDIO NA CHAPADA, POLÍTICA "INCENDIÁRIA"

Aqui no Vale do Capão estamos impactados com os incêndios florestais que grassam nas bandas do Riachinho, na trilha para Lençóis entre outros lugares. Como sempre admiramos a coragem, dedicação e competência dos brigadistas anti-incêndio, mas ao mesmo tempo ficamos sem entender a repetição da história. O nosso país tem muitos incêndios estranhos, como aquele que grassou na Secretaria de Educação de Salvador.
Impressiona-me também um tipo de incêndio sem fogo: Aquele que acontece nas prefeituras onde ocorre alternância política. Tomo conhecimento de diversas localidades onde móveis foram surrupiados pela equipe que se retira do poder, computadores, motores dos carros, entre outros pertences da prefeitura, ou seja, do povo e não da equipe de governo. Além desta forma de roubo, há o roubo das informações. Arquivos, dados, documentos, subsídios necessários à gestão desaparecem sem deixar rastros, informações essenciais para a governança futura são sonegadas como uma vingança inútil, mas prejudicial à população.

A Chapada carece de algo mais para proteger-se dos periódicos incêndios. O governo tem mantido as brigadas e tomado outras atitudes protetoras, porém está claro que estamos precisando de uma ação mais consistente, tanto no quesito prevenção – que envolve educação – quanto na área do combate ao fogo quando ele se manifesta. Da mesma forma os “incêndios” políticos precisam de um combate mais consistente. Muitos prefeitos que perderam a reeleição ou que não conseguiram diplomar seus candidatos fazem de tudo para dificultar a vida do seu sucessor, através do aumento da folha de pagamentos chamando funcionários aprovados em concurso (que nunca foram chamados antes para haver lugar para aliados), fazem dívidas, deixam de pagar certos direitos do funcionalismo etc. enfim fazem jogadas com o dinheiro público e com a sociedade.

O que mais me horroriza é que o gestor que se retira nem sempre é responsabilizado pelos seus erros. Ora, se ele não paga o INSS dos funcionários, a prefeitura futura é que passará pelo dissabor de pagar o ônus do erro. Sou leigo nestes assuntos, mas sei que a prefeitura de Palmeiras terá que pagar INSS de muito tempo atrás. Como fazer? Como começar o governo se já existem limitações financeiras derivadas de erros passados?

Penso que este “incêndio” só será apagado quando a justiça tiver suficiente agilidade para rapidamente obrigar o prefeito faltoso a pagar do bolso dele todos os erros que tenha cometido. Que seus bens sejam disponibilizados, leiloados, que os recursos auferidos sejam usados para compensar os desastres que haja causado. Professoras aqui em Palmeiras descobriram que em gestões antigas tiveram os recursos recolhidos pela prefeitura usados para outros fins que não garantir-lhes a aposentadoria. Mas aqueles que usaram desonestamente o dinheiro destas professoras estão muito bem de vida e circulam livremente com seus bens, fingindo serem pessoas de bem.

O Brasil peca pela morosidade. Incêndios reais e metafóricos grassam nas matas e nas repartições públicas. Nós, o povo, aguardamos brigadistas e bombeiros, juízes e legislação séria.
Recebam um abraço preocupado de Aureo Augusto em 11/1/13.