Nem sempre posso, pois todos os dias pela manhã tenho várias
tarefas que interessam ao dia-a-dia de um “dono de casa”. Jogar o lixo orgânico
na composteira, tomar banho de rio, rachar lenha, preparar o desjejum e
come-lo, ordenar o que precisa levar ao trabalho etc. Por isso nem todos os
dias posso ir a pé para o trabalho. Hoje fiz isso.
A caminhada hoje começou logo de cara com um sabiá pousado
numa estaca na porta do consultório. Feliz cantava e não se assustou comigo. A
ave foi o prenúncio de um agradável passeio. Caminho de pés descalços, o que
sempre é tema de numerosas piadas pelo meu caminho, o que mais ainda me alegra
as manhãs. A cada passo cruzo com um dos meus tantos vizinhos e sempre trocamos
algumas palavras desejando bom dia, informando alguma coisa necessária e,
principalmente, rindo. Sou abençoado com o riso e a alegria dos meus vizinhos!
À chegada ao posto, as pessoas que ali estavam já me
saudaram comentando o nu dos pés, rindo do nu de minh’alma naquele momento de
gloriosa tranquilidade. Tenho uma sorte e tanto por haver escolhido morar neste
lugar. Sim. Muitas dificuldades aconteceram. Morar no campo (sem ser camponês,
ou mesmo sendo) traz desafios significativos; até porque o silêncio pode ser
insuportável. Quanto mais silêncio fora, mais nos ensurdecemos com o barulho
interno. Acredito que é por isso que tantos que aqui vêm a passear em posse da
paz que supostamente encontrariam aqui, acabam se envolvendo em farras,
cervejadas e, tantas vezes, deixam o som bem alto em seus carros. Parece-me que
visam abafar suas ruidosas almas, ansiando serem ouvidas.
Há um silêncio no camponês. Um não pensar. Sei que isso está
mudando e os jovens daqui não são como seus pais. Para o bem e para o mal. Hoje
já não há como trata-los como quase escravos, como o foi nos tempos em que aqui
cheguei. Têm mais vontade, mais desejos e o dom de tratar de lutar para
conseguir fazer valer seus direitos e até mais. O egoísmo existe em maior
proporção, até como sequela (indesejada, mas comum) da construção de uma
pessoalidade. Por isso aquele silêncio já não é tão disseminado como quando
aqui cheguei. Planos são elaborados, ideias. O mundo gira mais veloz e as
coisas adquirem uma dinâmica mais rápida, mutável e estranhamente livre. Todo mundo
pensa muito mais e externamente isso se manifesta pela nata de ruídos que
pairam na superfície dos acontecimentos. Antigamente, contam os mais velhos,
era comum escutar desde certos pontos do vale, o barulho das festas em
Palmeiras. Hoje isso é impossível. Agora temos nossos próprios barulhos e os
maiores não são externos.
Talvez as pessoas do Vale do Capão venham a perder
uma preciosidade inusitada: o silêncio.
recebam um abraço silencioso de Aureo Augusto.