domingo, 19 de setembro de 2010

MOZART E OS MEUS PÉS

A Fundação Gulbenkian está fazendo uma série de apresentações, filmes etc. sobre Mozart e neste momento acabo de chegar de uma das atividades, uma série de apresentações (duo de violino e viola, sonata, quinteto de cordas...) de músicas daquele grande músico, sempre com participantes da orquestra da Fundação. Não entendo nada de música, não sei distinguir um autor clássico de outro, mas gosto. O Improptus de Schubert é uma coisa maravilhosa, e me toca profundamente. Isso eu sei. Tenho a sensação de que a música é o máximo que o ser humano, enquanto ser humano como nós somos, pode alcançar. Quando Caetano canta “a sombra da encosta cor de laranja, capim rosa-chá...”, ou quando se exalta o coro no Carmina Burana, ou ainda quando delicadamente as vozes indígenas cantam Wakan Tanka, estas coisas me dão a sensação de que escutando estou mais próximo do Mistério. Ali naquele momento o mundo, o Universo, fica muito próximo. As montanhas ao redor de minha casa deixam de ser ao redor e recolhem-se dentro. Senti isso hoje escutando Mozart.
Claro que não deixei de reparar que os músicos usavam uns sapatos enormes e brilhantes. Caso quisesse pinta-los em uma tela, teria que fazer grossas pinceladas brancas ocupando metade dos sapatos para indicar-lhes o brilho envernizado. Também faltava uma lâmpada no palco. A platéia portuguesa, antes do espetáculo é igual à brasileira, bem barulhenta. Porém uma vez que começa o silêncio é tão intenso que dá para respira-lo. Peguei uma porção e guardei-a no bolso, para usar mais tarde. Claro que sempre há exageros. Em um certo momento mexi em um pacote de papel e naturalmente fez um ruído discreto. Uma mulher na frente deu um pulo como se tivesse estourado uma bomba de São João bem junto o ouvido dela e olhou como se tivesse sido pessoalmente insultada. Depois disso fiquei duro feito pedra, não me mexi nem um pouquinho e quando terminou aquela música estava com o ombro doendo. Aproveitei os aplausos e tirei o pacote do colo para poder me mexer de vez em quando. Aliás, os portugueses não aplaudem a toda hora, nos intervalos entre as partes das músicas eles sabem que a música não terminou e ficam quietos, ou melhor, aproveitam, entre um adágio e um allegro, para tossir, pigarrear, se mexer, isso bem rápido, pois antes da música recomeçar já estão em silêncio.
Mencionei sapatos e isso me faz lembrar de meus pés. Estão branco rosados, limpos como a muito tempo não os vejo. É que aqui ‘pelazoropa’ só ando calçado. Aí os pés vão perdendo aquela cor bufenta que só o Vale do Capão sabe dar. Até as velhas rachaduras dos calcanhares estão quase desaparecidas. ‘Tô com muita saudade de andar descalço.
Recebam um beijo mozartiano.
Aureo Augusto

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