quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O TAXEIRO AUTÔNOMO

Ontem aconteceu uma coisa que merece registro: Vínhamos, Cybele e eu, voltando de uma entrevista com uma pessoa maravilhosa, Sérgio Niza, um grande educador português, que ademais, é um homem suave, agradável, aberto, humilde e dono de si, coisas que percebi nas horas em que passei assistindo silenciosamente ao diálogo dele com Cybele. Poderia comentar muito tempo as impressões que o educador me causou, mas agora prefiro falar do motorista de táxi que nos trouxe. Ele escolheu o caminho, porque pensou que era o mais rápido, pois o outro caminho prometia ter mais engarrafamento. Porém acabou que havia um tremendo congestionamento no caminho que havia escolhido. Ficou bem aborrecido – como, aliás, freqüentemente acontece com os portugueses, principalmente no tráfego – com o fato e nos explicava que seu erro foi não se lembrar de um jogo de futebol que ocorreria naquela hora. Ficamos com receio que o taxímetro saltasse sobre nós e arrancasse todos os euros que tínhamos no bolso, já que os carros mais paravam que andavam. Então, em certo momento o motorista nos explicou que desligaria o taxímetro porque ele fora o responsável único pela decisão de ir por aquele caminho.
Ficamos estupefatos com sua atitude. Uma coisa temos notado aqui em Portugal: Há uma tendência entre eles a assumir a responsabilidade pelo que propõem e pelas decisões que tomam. Dá-me a impressão que aqui na Europa não é como no Brasil, onde adoramos jogar a culpa nos demais, inventar desculpas. “Ah! Foi o tempo”, dizemos. Ou foi tal pessoa que nos atrasou. Acho incrível se desculpar por haver chegado atrasado porque o tráfego está apertado ou porque tem filhos a cuidar. E se perder o emprego, o que serão dos filhos? Seguramente já não terá problemas com o tráfego. Mas não terá como comer e comprar roupa. Há uma mulher que conheço que de vez em quando começa a me contar seus problemas. Abestalhado que sou, comecei a sugerir-lhe saídas. A cada proposta que lhe fazia ela encontrava impedimentos. Com o tempo percebi que ela só quer que eu finja que é uma coitada. Sou um cara obediente, mas aí já é demais. Não finjo, mas não lhe dou mais dicas. Apenas escuto.
Nós, na América Latina, gostamos de lançar invectivas contra o capitalismo, os americanos, os colonizadores... Todos estes têm seus defeitos, mas perdemos muito tempo culpando-os. Melhor seria assumirmos nossas responsabilidades. Ontem fui à biblioteca da Faculdade de Psicologia e na saída encontrei uma banca com livros e revistas que a biblioteca oferecia gratuitamente a quem quisesse levar. Peguei uma revista em quadrinhos africana com diversas histórias educativas e em uma delas um pai cachaceiro mandava o filho comprar bebidas para ele. Um dia o filho foi aliciado por um traficante de drogas e mudou de ramo. Passou a ser “avião” apesar (ou talvez por isso mesmo) de ainda ser uma criança. Numa dessa, indo ao ponto das drogas, a polícia chegou e houve um tiroteio e o menino morreu crivado de balas. Quando seu pai soube da notícia, entre um trago e outro comentou que aquele menino não tinha futuro e acrescentou: “Também com a mãe que tem”. Este é o método subdesenvolvido de encontrar explicações para as coisas. Esta é a forma colonizada que permanece colonizada. É fácil ter alguém lá fora para culpar e eximir-se de qualquer responsabilidade.
O taxeiro português, que por sinal cheirava a álcool e dirigia horrorosamente, podia ter lá seus defeitos, mas responsabilizava-se pelas suas decisões e por isso merece nosso respeito.
Recebam um beijo português.
Aureo Augusto
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