sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

QUANTA GENTE!

Estava eu na fila do supermercado de Medinho quando uma turista, atenta à conversa que eu tinha com um nativo comentou que devia ser difícil para nós ver tanta gente “invadindo” o vale neste momento de ano novo. Parei um pouco, porque na realidade isso não me incomoda, e acredito que não incomoda à maioria dos moradores. Como já comentei em outro momento, alguns, como Beli, se aborrecem com o Vale nos períodos em que acorrem poucos visitantes. Isso aqui fica chato – para ela. Quanto a mim, gosto de olhar a praça com as pessoas andando de um lado para outro e os artesões tentando vender desde bugigangas muito vagabundas a adornos de prata ou ouro de elaborada e inspirada forma (obviamente os primeiros vendem mais do que os outros, que, aliás, costumam ser menos ativos vendedores). Gosto com a consciência de que isso não acontece todos os dias e de que logo vou para minha casa, lá no fundo do vale, onde não acontece este movimento todo e o rio me aguarda para um banho tranquilo.

Escrevi o texto acima ontem; hoje cheguei ao trabalho cedo e dei de cara com o lado negativo. A praça suja e cheia de latas de cerveja abandonadas. Restos de comida na porta do posto. Uma cena bem feia. Não pude deixar de pensar que as mesmas pessoas que deixaram tal desordem veem ao Capão para curtir um lugar onde a ecologia é respeitada. Quanta contradição! Todos nós temos algum grau de incoerência, porém é chocante a discrepância entre o discurso ambientalista desses visitantes e o desrespeito que observei. Ou será que pensam que meio ambiente é apenas aquele ao redor das cachoeiras? A rua é meio ambiente também. Aliás, o lixo da rua em algum momento cairá no campo, na mata, no rio...

O lixeiro, notando que eu estava chocado com a sujeira, aproximou-se e me disse que quando ele limpa as festas daqui mesmo, e quando não tem tanto turista, o lixo é bem menor. “Acho que eles ainda não aprenderam”, disse.

Parece que não. Mesmo assim, após a deliciosa chuva bordada de relâmpagos da noite passada, o vale brilhou intensamente com a chegada da luz do dia regalada pelo sol que se espreguiça até agora entre as nuvens. As visitas ainda não acordaram da farra noturna, mas algumas já se esgueiram por entre luzes e sombras de uma manhã que anuncia um dia promissor. Novas levas de pessoas desembarcam das rurais e das vans, olho-as e me deleito.

Recebam um abraço deleitoso de Aureo Augusto.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

ANO NOVO!

Está claro que final de ano (e princípio) é coisa estabelecida por nós. É um pacto. Por isso mesmo acho maravilhoso! A humanidade de quando em vez concorda consigo mesma e no mundo inteiro as pessoas acabam por festejar momentos como se estes fossem determinações divinas, mas que resultam das construções de nossa própria inteligência. Definimos, por exemplo, aqui no Ocidente (coisa que se estendeu por outras áreas do orbe) que existe um dia ao qual denominamos 31 de dezembro, onde ocorre uma virada, na qual se acaba um ano. De tanto fazer acaba por ser.

Aqui estamos nós, na USF onde trabalho, nos reunindo, fechando o ano de 2011, planejando o próximo ano, vendo quais os temas mais prementes para palestras, cursos, ações e um bocado de outras coisas. Também estamos olhando as gavetas, retirando delas os restos dos dias que não foram usados e que deverão encontrar o lixo para não atravancar a chegada de novos momentos. Já fizemos a confraternização de final de ano, quando o amigo secreto desta vez teve como característica que todos deveriam trazer como presente apenas canecas. Foi muito interessante. Como sempre rimos bastante. Parece que o tempo se encurta quando pensamos no passado.

No ano passado no dia de hoje estava com meu pai na UTI, acompanhando-o em seu fenecer até que se foi no dia 30. Por isso, no seio da família havia uma dúvida quanto a se iríamos ou não este ano fazer o amigo secreto familiar. Felizmente fizemos e minha mãe ficou bem; apesar da saudade foi um momento de grande alegria para todos. Em alguma medida senti que meu pai ficou contente porque estávamos ali mais uma vez juntos, como sempre, na maior chalaça entremeada (por heroísmo de Marizé, minha irmã mais velha) de alguns momentos de oração e meditação. Minha família é bem rica em tipos humanos variados, complexos, cômicos, peculiares e ademais, atrai pessoas interessantes que se agregam ao núcleo como se fosse da família de tal forma que acaba sendo, de modo que vale a pena ficar olhando a turma nas raras vezes em que se reúne. Como qualquer família temos problemas, mas olhando para os anos que findaram vejo o quanto importa saber que temos um passado comum.

Aliás, temos um passado comum nós todos, gente humana e o comungamos com as demais gentes do planeta, como o povo árvore, a gente cavalo ou onça, gente de todo tipo e muitas variedades, mas das quais dependemos e que de nós dependem em maior ou menor medida.

Aqui, em um pequeno posto de saúde de um pequeno lugarejo de uma pequena cidade no centro da Bahia, as pessoas estão lembrando que finda um ciclo no nascer de um novo tempo. O mundo inteiro, que já é tão velho, acaba por ganhar um novo sabor, apenas porque quisemos que assim o fosse. Queiramos mais e sempre de bom!

Recebam um abraço novo de Aureo Augusto.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

MÉDICO NÃO PRESTA?

Trata-se de uma senhora muito agradável. Queridíssima por todos no Vale do Capão. Comerciante daquelas que sempre dizem que a situação está difícil (mesmo que todos saibam que está vendendo bem), sabe lucrar com um sorriso feliz e sincero. Gosto muito dela e sempre conversamos bastante. Eu a chamo de menina. Em resposta me trata por menino moleque. Ela é boa para os chás e sempre foi uma pessoa saudável. Nunca precisou de médico e, não consegue entender bem porque outras pessoas dele necessitam. Como desconhece a doença, não a reconhece no outro.

Vai daí que, por não ter papas na língua, quando alguém fica doente, diz na tampa que aquela pessoa não deveria ter ido internar-se, pois os médicos não passam de charlatães que fingem cuidar, mas estão tão somente se locupletando com o dinheiro dos clientes. Ela não é agressiva nesta mensagem, em parte verdadeira, reconheçamos, mas é insistente. O interessante é que tem grande consideração por mim, embora faça parte da classe que ela abomina. Tinha um filho que vivia em São Paulo e passou por grave problema de saúde. Ela o fez vir de lá para que comigo se consultasse. Não o pude ajudar, pois estava com um quadro muito grave, derivado do tipo de trabalho que exercia e carecia mesmo de internamento. Faleceu, para nossa tristeza. Foi um desses casos em que a empresa (aliada ao médico da mesma) mascarou muito bem o que ocorreu e a vítima foi a vítima e pronto! Tal fato só serviu para reforçar o desprezo que já sentia pelos médicos e pela medicina. Por isso nunca se interessa em vir ao posto, nunca faz exames. Raramente verifica a pressão que sempre está normal.

Ontem, domingo, estava na igreja (é evangélica) e começou a passar mal. O quadro piorou rapidamente e em dado momento todos acreditaram que estava morrendo. Renilde, funcionária do posto que também é evangélica, estava presente e me telefonou pedindo ajuda. Disse que a levasse ao posto e segui incontinenti para lá. Para resumir a história, teve uma crise hipertensiva espantosa. Tratei-a e aos poucos foi recompondo-se. Em cerca de três horas e meia já havia voltado ao seu estado normal. Depois tive que convencê-la a ir para o hospital onde seria submetida a exames. Acabou por ceder.
Ela já conta com 88 anos. Sua neta lhe afagava, preocupada, os belíssimos cabelos completamente brancos. Enquanto observava-lhe as rugas desenhadas dignamente no rosto, pensei que sempre temos algo a aprender desimportando a idade. Agora, já idosa, ela, que tem excelente autoestima, que é autônoma, inteligente, dona de si etc. que é um poço de sabedoria onde os vizinhos veem servir-se diuturnamente, está agora sendo desafiada a abrir mão do preconceito contra a medicina. Afinal, no transe em que se meteu, lancei mão de medicações que lhe tiraram da crise. Não importa o que faça depois. Pode optar por um tratamento natural, e sua saúde estará preservada, mas naquele momento crítico, as medicações foram de grande valia.

Para alguns que por aqui vivem, apenas o que vem de Deus tem valor, enquanto aquilo que provém da inteligência humana não merece crédito. Como se havendo um Deus que a tudo criou, deste tudo não participasse a inteligência humana. Interessante como costumamos excluir para nos sentirmos donos de nós mesmos, como nos opomos como forma de nos identificarmos a nós mesmos. Tal conduta centra-se sobre falsas bases. Ao ser humano cabe ser inteiro e esta inteireza tão patente nesta senhora, solicita dela agora um acrescento, para que paradoxalmente a inteireza seja mais inteira. É assim que crescemos e para crescer não importa a idade.

Recebam um abraço aprendiz de Aureo Augusto em 12/12/11 (assim que a luz volte, pois a tempestade de ontem à noite detonou a eletricidade posto esta mensagem).

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

VISITA DA JARARACA

As jararacas são cobras muito tranquilas. Pergunto-me se tal tranquilidade decorre da certeza que lhe traz a poderosa peçonha. Parece-me que as cobras não peçonhentas costumam ser mais agressivas, ou nervosas. Hoje Diu estava roçando aqui em casa com uma destas máquinas modernas com dois fiozinhos que cortam tudo bem rápido e barulhento. De repente ele parou o serviço e me chamou porque se preocupou com a possibilidade de haver ferido uma serpente. Diu é um jovem nativo muito agradável. Capoeirista, jardineiro, pedreiro, tudo que faz, faz direito. Também no circo faz malabarismo, contorcionismo e ensina às crianças. É uma pessoa bem especial. Tem cuidado com a natureza e não lhe agrada ferir animais. Daí que me chamou para ver a cobra. Ao chegar ele me disse que ela estava um pouco nervosa, mas notei que não se colocara em posição de dar o bote. Semiescondida pelas folhas divisava-se parte do rabo e a cabeça com a língua bífida experimentando o ar. Aproximei-me e lhe fiz um pouco de cafuné. Ficou bem tranquila e pude pega-la logo abaixo da cabeça. Então levei para bem longe no mato para que não corresse o risco de ferir ou ser ferida por gente humana. Quando a joguei a certa distância ali ficou bem tranquila observando e lambendo o vento. As jararacas são cobras tranquilas.

Há muito tempo caminhando pelo mato com um amigo encontrei uma serpe descansando nos galhos de um arbusto. Trazia comigo minha faca que é bem pesada. Comentei com ele que poderia matar a cobra com facilidade, mas que não era esta a minha intenção já que não convém matar ninguém. Seguimos viagem. No dia seguinte fui limpar umas bananeiras e em um certo momento alguém me alertou que estava pisando em uma jararaca. O pobre animal fazia um tremendo esforço para escapar, mas não fez menção de me morder. Comentei com o mesmo amigo que estava comigo no dia anterior, que naquele então eu havia tido a vida de uma cobra em minhas mãos, mas agora uma cobra me havia poupado. Coincidência. Será?

Gosto dos animais, embora não tenha prazer em cria-los. Agrada-me velos soltos, pelo mundo, cuidando de si. Tenho especial apreço pelas cobras que me parecem animais sumamente interessantes e tenho notado que têm cada uma suas próprias maneiras e personalidades. Têm seu jeito. Algumas orgulhosas, outras exalam um poder (como as cascavéis). A cainana é bem nervosinha, aproximar-se dela é difícil e até mesmo é assustadiça. A cobra verde não peçonhenta se aborrece fácil e a cabeça de capanga tem um certo orgulho da fama. Há poucos dias dei de cara com uma jararaca tranquilamente nos degraus da escada dentro de casa. Por sorte acendi a luz (algumas vezes gosto de andar no escuro como exercício neuróbico) e dei com ela que ficou muito agoniada a pobre ao ser pilhada na casa dos outros. Tão agoniada que ficou difícil pegar ela, mas acabei por conseguir e a deixei em local seguro.
Bom, não pensem que o Capão é particularmente rico em cobras. Na verdade aparecem poucas aqui em casa. A que mais aparece é uma cainana, que não é venenosa e tem o costume de comer outras cobras. Hoje quis partilhar estas notícias com vocês por causa da jararaca de Diu.

Recebam um abraço serpentiforme de Aureo Augusto em 8/12/11.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O LUGAR DAS PARTEIRAS

Este texto foi primeiramente foi posto em outro blog dedicado às parteiras, há já algum tempo. Agora quero partilhar com vcs:

Diz a Bíblia que o faraó queria matar os recém nascidos hebreus do seu reino. Deu ordem às parteiras do Egito que na medida em que as filhas de Israel parissem, eliminassem seus rebentos. Porém elas não o fizeram, alegando que aquelas mulheres pobres, quando chegava o momento de parir se agachavam e tinham seus filhos sozinhas. Quando elas chegavam já era tarde.
Esta história nos traz dois pontos a considerar:
O primeiro nos fala de como é que se faz para parir melhor. Agachadas as mulheres têm seus filhos com mais facilidade. Mas também nos diz que pode ser que aquelas heróicas parteiras (como são heróicas todas as parteiras de verdade), coligadas com a vida e não com o crime, desobedeceram ao cruel senhor. As parteiras são e sempre foram uma luz para quem dá a luz.

Há muito tempo fui convidado pelo pessoal da Comunidade Taizé em Alagoinhas a participar de um encontro de parteiras. Foi uma experiência tremendamente gratificante para mim, à época ainda jovem (isso mostra que foi há realmente muito tempo). Tínhamos outros profissionais da saúde no encontro e as parteiras estavam um pouco inibidas. Quando chegou minha hora de falar, contei que ali mesmo em Alagoinhas, inda estudante, e trabalhando na maternidade, havia pedido à enfermeira que levasse uma parturiente para a sala de parto. A enfermeira deixou-a por uns instantes para atender a alguns afazeres e demorei-me a chegar na sala porque no caminho tive que matar uma barata e uma gigantesca aranha caranguejeira (foi em outra época, tenho esperança que aquela maternidade esteja muito melhor). Quando cheguei na sala, a mulher estava sobre a mesa de parto, porém de cócoras. Na minha absurda ignorância repreendi-a e fiz com que se deitasse para parir. Ela, até aquele momento, sempre parira em casa, acompanhada por parteiras (que também já haviam parido e sabiam a melhor posição); ademais era lavadeira, destas que ficam acocoradas na beira do rio. Quando mais tarde tomei conhecimento do trabalho de Moisés Pacyornik, Michel Odent, Fredéric Leboyer, entre outros, e mudei radicalmente minha visão de parto, foi que percebi como a ignorância pode se revestir de conhecimento e poder. Quando contei esta história e falei que fazia parto em casa e de cócoras, elas se entusiasmaram e deitaram língua para comentar suas experiências. Aí nós, aqueles que aprenderam nas faculdades, aprendemos também.

Sim, na faculdade nós aprendemos a pensar cientificamente, o que levou a um progresso na medicina realmente extraordinário, mas muitas vezes, ou quase sempre, nos esquecemos que o pensamento científico centra-se no fato de que ignoramos. A palavra ‘científico’, como assinala Karl Popper (in Conjecturas e Refutações), tem sido confundida erroneamente com ‘verdadeiro’. Este epistemólogo nos diz que uma coisa pode ser científica e falsa (ou verdadeira) e pode ser não científica e verdadeira (ou falsa). Mas nós, uma vez que rotulamos como científico, uma vez que entendemos que uma determinada premissa atende aos rituais analíticos deve ser vista como verdade. E nem notamos que após novos estudos aquela verdade deve ser revista. Poucos são honestos e responsáveis como o Dr. Caldeiro y Barcia, notável obstetra uruguaio que descobriu a vantagem da amniotomia no aceleramento do trabalho de parto, divulgou seus resultados (no que foi celebrado), mas que depois anunciou que embora acelere o parto, a amniotomia aumenta a possibilidade de sofrimento fetal. Este obstetra sabe que ciência é uma construção perene, nunca um edifício acabado. Por isso, nós, aqueles que freqüentamos a universidade devemos escutar às parteiras e suas inúmeras experiências com o mesmo sentido e cuidado com que elas nos escutam (pois tenho visto elas nos escutarem atentas).
As parteiras tradicionais navegam na perenidade de sua experiência. Elas têm sobre os obstetras (principalmente os machos) a grande vantagem de que, regra geral, já pariram. Por outro lado, sua formação é muito íntima. Vivem com suas mestras, labutam com elas diuturnamente em sua tarefa. Quase sempre uma parteira tradicional foi chamada a labutar nesta seara, por necessidade da comunidade somada a ter alguma relação com uma outra parteira, que pode ter sido sua mãe, tia ou avó. É uma formação continuada com a passagem da informação boca/ouvido e observação dos atos no momento mesmo de sua execução. Uma iniciação.

Tais conhecimentos tradicionais são obviamente passíveis de melhoria. O pensamento científico pode contribuir significativamente na melhoria do trabalho das parteiras e, na via inversa, nós, médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, devemos aprender de suas vivências. Mas entendam, não apenas aquilo que represente técnica adotável em uma linha de pensamento racionalista. Isso é importante, mas há algo mais: Há uma maneira de associar os fenômenos, de entender as coisas. Foucault comenta algo assim (in Microfísica do Poder), que temos em nosso mundo duas maneiras de buscar a verdade, uma, aquela cartesiana que vai cercando a realidade através exaustivos experimentos, e outra com distinta conformação ritual, que tocaia a verdade pela intuição e acessa a ela por meio da identificação. Não entende o objeto de estudo como a parte e sim como sendo o observador e observado algo único. A sociedade humana evoluiu muito quando resolveu estudar o objeto como algo à parte, mas hoje percebemos que o método merece ser apoiado por outro onde sujeito e objeto se imiscuem. As parteiras são um bom exemplo disso. E podem nos ajudar nisso. Até porque conquanto possam ser vistas como objetos de estudos, a parturiente não tem nada de objeto, elas são sujeito do processo.

Recebam um abraço recém nascido de Aureo Augusto

sábado, 26 de novembro de 2011

DOENÇAS SEXUAIS E O VALE

A DIRES (Diretoria Regional de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado) chamou médicos e enfermeiros para um curso sobre DST que me deixou perplexo. Feliz porque a pessoa que o conduziu, o Dr. Roberto Fontes, se mostrou possuídos pelo significado da proposta e nos envolveu com o sentido de urgência que o tema inspira. Sempre me causa grande admiração encontrar pessoas que sabem um bocado de coisas e o Dr. Roberto sabe muita coisa de modo que sua presença ali na frente era como se fosse uma fonte como a que tem na subida dos Gerais do Vieira e que encontramos justamente no final da ladeira quando a sede é mais forte. Aprendi a rodo. Mas o Dr. Roberto, além de dispositivos técnicos essenciais para melhorar a qualidade do nosso trabalho, trouxe muito material do campo das essencialidades que já estão aderindo, ou melhor, sendo absorvidos, incorporados, ao meu proceder.

Ali também tive a oportunidade de encontrar alguns queridos amigos e amigas que tenho encontrado nos Encontros de Profissionais de ESF que a equipe da USF-Vale do Capão e seus parceiros promove no vale, dentre eles Gleiton, que foi enfermeiro por aqui e o Dr. Danilo que é um jovem médico, mas que já é um exemplo e que será grande, não necessariamente daquela grandeza que o torne presidente de alguma sociedade médica. Ele, claro, pode sê-lo, pois não lhe falta competência, mas há outra grandeza, a meu ver mais significativa, que é silenciosa. Aquela que leva o profissional a fazer bem feito naquilo que deve fazer. Uma coisa do dia-a-dia, que é o maior heroísmo de todos. É muito fácil aparecer, inda mais nesses dias narcísicos em que vivemos. O difícil é tornar o dia-a-dia repleto de significados que por si só alimentem a alma, sem mistificações desprovidas de valor real. Tomei o médico como exemplo, mas ali naquela sala outros mestres meus (alguns tão jovens) estavam ali me ensinando.

Outrossim, dentre as muitas e positivas instabilidades que o curso trouxe, houve uma que muito me tocou que foi a informação de que a sífilis está voltando a galope e que em Salvador ela está se tornando comum. Lembrei-me tocado pela emoção que, quando ainda estudante e muito jovem, adentrei pela primeira vez a neonatologia da Maternidade Tsylla Balbino, ali encontrei, para meu susto e pasmo, um berço onde estava escrito em pincel atômico azul no verso de um papel de prontuário: “aguardando o óbito”. A chocante e naquele ambiente pouco advertida frase me fez aproximar-se do bebê que ali falecia. Tentei afaga-lo, mas ao toca-lo este emitiu um grito de dor e a auxiliar de enfermagem me alertou que qualquer movimento lhe era doloroso. A cena perturbou-me sobremaneira e nunca a esqueci. Naquele tempo contatei apenas dois casos de sífilis. Depois nunca mais encontrei outros casos da doença. Quando vim par ao Capão, este lugar por ser muito isolado estava resguardado de muitas coisas. Havia aqui um senhor que padecia de estenose uretral, decorrente muito provavelmente de gonorreia inadequadamente tratada, adquirida em São Paulo, mas o fato é que não vi doenças venéreas ou se vi, não adverti. O vale era protegido pelo silêncio que dele havia no mundo.

Quando por aqui algum marido traía sua mulher ou vice-versa (que aconteceu sim, porém com menos comentários, pois o proceder das mulheres sempre foi mais vigiado e por isso elas vigilavam melhor os cuidados) era com algum vizinho que desconhecia o contato sexual com fontes de doenças venéreas de modo que em todos estes anos vivendo por aqui todavia não encontrei nenhum exame positivo para sífilis.

Mas agora, a coisa pode mudar, pois milhares de soteropolitanos dos mais variados tipos, bem como exemplares às vezes bastante esdrúxulos de turistas aqui aportam. Dentre estes existem alguns que são decididamente autodestrutivos. E destes, a maioria, não deseja apenas destruir-se, quer levar consigo uma fração da humanidade e seu comportamento com o próprio corpo é de grande desleixo e desprezo e tal conduta é isomórfica àquela que mantém com as demais pessoas. Por isso, ontem, na reunião da equipe da nossa unidade de saúde, este foi o tema. E estamos mobilizados para começar a fazer algo para alertar, principalmente aos jovens, quanto à necessidade de cuidados redobrados na prazerosa área de sexualidade.

Voltarei a este tema, pois creio que vale conversar um pouco sobre cuidados relacionados às enfermidades sexualmente transmitidas.
Recebam um abraço cuidadoso de Aureo Augusto em 26/11/11.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

MEDICALIZAÇÃO

Há algum tempo, ao visitar minha mãe, encontrei-a padecendo de forte inflamação em todo o aparelho digestivo. Após muitas perguntas descobri que uma neurologista lhe havia receitado um novo remédio e fui ler a bula. Ali dizia que não havia sido suficientemente testado. Ora, se não foi suficientemente testado, por que usar? Qual a justificativa usada para liberar uma medicação se ela não foi suficientemente avaliada quanto a seus efeitos sobre o ser humano a que se destina? Segundo tenho conhecimento através da literatura do Conselho Federal de Medicina, terapêuticas como auto-hemoterapia e florais de Bach merecem impedimento do referido conselho porque os argumentos usados para seu uso não atendem aos parâmetros científicos. No entanto eu, particularmente, tenho observado resultados impressionantes com os florais de Bach (nunca experimentei outros tipos de florais que têm aparecido). Claro, para que possa ser aceito como cientificamente aplicável há que ter um grande número de casos registrados, comparados com outros casos em que se tenha oferecido placebo etc. Entendo e considero muito correta a preocupação do Conselho de Medicina com variadas práticas que não são científicas. A forma como o ilustre Dr. Edward Bach descobriu seus florais foi intuitiva e não o fruto de uma pesquisa científica. Embora tenha estudado os resultados por 10 anos antes de divulgar seu sistema, falta uma sistemática de pesquisa que atenda aos atuais requisitos de cientificidade. O que não significa que não funcionam. Algo pode não atender ao critério científico e, no entanto ser verdadeiro. Aquele que só segue o critério científico padecerá sempre de uma incompletude. A verdade não é científica, ou, dito melhor, a verdade não é apenas científica. Portanto um médico, a rigor, não trabalha apenas pelo que aprendeu na leitura das revistas científicas. Ele tateia entre a realidade chã e a abstração lógica.
Porém a medicação feita em laboratório deverá ser testada exaustivamente porque não se trata de produto intuitivo e sim de produto racional de uso. Os critérios de utilização devem ser racionais. Por isso, um remédio que não foi suficientemente testado (inda mais quando o laboratório o reconhece) e não sendo ela de caráter urgente não deveria ser liberada. Aliás, voltando ao caso de minha mãe, avaliando a queixa dela e a medicação não entendi o porquê daquela indicação. A distância entre a senescência (ou envelhecimento normal) e a senectude (envelhecimento patológico) é curta e por isso a idade pode trazer achaques, e é muito fácil medicalizar a vida da pessoa idosa, até porque os idosos tendem a demorar-se no falar e tem gente para atender lá fora, ou seja, o médico pode ter que correr porque há que ganhar dinheiro para manter o consultório luxuoso e o padrão de vida. Será que foi por isso que a médica receitou uma medicação sem propósito claro? E, independente disso, por que receitar uma medicação para uma pessoa idosa (à época minha mãe tinha 89 anos), e, consequentemente, relativamente frágil, que não se conhece com claridade os efeitos colaterais? Bastou suspender a inútil medicação para que os sintomas desaparecessem.
Ora, se uma profissional médica especializada comete tal erro (apoiado pelas instituições que cometeram o erro de liberar medicação não suficientemente testada), imagine a população em geral quando pratica a automedicação? Preocupa-me o quadro disseminado de medicalização da vida (a expressão é de Ivan Ilich) que testemunho não apenas entre colegas médicos, mas pelas pessoas em geral. Encontro com aterradora frequência as pessoas acreditando que para tudo há uma medicação. Não há paciência para nenhum tipo de sofrimento seja psíquico ou físico. Medica-se para grandes tristezas ou pequenas dores de cabeça, picadas superficiais de insetos ou arranhaduras nos jogos. Medicaliza-se os efeitos da medicalização e esquecemos que somos mais do que química. Vemos as medicações como algo natural, normal, desejável, cujos efeitos colaterais fazem parte da vida natural. Assustador!
Recebam um abraço desmedicalizado de Aureo Augusto.
HÁ VÁRIOS DIAS ESTOU TENTANDO COLOCAR ESTE TEXTO EM MEU BLOG, MAS QUANDO PEDIA PRA IR AO PAINEL DE CONTROLE PARA FAZER A NOVA POSTAGEM APARECIA UM BLOG DE OUTRA PESSOA. FOI UMA ONDA, MAS FINALMENTE MEU SOBRINHO THIAGO DESCOBRIU A SOLUÇÃO. QUE SITUAÇÃO!!!

sábado, 5 de novembro de 2011

ACONTECIMENTOS no VALE DO CAPÃO

Há alguns dias quero escrever este texto, porém o Vale do Capão, conquanto seja um lugar interiorano de um lugar interiorano (já que é zona rural de uma pequena cidade, Palmeiras), tem muita atividade e muito trabalho. Minha vida não é como em uma cidade grande, mas às vezes (e muitas vezes) fica bem cheia de tarefas, impedindo-me de, por exemplo, escrever. Hoje quero comentar sobre como acontecem muitas coisas no Vale. Temos aqui dois grupos de capoeira bem ativos, coral, escola de circo, cinema, biblioteca pública (comunitária), escola de música, entre outras coisas. Além disso, periodicamente temos eventos que fazem com que a vida por aqui não tenha nada de rotineiro.

Recentemente tivemos entre nós a ImageMágica. Trata-se de uma ONG de São Paulo que realiza belíssimos trabalhos de pesquisa e publicações sobre temas que interessam à qualidade de vida, como Home Care, acesso à saúde no Brasil e outros. Também têm um projeto onde ensinam as pessoas a fazer fotografias usando latas como câmeras. É simplesmente sensacional! Os estudantes da escola pública local foram beneficiados com o projeto, que é muito mais do que fotografar com lata (e se fosse só isso já seria incrível), é ademais, reaprender a ver o próprio mundo e lugar habitat da gente humana. Vi os estudantes brilharem os olhos e encherem-se de orgulho com suas produções. Vi pessoas lidando com a luz que vem do sol e que sai dos corações. Maravilha é uma palavra pequena.

Há poucos dias a Unidade de Saúde da Família na qual trabalho promoveu, com a parceria da SESAB, 27ª DIRES, EFTS, DAB, DGC, SUPERH, ATSI, o IV ENCONTRO DE ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO VALE DO CAPÃO. Durante 3 dias conversamos sobre assuntos que tratavam de nosso trabalho e onde aprendemos muito, para o bem daqueles que moram em nossa área de abrangência (povoados do Vale do Capão, Conceição dos Gatos, Rio Grande e Lavrinha). Participam profissionais de odontologia, medicina, enfermagem e agentes comunitários de saúde. Vejam os temas tratados e os palestrantes:
QUESTÕES DE GÊNERO, DESAFIOS PARA A SAÚDE por Heloniza O. B. Costa, Diretora da Faculdade de Enfermagem/UFBa, profa do Departamento de Enfermagem Comunitária e integrante do grupo de pesquisa sobre gestão em Saúde - Grupo GERIR e Jeane Freitas de Oliveira, professora da escola de Enfermagem da UFBA, integrante do Grupo de Pesquisa Sexualidades, Vulnerabilidades e Gênero.
O HOMEM, A MULHER e o IDOSO, NA POLÍTICA DE ATENÇÃO BÁSICA.
Convidados: Sônia Ribeira (SESAB/Saúde do Homem), Solange Souza (SESAB/Saúde da Mulher), Selma F. Ribeiro (SESAB/Saúde do Idoso).
IMPLEMENTAÇÃO DA CADERNETA DE SAÚDE DO IDOSO, Selma F. Ribeiro, gerontóloga, SESAB (DGC/CCVG/ATSI)
A ESB NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA. Do “puxadinho” à atuação integrada por Rebeca Barros (SESAB/SAIS/DAB).
MANIFESTAÇÕES DERMATOLÓGICAS DE DOENÇAS SISTÊMICAS E LESÕES BÁSICAS EM DERMATOLOGIA GERAL, com a Dra. Shirlei Moreira.
UTILIZANDO A EPIDEMIOLOGIA NA ATENÇÃO À SAÚDE BUCAL – Silvia Cardoso (SESAB/SAIS/DAB).
O LABORATÓRIO CLÍNICO NA NOSSA ROTINA DIÁRIA por Dr. Sérgio Carneiro.
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM EQUIPE PARA A QUALIFICAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA. Elânia Sant’ana, enfermeira, especialista em Gestão da Atenção Básica e Educação Profissional (EFTS).
UM PROJETO DA USF-VALE DO CAPÃO por Aureo Augusto (SMS Palmeiras)
DST NA GRAVIDEZ por Dr. William Lima (SMS Seabra).
PARTO EM CASA – PROBLEMA OU SOLUÇÃO? Mary Galvão (UNEB), Maristela Sens (USF-Sede Palmeiras), Natália Souza (USF-Vale do Capão – Palmeiras).
Agora, nossa equipe está mobilizada para incluir em nosso trabalho tudo o que aprendemos.

Em breve, nos dias 8,9 e 10 de dezembro teremos o I Encontro Internacional sobre a Solidão. Vejam os temas e respectivos focalizadores:
Da Solidão à Solitude – Marcelo Domingues.
O Silêncio como Campo do Saber (trilha com 3 monitores)
Solidão, Monólogo ou Diálogo – Ana Liése.
Da Solidão à Qualidade de Vida Espiritual – Isis Resende.
Solidão – Uma Impossibilidade Frequente – Aureo Augusto.
DesintegrArte, Caminho à Essência – Antuá e Gonçalo Mernes.
Descobrindo a Si através da Dança (oficina) – Maurício e Gonçalo.
A “Solidão” como Causa de Doenças – Cristian Aguado/Ricardo/João Senna.
Solidão e Sofrimento, causas e erradicações de acordo com a Psicologia Budista – Sérgio Senna.
Ritual do Fogo Sagrado na Lua Cheia – Karen e Antuá, Rubem Calisaya (evento musical).
Curtindo Si através do Origami e Mandalas (oficina) – Jane Helena Zambon e Miwa Maêda.
Da Solidão às Instâncias do Ser – Antonio Avena.
Como vêm a coisa será muito boa. Contatos: www.catarse.com.br

Sabem de uma coisa? Às vezes sou surpreendido com algo que está acontecendo e eu não sabia.
Recebam um abraço de Aureo Augusto.

domingo, 2 de outubro de 2011

O PARTO DE TERINHA

Foi logo depois do aniversário de Laura, que é uma menina impressionantemente sabida, filha de Cátia e Nininho aqui do Vale. A criança fez questão que eu fosse ao seu aniversário coisa que me deu orgulho e prazer. Na ida e na volta partilhei o prazer de dar carona a Dinha e a Terinha. Depois da festa, voltando pra casa, conversa vai conversa vem, elas me contaram um dos partos de Terinha.

D. Antônia estava adoentada e mandou Maria, sua filha para o parto. Maria não nega a tradição familiar de boas parteiras e procurou cuidar de Terinha como pôde, porém o parto se arrastou, demorou e então a parteira teve que lançar mão daquilo que conhecia para permitir que o processo chegasse a bom termo. O procedimento de passar azeite na vagina da mulher é bem conhecido e já tradicional, mas Dinha, que como toda a gente do Capão tem o dom de tornar as coisas engraçadas quando contadas, lembrou que acabou que Terinha ficou toda lambuzada de óleo, de modo que quando alguém ia sustenta-la para facilitar-lhe o trabalho, ela escorregava. Assim Dinha tentou muitas vezes, em vão, segurar Terinha para mantê-la agachada e assim facilitar a saída da criança. E Dinha me mostrava no carro como fazia e como não dava certo e Terinha, entre gargalhadas, ia confirmando e demonstrando também. Logo depois a parteira pediu a uma outra mulher presente que metesse o dedo na garganta de Terinha para que ela vomitasse, segundo ela forma infalível de expulsar a criança. Vai daí que Terinha tinha nojo da mulher, que para ela não era muito higiênica, e quando viu “aquelas unhas pretas entrando em minha boca” foi aí que o nojo bateu mesmo e ela vomitou de verdade, e então Dinha a parturiente se pendurasse em seu pescoço até que o cabrito pulou fora do cercado. Eu ri tanto que o carro interrompeu e fiquei alguns minutos só gargalhando, junto com minhas amigas.

O interessante é que o vômito pode vir a ajudar mesmo, na medida em que as contrações do diafragma aumentam a pressão intra-abdominal complementando a força das contrações, porém, exaure a mulher, sendo, portanto, melhor não usar este meio. Aliás, aqui no Vale antigamente, quando a coisa demorava um pouco se botava os mais variados temperos na vagina, em alguns casos até pimenta. Com isso o útero se contraía furiosamente. Em realidade a estimulação da parede posterior da vagina desencadeia contrações uterinas. Então o tempero, além de aumentar o apetite de quantos participem da coisa, pode contribuir com o parto, mas, por outro lado há que tomar cuidado porque o excesso (a pimenta por exemplo) de estímulo pode provocar edema de vagina o que prejudica o parto.
As práticas populares de saúde muitas vezes têm base fisiológica real, porque são fruto da observação. Uma vez, em conversa com a filha de W. Reich, Eva, obstetra que certa feita visitou a Bahia e quis conhecer parteiros daqui, ela me comentou que havia estudado e verificado o efeito positivo do uso de laxantes fortes para desencadear trabalho de parto nos casos em que a criança estava passando da época (gravidez serotínia). Ela confirmou a tradição de usar purgantes, como o óleo Jonas. Seu uso dá forte diarreia na mulher que logo depois entra em trabalho de parto, provavelmente porque os intensos movimentos dos intestinos acabam por estimular o útero.

Mas o melhor mesmo dessa gente boa do Vale do Capão, não é nem o que aprendemos com eles, e sim as gargalhadas que damos!
Em 2/10/11, recebam no nascedouro um abraço de Aureo Augusto.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

UMA HISTÓRIA DA ÉPOCA DA SECA

Vento que agita esta manhã fria. Peço-te que leve de mim os cuidados dos dias para que possa narrar uma coisa que me contaram aqui neste Vale do Capão e que será bom que todos escutem, pois é uma história que diz de uma verdade. O dia agora começa assumindo o trono da madrugada, levando discrição às coisas; mas em pouco morrerá aos pés da noite tal como as ondas que falecem ao beijar a praia. Tal como estas águas do rio sem nome que banha o vale: Perder-se-ão ao encontrar o mar, lá bem longe, onde o Paraguaçu deságua em ampla baía. Tal se passe com minhas inquietações, que tenho algo a relatar.
O vento acena-me com garoa fresca. Boa água. Bem melhor a chuva que o estio. A poeira esfola o corpo e a seca fere a alma, porque traz aquele medo que centenariamente ameaça esta gente sertaneja. Como naqueles idos de mil novecentos e trinta. Os mundos lá fora da Bahia do Brasil sofriam com as agruras da economia, gente morria de fome e desemprego. Aqui, nem ninguém sabia de nada dessas coisas de quebra de bolsa. Aqui o mortal nascia sob o nome dos coronéis e assim vivia antes de açambarcar seus sete palmos de terra. Só isso. Mas todos sofriam porque a seca batia forte e seco no chão gretado e dorido. O vale tem o dom do verde. Até hoje, mesmo quando a chuva some, a mata se mantém embora o chão se cubra das folhas secas como se acontecessem outonos. Por isso, embora o povo alçasse ao céu os olhos procurando as chuvas, esperando que as nuvens que foram ao norte beber água voltassem pejadas e parissem trovoadas (que não chegavam), pelos menos o chão mantinha alguma umidade alimentada pela névoa da serra e, dessa maneira, a comida era garantida.
Foi por isso que a gente do agreste, dos campos entre o recôncavo dos rios da baía de Todos os Santos e a subida da Chapada acorreu a estes lugares pedir caridade de comida. Pelo menos a raspa que ficava da produção de farinha. E o povo bom deste pedaço de mato dentro do seu possível partia o que tinha pra somar vida pros demais. Conta-se daquela época de tanta dor e tanta bondade que lá no Pati, outro vale muito perto (e mais úmido) daqui uma mulher chegou com os filhos e chorou por um pouco de farinha. Ali perto de onde agora mora Seu Delsom havia um sujeito com sua casa de farinha. A mulher lhe pediu um pouco e ele de gozação encheu um pequeno saco de pano com uns dois quilos de areia, como se fosse a farinha pedida. Entregou-o à mulher que ao ver aquela quantidade do alimento umedeceu os olhos em oferta de gratidão. Sorriu o homem, mas não como parecia, pelo prazer do bem. Afastou-se a mulher com seus pequenos feliz por encontrar um algo para comer. E comeu. Pois por alguma arte do mundo a areia virou farinha da boa e os meninos com a mãe se fartaram. O homem esperou que voltasse a mulher a queixar-se, só pra rir um tanto de sua cara e gozar da própria crueldade. Divisava-a acolá no meio do mato e aos meninos que pareciam felizes. Deu de ombros pensando que esse povo esfomeado do sertão podia até mesmo comer areia sem dar-se conta. Entrou e qual não foi sua surpresa ao descobrir que sua preciosa farinha fruto do tanto trabalho que tivera, toda ela sem grão faltar tinha virado areia fina e branca, bonita, mas areia.
Pode ser que o leitor ache que não pode ser verdade esta história, mas posso dizer que quem me contou não é dado a falar fantasias e houve quem confirmasse de pronto e com renovada certeza. Vai daí que se não ponho a mão no fogo, tampouco tiro e conto, e o que você vai fazer com isso é coisa sua e não minha, que a minha é só dar-me ao tino de contar.
Em 27/9/11 recebam um abraço de Aureo Augusto.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

KENNEDY SE FOI

Seu nome completo: Kennedy Tavares de Almeida. Penso que o exemplo de Sunna, minha filha, será um bom testemunho do que Kennedy representa: Conversávamos sobre a morte do meu amigo e ela me disse que o havia encontrado pouco na vida, algumas vezes e, principalmente quando, todavia era criança. No entanto sentia Kennedy como uma pessoa muito próxima, como uma pessoa da família, íntima. Manifestou então aquela espécie de sofrimento que temos quando descobrimos que nunca mais poderemos encontrar um ser particular e particularmente especial. Kennedy agora passou para o domínio dos sonhos, para o espaço do eterno, embora em nossos corações continue habitando da mesma forma que antes.
Uma vez consultando um colega médico, dei risada de um determinado sintoma que eu apresentava. Então ele me disse que enquanto eu risse de mim eu tinha cura. Kennedy foi um dos meus mestres nesta capacidade de rir de si e do próprio sofrimento. Homem dotado de integridade, não podia senão sofrer em um mundo desintegrado e muito sofreu, mas, paradoxalmente, era uma luz de alegria. Foi o Roberto Cunha quem me deu o aviso, com a voz embargada. Eu estava no meio de uma plenária da VIII Conferência Estadual da Bahia e no meio daquela confusão de vozes, votos e opiniões, lágrimas brincaram em meu rosto. No meio daquela vibração de decisões, algumas inadiáveis, mais uma vez o meu amigo veio honrar a minha existência com aquele seu jeito, sua voz aveludada, suas expressões faciais acompanhando cada palavra, dando-lhes ênfase, sublinhando verdades.
Quero contar uma coisa linda que se passou com ele. Teve um neto e por diversas razões foi levado a estar cuidando deste neto por largo tempo. A criança tinha-o como a referência mater, e chamava-o de pai. Um dia Kennedy (que ficava muito incomodado com ser chamado de pai pelo neto), sentou-se com o pequeno e fez-lhe uma longa preleção explicando que não era seu pai e sim seu avô, detalhando cuidadosamente (como bom advogado) o que é ser pai e o que é ser avô. E falou, falou, falou. A criança olhava-o com atenção focalizada e nem piscava. Ao final, satisfeito, Kennedy olhou para ele com aqueles olhos feitos de bondade e, certo de que sua arenga havia atingido o objetivo desejado, perguntou:
- Você entendeu?
Ao que a criança, plena de entendimento, respondeu:
- Sim papai.
Eu ri tanto disso, e ainda rio. Pena que vocês não testemunharam a cena, pena que não viram o rosto de Kennedy em cada uma destas etapas.
Amo Kennedy e não sou o único. Creio que tantos quantos lhe cruzaram o caminho morderam a isca da sua simpatia. Foi-se o meu amigo e seguramente repousa em plagas distantes. Ali, deve haver uma área gramada e uma horta, talvez umas búfalas vagando, pessoas conversando sobre as questões imprescindíveis às quais frequentemente deixamos de dar atenção, como a cor do céu, o ar doce aromatizado pelas flores, a mentalidade dos políticos amorfos, a textura do chão, o arfar suave do mar, as soluções inadiáveis para significar o mundo... Sei lá. Nunca há pouco o que falar com Kennedy, jamais esgotar-se-ão os seus assuntos. Roberto Cunha, Cybele e eu, Sunna, os seus filhos que ele amava desarvoradamente, a turma que fez parte dos velhos tempos de Lothlorien, os contatados durante o tempo em que foi o cuidador da revista Vivências, tanta gente. Aqui ficamos nós saboreando um silêncio impertinente.
Um abraço para todos, e um complemento: aqueles que não o conheceram saibam que perderam oportunidade áurea. Porém, o saber que gente assim esteve aqui, é lenitivo para os medos e as dores. Aureo Augusto.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

BANANAS e EXCESSO!

Quando pequei o cacho de bananas, Dalva gritou lá da porta:
- Olha como ele pega, não sabe nem pegar um cacho de banana madura, vai amassar tudo!
E foi o que aconteceu... Ao chegar em casa tinha feito um estrago. Banana da Prata, minha preferida. Deliciosa. Pensei comigo que estavam apenas amassadas, não podres, ou seja, ainda dava para aproveitar. O problema é que uma vez machucadas ficam mais frágeis, estragam mais rapidamente; não demoraria muito e as perderia. Daí resolvi come-las e por isso fiquei empapuçado de tanto comer banana. Devo registrar que fui ajudado pelos sagüis da vizinhança, embora a parte deles tenha sido bem menor do que a minha.

Banana é a fruta mais consumida no mundo. Também pudera! É muito gostosa. Gosto muito de banana e penso que não é a toa que seu nome científico seja Musa paradisíaca. Também se conhece cientificamente por Musa sapientium. Sábio quem gosta desta filha do paraíso! Rica em vitaminas A, B1, B2, C, minerais como cálcio, fósforo, ferro, potássio, é também rica em fibras dietéticas (celulose, hemi-celulose, lignina) que tanto ajudam o nosso aparelho digestivo. Ademais tem um efeito antidepressivo porque, sendo rica em triptófano, aumenta o teor de serotonina em nosso corpo.

Como se tudo isso não bastasse vem acondicionada em uma embalagem perfeita, que entre outras coisas, protege quem as consome. É que no ambiente quente dos trópicos (onde as bananeiras gostam de viver) é fácil o desenvolvimento de germens patogênicos, mas a casca da banana deixa-a livre de contaminação. Uma vez eu ri muito de uma mulher um tanto fanática por limpeza que obrigava o filho a lavar a banana depois de descascada. Ela não sabia que o máximo que conseguiria fazendo isso era sujar a fruta, pois a banana é a mais limpa de todas as frutas.

Gosto de banana, dizia, mas devo reconhecer que não é bom se empapuçar, nem de banana. Até os micos me dizem isso! Meu problema é que sou guloso. Sou magro de ruim, como se diz por aí. Quanto à qualidade daquilo que como, não há problema, “a porca torce o rabo” é na quantidade.
Certa feita perguntaram ao filósofo Berthrand Russel como ele havia conseguido viver tanto e com saúde. Ele respondeu que fora criado por uma tia muito cruel, que nunca permitira que ele se levantasse da mesa plenamente satisfeito, ou seja, com o estômago cheio. E, realmente, vários estudos reforçam a tese. Não, tias cruéis não nos aumentam a vida. O que realmente contribui para a longevidade e o bem estar é comer pouco, sem, obviamente privar-se do necessário. O nosso corpo, uma vez que recebe o que precisa em termos de calorias e nutrientes, nada mais necessita, se nos atemos à coisa meramente física. O demais é gula, sofreguidão, satisfação da ansiedade. Coisa gostosa, quiçá, mas que mesmo assim sendo, obriga ao organismo a criar destino para o excesso, investindo nisso energia, metabolismo e espaço. Segundo alguns estudos, se comêssemos pouco viveríamos 150 anos (reitero que comer pouco não é passar fome – nada de bulimia).
Difícil, reconheço, é deixar de lado a gula, com tanta coisa bonita e gostosa povoando hortas e pomares por este Vale do Capão de meu Deus!
Recebam um abraço embananado de Aureo Augusto.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

AQUILES, GLAMOUR, VELHICE e PAZ

Escrevi a poesia que se segue no dia 11/7/04. Há um bom tempo, portanto. Inspirei-me em algumas pessoas de vida muito intensa, como Joplin, Hemingwai e Cazuza. A epítome deste tipo é Aquiles e por isso coloquei-o no título: AQUILES E A VELHICE

Você não precisa morrer
Para se sentir vivo;
Para viver e sentir-se ser
Não precisa desgastar-se
Nem se drogar até a morte
Ou morrer de má sorte
Matar pra se sentir forte
Deixar de trabalhar
Nem se exaurir no labutar
Amealhar uma fortuna
Poupar forças ou desperdiçar.

Você não é mais vivo porque famoso
Menos insignificante porque reconhecido
Visto que é verdade que a glória
Por obras conseguidas, rosto formoso
Ou palavras sábias nada eterniza, nem o nome.

Porque o tempo passa e o pó
Termina por cobrir a toda fama, toda a forma
Sob a enxurrada dos anos tudo some;
Portanto, melhor olhar-se no espelho
Caminhar na rua como se fosse
Nada mais que mulher ou homem
Gente enfim, coisa que é e somos
Tal qual pedra, árvore ou estrela
Já que tudo passa e do existir
Apenas o presente fica
Neste processo eterno de sempre ir.

Daí que ninguém precisa morrer
Para saber que está por aqui
Nem se exaurir com o velho intuito
De marcar uma diva presença
Como se fosse possível nem esquecer
Nem deixar de ser
Um passageiro fortuito.
Reza a lenda que lhe foi concedido decidir se viveria uma vida longa e respeitável por sóbria, sem ascender aos altos píncaros da glória ou se preferia viver gloriosamente, destacando-se como guerreiro por um curto período, ter a vida festejada, por glamurosa. O belicoso Aquiles quis a segunda opção. Notabilizou-se nas praias de Ílion, onde também morreu com a famosa flecha no tendão. Para os gregos era muito importante a lembrança dos que ficam. Uma pessoa que não foi pranteada pelos amigos e parentes poderia ficar vagando dolorosamente (e às vezes vingando-se). O esquecimento era também uma morte. Aliás, é. O rio que circundava os infernos chamava-se Estige, nome que significa esquecimento. Na verdade, quando uma coisa ou fato é esquecido é como se tivesse deixado de existir ou como se nunca houvesse existido. Talvez por isso entre os gregos era importante a glória. Apenas entre eles? Acho isso uma coisa engraçada porque não vejo muito em que alguém possa se beneficiar depois de defunto porque lhe erigem uma estátua no meio de uma praça. Eu, particularmente, gosto de ver estátuas nas ruas e praças comemorando pessoas que contribuíram para o melhor em nossa sociedade. Mas não porque isso vá melhorar algo para o homenageado e sim para lembrar aos vivos daquele exemplo. Aquela pessoa foi um poeta e tanto, ou alguém dedicado aos pobres, então podemos tê-los como exemplo, guia, farol. Pelos vivos. As cinzas de Aquiles há muito se perderam e ele não ressuscita cada vez que a Ilíada é lida.
Entendo que viver a vida neste limbo marasmático que pode ser o cotidiano, tendo como única emoção o dominó com amigos no final de semana, tampouco é saudável. Uma coisa é subsistir, outra é viver. Ir e voltar ao trabalho, cerveja rigorosamente no fim de semana, prestações e salários. Isto é subsistência. Coisa semelhante fazem as plantas ou os animais (e esta frase merece ser questionada, pois será que plantas e animais são tão passivos assim?). Ir ao trabalho e ali encontrar significado no que faz, atendendo a propósitos definidos no todo ou em parte por si, voltar feliz com mais um dia onde fez o que quer e gosta (ainda que em muitos momentos tenha feito o que não quer e não gosta), chegar em casa, feliz por estar em seu lugar (só ou acompanhado), desfrutar do fato de estar vivo; avaliar as obrigações financeiras ou outras que assumiu após deliberação interna e pensar no futuro e em suas possibilidades. Isso é viver.
Aquiles queria ter sensações novas, sentir o frêmito da emoção. Mas a adrenalina vicia. E gera tolerância, i. é, o usuário necessita cada vez mais de doses maiores. O pessoal que gosta de esportes radicais sabe disso. Querem cada vez mais perigo para sentir aquela sensação orgástica/orgiástica. Mas isso não é viver. Viver sob o rigor do vício é uma subsistência. Há o aplauso, sim, e isso é agradável, mas os aplausos não conseguem compensar o tremendo desgaste físico, e é por isso que, com freqüência, vivem pouco. K. Cooper notou que superatletas têm mais câncer do que a população geral, porque o excesso de exercício libera radicais livres em profusão. O sistema imunológico decai e o sofrimento pode ser grande.
Viver intensamente é necessário, imprescindível. Para tanto devemos colocar cuidadosa atenção em tudo o que fazemos, atenção plena. Porém atenção não tem nada a ver com tensão. A-tensão. Não tensão. Estar atento não é estar alerta na acepção belicosa do termo. É manter-se pleno presente no lugar e momento em que se está. Fácil assim. Coisa nenhuma de fácil; mas quando rola é muito legal. A busca da glória é uma fuga, o empreendimento da atenção é um encontro.
Recebam um abraço com atenção de Aureo Augusto.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

LIÇÕES ao VOLANTE

Zé Alfredo é um dos motoristas que me acompanham nas visitas domiciliares – que é uma das atividades obrigatórias de uma unidade de saúde da família (USF), quando vou às casas de pessoas que, pela gravidade ou por necessidades especiais, não podem comparecer ao posto – ou quando viajo para outras comunidades rurais para atendimentos ambulatoriais regulares às terças. Gosto muito quando ele vem porque nos dedicamos a conversar à larga, principalmente sobre religião. Trata-se de um homem muito alto e forte, com uma voz tonitruante, apaixonado por pesca e, mais do que tudo, um evangélico sumamente imbuído do sentimento de que Deus está presente em sua vida (e na de todos nós). Muito curioso, traz sempre alguma novidade científica que aprendeu nos canais de televisão voltados para a ciência, ou nos livros que muito lê. Suas conversas são instigadoras e tomo nossas viagens como lições, debates, aprendizados sobre diversos assuntos, principalmente na área da prática moral. Conquanto evangélico, e dedicado, ele tem grande abertura para conversar com aqueles que não comungam seu saber cristão. Aceita com sincera alegria quando lhe conto uma alegoria de outras religiões, mas com um cunho edificante. Causa-me grande prazer ao ver-lhe abrir-se a alma em alegre gargalhada quando termino um conto e ele percebe de chofre a mensagem. Sua risada estronda no carro e alcança as serras, se espalha forte pelo mundo. Então me conta algo, interpreta algo da Bíblia, e me mostra a sutilidade, beleza e força moral de alguma de suas passagens. De minha parte, surpreso, caio na gargalhada, por puro prazer de sentir-me envolto por uma verdade, um gozo anímico.

Ontem conversávamos sobre uma passagem da Bíblia, na qual os doutores da lei queriam castigar a Jesus por haver curado um cego no sábado. Concluímos que é uma atitude louvável reservar um dia para a religião, ou, melhor ainda, para a meditação quanto à própria conduta, ou à oração pelo bem comum, no entanto, mais vale tornar cada ato e cada momento em uma oração; digamos, tornar o dia-a-dia em um sábado, como era (e ainda é) o sábado para os judeus. Celebrar os dias todos como se fossem o domingo dos católicos, cantar a glória de estar aqui neste belo planeta para viver as oportunidades de estar na existência... Assim aconteceu o dia e, ao final, estava com a sensação de que foi um dos mais belos dias da minha vida. Graças a Zé Alfredo. O legal dele, é que não é daqueles garganteiros, que fala, mas não cumpre. Ele é. Gosto disso: Vive o que diz.

Outro dia me contou que um mestre e um discípulo caminhavam na beira de um rio quando o mais jovem notou um escorpião se afogando. Alertou ao mais velho, que ágil, apesar da idade, caiu na água e tomou o animal na mão, salvando-o. Mas eis que o escorpião picou seu salvador, coisa que revoltou ao discípulo que logo quis que o mestre o matasse. Então o preceptor retrucou que o artrópode não fez por maldade e sim por obra e obrigação da sua natureza. “É da sua natureza picar – disse – e é da nossa natureza perdoar”. E assim permitiu que o animal seguisse sua vida e natureza, permanecendo o mestre sem ressentimento, para surpresa do seu discípulo.
Sendo eu uma pessoa bastante irascível, muito provavelmente (comentei com Zé Alfredo) teria trucidado o bicho. Mas reconheço a plena razão do mestre. Minha raiva seria por ver na atitude do escorpião algo semelhante à ingratidão humana. Embora muitos animais mostrem sinais de gratidão, ao escorpião não é dada a condição de manifestar tal virtude, então porque trata-lo como se humano fosse? E, quantas pessoas são como escorpiões, não conseguindo liberar-se de condutas destemperadas? Eu mesmo, quando me irrito, e só depois percebo que lancei palavras como flechas, que feriram o alvo com suas pontas lacerantes. O pior é que nem sempre as endereço a pessoas como aquele mestre da história... Nem todos (e eu entre estes) têm a condição de compreender o quanto somos incompetentes no agir corretamente, no pensar corretamente, no falar corretamente, enfim, no viver corretamente. Tenho a sorte, entretanto, de contar com Zé Alfredo e suas lições.

Recebam um abraço compreensivo de Aureo Augusto (aproveitem enquanto ainda estou influenciado pelo motorista). Em 25/8/11.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

FÉ e CURA

Dia 12 de outubro, no Vale do Capão à tardinha, só quem é maluco pensa em preparar a janta. Todo mundo vai pra rua, pois as famílias que celebram o dia de N.S. Aparecida, desde o dia anterior estão preparando as comidas que serão distribuídas na festa. O povo vai de casa em casa, fartando-se e re-fartando-se de salgadinhos, pipocas, bolos e tortas caseiros, além dos bombons industrializados. Ninguém pode se queixar da vida em um dia como esse. Beli, uma senhora cuja família se dedica a um restaurante (o famoso “Comida Caseira da D. Beli”), me pediu que fotografasse sua festa o que o fiz sem hesitação. Por isso assisti e registrei em detalhes uma orgia de fé, religiosidade, gula e alegria, tudo isso em altas doses. A dona da casa começou esta tradição há alguns anos quando seu filho, que padecia de fortíssimas enxaquecas, ficou curado após orações à santa. Ele já havia inclusive sido internado por causa das dores lancinantes e a cura foi impressionante e imediata. Nunca mais fui chamado para cuidar dele, nas emergenciais crises.
O Dr. Herbert Benson, um dos fundadores do Mind Body Institute, da Universidade de Harvard, nota que há um fator de cura em nós, e que tal fator não está definido pela bioquímica. Tem realizado estudos interessantíssimos sobre aquilo que denomina ‘Resposta de Relaxamento’. Segundo ele, uma vez que o nosso corpo relaxa e permite-se crer, mecanismos de cura são postos em funcionamento e que tais mecanismos são muito poderosos, conforme mostram seus e de outros estudos. É uma felicidade ver instituições de alto gabarito como Harvard abrigarem pesquisas nesta linha, que nos remete ao enorme poder de autocura.
Infelizmente o desenvolvimento da ciência muitas vezes gera uma negação de alguns aspectos não tão passíveis de medição sistemática, como o é o poder da cura interior. Nós, os médicos, aprendemos detalhadamente como funciona a fisiologia orgânica, quais os efeitos benéficos e deletérios de cada droga em sua ação farmacológica, estudamos os melhores momentos e caminhos para uma abordagem cirúrgica adequada, quando esta é necessária e, nestes laboriosos estudos, olvidamos que lidamos com um organismo dotado da capacidade de se curar, tanto do ponto de vista meramente químico/biológico, como de outra potência que está além do físico. A ciência não definiu se esta potência é apenas um epifenômeno resultante dos eventos materiais, como uma conseqüência da nossa evolução biológica complexa, ou se algo pregresso a esta evolução conduziu-a a esta competência. Mas não importa. O fato é que quando cremos a coisa funciona.
Confesso que não sou um primor de fé, no entanto testemunhei coisas interessantíssimas. Conto duas relacionadas com a mesma enfermidade. Quando aqui cheguei, há mais de vinte anos, conheci o Sr. Artur, homem pelo qual tive imediata simpatia. Ele padecera de miíase no nariz. Trata-se da eclosão de ovos de uma certa mosca. Ela desova em pele ou mucosa lesada e quando suas larvas nascem devoram os tecidos de suas vítimas. Seu Artur me contou que só ficou curado quando um benzedor rezou-o. Tratei as seqüelas da doença com bons resultados e ele ainda viveu muito para contar sua história. Verifiquei entre os vizinhos e todos testemunharam a seu favor. Era verdade, garantiram. O tempo passou e o velho Anísio, homem pelo qual tenho a mais profunda admiração (embora já falecido), apresentou um quadro idêntico ao de Seu Artur. Procurou um médico em Seabra que lhe receitou algo que poderia chamar de uma “bomba”, usada para tratar cavalos e bois com quadro semelhante. Seu Anísio usou a “bomba”, mas o resultado não foi o mesmo que os cavalos e bois apresentavam. Não resolveu o problema. Usou de novo e nada; e seu sofrimento aumentava a cada dia. Dores atrozes lhe consumiam, desesperando a mim como amigo e ao médico de Seabra. Aí resolveu ir ao benzedor, e foi. Lá mesmo, no momento da reza, as larvas começaram a sair; no retorno ao lar, o mesmo se dava, e quando chegou em casa um número enorme de vermes esbranquiçados rolavam de seu nariz caindo ao chão e atraindo a atenção dos vizinhos, até que todos caíram e o velho se livrou da dor, ficando como seqüelas uma lesão no conduto lacrimal direito que ficou entupido e uma deformação no nariz.
Por quais, inda insondáveis mecanismos, estes dois homens foram curados? Não sei, mas quero saber. Como saberei? Todavia não sei. Mas observo e anoto. Aliás, as conexões entre as coisas e os eventos merecem reflexão, principalmente quando pensamos em saúde. O filho de Seu Artur era um jovem raro. Não tinha boa saúde e fiz de tudo para que mudasse determinados hábitos alimentares muito prejudiciais. Tinha as paredes da casa repletas de gaiolas com passarinhos, coisa que eu, particularmente, não via com simpatia, mas, paradoxalmente havia uma simpatia entre o jovem e os animais. Um dia recebi a notícia que havia sido levado de urgência para o hospital. Como era muito querido, várias pessoas estavam em sua casa, com seus pais, aguardando notícias. Foi assim que, em determinada hora (que mais tarde verificou-se ter sido o momento de sua morte), todos os pássaros engaiolados que até então haviam permanecido em silêncio, dispararam a cantar intensamente e, logo depois, silenciaram.
O mundo tem seus mistérios. O bom é que somos inteligentes, sensíveis e curiosos. Um dia descobriremos a razão destes casos que contei e então outros mistérios se manifestarão de modo que sempre teremos o prazer de ter algo mais a descobrir.
Escrevi este texto em 2007, por isso recebam um abraço pretérito de Aureo Augusto.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SILÊNCIO DE NOVO

Silêncio, escrevi sobre isso outro dia aqui mesmo no blog. Semana passada me veio esta poesia:
HÁ SILÊNCIO
Há silêncio, mas só às vezes
Porque se o céu se ressente
Do excesso de azul e a luz
Condensa-se em calmaria,
A mente segue correndo
Transformando paz em azáfama
Categorizando coisas como se
Ruído fosse o dom do existir.

Por isso, que se faça o silêncio
E a mente possa fazer-se em paz.
Foi em um dia onde estava claro para mim a enormidade da quantidade de pensamentos que nos invadem. Ocorre-me às vezes que os pensamentos podem ser como morcegos hematófagos, vampirizando nossa energia. Porque, pensamos demais. Porque pensamos demais pensamentos dispensáveis, improdutividades. Ora, se tais pensamentos são fúteis, vazios, se não são criativos, se são mera repetição de vazios, então por que pensa-los?
Será que nós pensamos os pensamentos deste tipo, ou será que estas nulidades nos assaltam, vindas não sei de onde?
Claro, há tipos de pensamentos. Alguns nos trazem possibilidades. Criam realidades, animam o mundo, são parte de um processo de construção de novas realidades, idéias que têm real possibilidade de atualização no plano da existência material. Já outros apenas alimentam a si mesmos em uma circularidade que jamais alcança o mundo este aqui onde estou escrevendo.
Soube, há algum tempo, que entre os povos chamados por nós de primitivos o pensamento não é uma constante, sendo uma ferramenta usada apenas quando necessária. Sei que quando consigo ficar sem pensar por algum tempo isso me dá um repouso (que depois se traduz em vitalidade e criatividade) bem agradável. Porém isso é mais fácil quando me proponho em uma meditação, ou quando estou pintando, escrevendo ou trabalhando na marcenaria. Ou seja, em atividades que pedem concentração. Às vezes, em minhas caminhadas matinais, me proponho e consigo ficar no silêncio mental. Quando é bem feito, parece que o mundo fica mais presente, mas às vezes é como se estivesse dormindo, ou dormido; nesse último caso, não há atenção, não há presença... melhor seria ter ficado pensando!
Agora recebam um abraço silencioso de Aureo Augusto

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

PROTEÇÃO DA PELE

Esta postagem é em muito uma continuação da anterior e nela complemento o assunto 'pele'. Escrevi ambas há bom tempo, mas acho que permanecem atuais:

Meu pai foi militar do exército – na verdade os militares tendem a nunca deixar de sê-lo, por isso é melhor recomeçar: Meu pai é militar reformado e serviu nas forças armadas na época em que nenhum soldado ficava sentado no ônibus se tivesse algum passageiro de pé. Não sei se hoje em dia ainda é assim, se mudou, trata-se de mais uma perda para a civilização. Ocorre que o significado de servidor perdeu muito do seu sentido nos dias de hoje. Servidor é o que serve, um servidor público aí está para servir ao público, não para servir-se daquilo que é público (Ah! Se os políticos se dessem conta disso). Meu pai tinha uma senhora biblioteca, talvez a única no bairro pobre em que morávamos. E eu era assíduo freqüentador de suas prateleiras e foi daquela época que adquiri o vício da leitura. Como ele era assinante da Biblioteca do Exército Editora, me deliciei com títulos como Logística da Invasão e Os Blindados Através dos Séculos, de modo que ainda criança sabia como portar-me no caso de um combate nas ruas ou no campo. Talvez por isso, por perceber as agruras em que me meteria, não optei por tornar-me militar e dado ao pacifismo. Mas além da leitura guerreira, havia O Homem Através da Ciência de Nelson S. Mitke, Viagem à Terra do Brasil de Jean de Léry (o autor veio com Villegagnon quando este comandou a invasão francesa no Rio de Janeiro) e o livro de Guilherme Piso, História Natural e Médica das Índias Ocidentais, escrito durante as invasões holandesas a Pernambuco, quando as Índias Ocidentais, ali citadas, eram governadas por Maurício de Nassau. Neste livro ele comenta que os brasileiros (isto é, os índios) viviam desnudos e não podiam ver água que logo iam tomar banho, e eram muito sadios; já os europeus, que andavam cheios de roupas e evitavam o banho, estavam sempre com problemas de saúde. Esta leitura da minha adolescência marcou-me, bem como Casa Grande e Senzala e Sobrados e Mocambos de Gilberto Freire. Em um destes o autor assinala que os índios do Brasil começaram a apresentar problemas pulmonares na medida em que foram vestidos pelos jesuítas. Estas interessantes observações mereciam mais cuidado, pois elas apontam para o fato de que assim como a saúde da pele depende do (e evidencia o) estado do corpo, a cútis tem algum papel na saúde deste mesmo corpo.

Outro livro nos traz mais o que pensar. É aquele em que Charles Darwin descreve a sua viagem no Beagle. Quando o navio passava pelo Estreito de Magalhães, no sul da América, na confluência entre o Atlântico e o Pacífico, ele descreve o encontro com um grupo de índios que se aproximaram do barco em que ia. Nota, penalizado, que uma mãe amamentava o seu filhinho e a neve que caía se dissolvia em contato com seus corpos nus. Não percebeu o ilustre cientista que a mãe (tampouco o filho) padecia de frio. Quando vivi no Chile, tive a oportunidade de conhecer gente que estudara aqueles mesmos índios que Darwin avistou, os Yamanas, além de outros moradores da Araucania. Contaram-me que as mães quando iam dar à luz, acocoravam-se e deixavam que seus filhos saíssem do ventre direto para as águas geladas de algum lago ou do mar. Dessa maneira, frio não era algo desacostumado para aquelas crianças. Não imagino as conseqüências psicológicas deste costume, mas que era ótimo para a circulação cutânea, lá isso era.

Aqui, no Vale do Capão, onde moro, muitas pessoas andam em mangas de camisa, mesmo no inverno. O que para mim é frio, para elas é um fresquinho agradável. É que a minha pele careceu de exposição às intempéries como uma forma de educar a circulação sangüínea nela. Pessoas que se protegem demais (e as mães fazem isso com seus filhos, por amor e falta de conhecimento) acabam se tornando friorentas. Já aquelas que tomam banho frio todos os dias, que caminham com a pele exposta, tornam-na mais vigorosa. Que ninguém saia por aí dizendo que sugiro que as mães banhem seus recém nascidos em gelo. Porém insisto em que não protejam demais seus rebentos. Isso lhes beneficiará a pele e, como inferimos dos textos citados, trará também saúde ao restante do corpo.
Recebam um abraço profundamente cutâneo.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O BOM e o BELO

“Nenhum retrato exprime perfeitamente
os segredos da alma, pois esta última
ao mesmo tempo se esconde e
se revela nas dobras da pele”
Roberto Romano.

Apaixonei-me por Auguste Renoir desde a primeira vez em que vi uma foto de um de seus quadros. Há uma vaporosidade neles, e uma felicidade etérea que muito me atraem. Há um, intitulado Nu Feminino à Luz do Sol, pintado entre 1875 e 1876 que me causa forte impacto. Não me atrai o rosto da figura, porém a pele, com seu róseo, seus verdes (verdes na pele?), com o seu revelar/esconder alma (usando a expressão de R. Romano) é um tratado de dermatologia e beleza. Um crítico da época pede a Renoir que não confunda a pele de uma mulher com “carne podre com manchas vermelhas e violetas”. Seus olhos eram incapazes de ver que as cores das coisas não são apenas as cores próprias, mas também os reflexos daquilo que está ao redor. Um grande passo dos impressionistas foi notar isso. A jovem que ele retratou tinha manchas de sol, assim como reflexos do verde brilhante das folhas e sombras violetas belíssimas e o seu conjunto falava da beleza e da saúde da pele da mulher.
Vários filósofos gregos colocaram o conceito da proximidade, senão identidade do bom e do belo (kalokagathia). Falta-me competência para discutir isso, porém tomo a liberdade de trazer esta idéia para a nossa cosmética. É de vital importância o reconhecimento de que a pele esconde/revela o nosso estado do corpo, assim como o da alma e, se aqui identificamos, por razões didáticas, alma com psique, ou com inconsciente, podemos aproveitar a frase de Reich, que dizia: “Se você quer tocar no inconsciente do seu paciente, toque no seu corpo”, lembrando que tocar no corpo é antes de tudo tocar na pele. O precursor da bioenergética nos lembra que corpo e alma são uma só coisa. Por isso, a cosmética que freqüentemente dedica-se a esconder reais, subjetivos ou imaginários defeitos, e a dermatologia que trata dos cuidados quanto à saúde da pele (e cosmética e dermatologia se aproximam muito) são convidadas pela realidade a mergulhar além do subcutâneo, atuando não apenas na superfície, mas também reconhecendo que a pele é fruto da necessidade interna de interação com o mundo. Sendo a fronteira de nosso ser corpo com o universo, é o ponto de encontro entre as necessidades e potencialidades internas com aquilo de limitante que nos traz o mundo. Fiquemos no estado do corpo.
O nosso organismo mostra suas necessidades através do estado da pele, assim como se revela saudável graças a ela. As deficiências nutricionais apresentam-se com muita freqüência como problemas de pele. A vitamina B1 é essencial para o bom funcionamento deste órgão. Deficiência de vitamina A também a altera e por aí vai. Por outro lado, alimentos gordurosos, frituras etc. tendem a fazer com que a cútis fique feia. Por isso a coisa do bom e belo. O bom funcionamento dos órgãos internos repercute na beleza da pele. E há que reiterar que alimentação é fundamental. Se não cuidamos de nosso ser (físico, psíquico, espiritual) continuamos praticando uma cosmética voltada para esconder os males reais sem virtualmente resolvê-los.
Recebam um abraço bom e belo de Aureo Augusto.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

SILÊNCIO E NÉVOA

Hoje amanheceu luz e silêncio. A nuvem ocupou o vale, de modo que não tínhamos mais montanhas ao redor, apenas o branco lençol ocupando o mundo e o sonoro vazio entre as folhas balouçantes.
Os pássaros resolveram descansar mais um pouco e daqueles que se aventuraram ao voo na manhã fria não se ouvia ruído das asas. Assim é quando a névoa nos brinda sua beleza. É desse jeito que o silêncio reina quando a neblina alimenta nossos desejos de luz suave e sonhos.
Aí as pessoas ficam mornas em seus movimentos – esticando-se sob os lençóis, cobertores – garantindo calor negado pelo tempo invernal. Bom para carinhos àqueles, os descuidados da saudade. A outros, manhã calada, com o sigilo das noites vazias e a falta doce referindo-se a quem distante existe e cujos pensamentos sabe-se dormitando em si.
Calma luz matinal do dia nevoento, sossego de aves nos ninhos, paz em olhos preguiçosos do dia, sol caminhando calmo dentro da bruma, segredo de folhas murmurado quase inaudível pela brisa expectante. Tempo quase taciturno de uma taciturnidade que não se concretiza pela graça desta luz pálida, mas ubíqua e penetrante.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

MENOPAUSA e REPOSIÇÃO 3

Há duas postagens venho tratando do importante tema da menopausa. Obviamente não pretendo esgota-lo, mas pretendo fechar a série com o presente texto, dedicado às mulheres que apresentam a síndrome do climatério, que, como comentei antes, não é algo que todas têm que ter.
A menopausa, lembro, é um momento natural na vida da mulher e o corpo se prepara para o acontecimento. Fígado e Suprarrenais aumentam a produção de estrona, e os órgãos se preparam para viver com menos estrógenos a que estavam acostumados. O corpo da mulher foi construído no passar das eras em cima de determinadas condições. Sempre as mulheres (como os homens, é claro, mas aqui trato delas) tiveram que caminhar muito, na busca de alimentos, na realização das tarefas familiares, nas mudanças sazonais de domicílio etc. e, portanto, seu corpo está identificado ontologicamente com o movimento. Donde o sedentarismo é algo completamente fora das possibilidades do viver com saúde. A mulher, independente da idade, não pode abrir mão da atividade física. Inclusive aquelas que já apresentam sintomas da síndrome climatérica. Esta atividade melhora sobremaneira a circulação diminuindo os fogachos, que são fenômenos circulatórios. Ginástica, Pilates, Musculação, para aquelas que não trabalham na enxada e no machado estão indicados, pois, a atividade física aumenta a calcificação dos ossos. Caso a mulher tenha osteopenia ou osteoporose deve avisar o instrutor quanto a isso, para adaptação dos exercícios ao caso particular. Procure neste blog o texto intitulado Hermengarda e a Osteoporose, para cuidar-se melhor.
Para melhorar a circulação recomendo banhos frios ao despertar, ainda bem quentinha da cama, cair na água fria, esfregando o corpo com bastante vigor, sem usar sabonete, nem molhar a cabeça. Em seguida se enxuga e procura abrigar-se para recompor a temperatura. Assim estimula a circulação periférica de modo a reduzir os fogachos. Há um procedi-mento naturista chamado frotação que é ótimo, assim como o banho genital. Em outro momento explico como se faz estes procedimentos.
Os incômodos relacionados à redução do trofismo vaginal são um problema e neste caso sugiro o uso de fito-hormônios, que são substâncias químicas presentes em certas plantas que o organismo humano transforma em hormônios, reduzindo os sintomas da síndrome da menopausa. Estes fito-hormônios agem em todo o corpo e não apenas na vagina, melhorando a circulação, a pele, os ossos. São atraídos pelos receptores de estrógeno nas células, alfa e beta, mas têm mais afinidade com os receptores beta, raros na mama e útero, daí os especialistas acreditarem que não há riscos de surgirem tumores nestes órgãos. Se ligam mais às células da região do hipotálamo e regularizam os níveis de LH e por isso reduzem os fogachos.
Devemos tomar cuidado com o uso das plantas medicinais. O comum é que se pense que não fazem mal e costuma-se negligenciar seu uso. As substâncias químicas aí presentes, para terem seu efeito devem ser ingeridas a intervalos regulares e por tempo determinado. Em uma gripe, por exemplo, é frequente tomar um chá uma vez ao dia por dois dias e depois abandona-lo por outro. Isso dificulta o funcionamento do chá. Há que ser regular. Com a síndrome climatérica dá-se o mesmo. O uso deve ser respeitoso. Por isso quero sugerir que, caso você tenha a referida síndrome, procure um médico que tenha prática com o uso de plantas, para que ele avalie o seu caso e receite o que precisa. Em seguida vai uma lista de produtos vegetais que podem lhe ajudar:
Folhas de amora em associação com semente de linhaça moída.
Combinação de mil-folhas com anis estrelado.
Fórmula contendo trevo vermelho, actea racemosa e yan mexicano.

Uma combinação de Cimicífuga racemosa (Black Cohosh) e Isoflavona de soja, mais extrato padronizado de diosgenina em óvulos vaginais; podendo-se acrescentar Yam mexicano, gel transdérmico, para aplicar na pele.
Um composto homeopático, a Sépia composta Weleda (Sepia D5, Calcárea Carbônica D8, Iganatia Amara D5 tem se revelado excelente em fogachos e outros sintomas.
Um dado importante e que merece atenção é que quem já usa há algum tempo reposição hormonal artificial tende a ter poucos resultados benéficos quando muda para os produtos vegetais. Não há uma explicação para isso, porém sugiro que quem precisa de apoio químico neste momento, comece com os fito-hormônios. Raramente eles deixam de resolver o caso.
Recebam um abraço vegetal de Aureo Augusto.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

MENOPAUSA E REPOSIÇÃO 2

Dizia no post anterior que a redução da produção de estrógenos que acontece na menopausa pode trazer sintomas para a mulher. Mas, não para todas as mulheres, conquanto, sim para muitas. Os estrógenos participam, entre outras coisas, do bom funcionamento da circulação, da calcificação óssea, da resistência da pele e das mucosas. Ocorre que muitas mulheres não padecem problemas na circulação, na pele ou nas mucosas, tampouco tornam-se osteoporósicas. Como vimos na postagem pregressa, o fato de sentir-se realizada pode contribuir para que a mulher não tenha sintomas desagradáveis na menopausa. Isto não significa que deva negligenciar outros aspectos. Uma mulher pode se sentir muito realizada, mas se não comeu cálcio suficiente terá osteoporose (v. post intitulado Hermengarda e a Osteoporose).
Uma tristeza que tenho é ver que hoje há uma espécie de consenso segundo o qual toda mulher, por ter entrado na menopausa, terá que obrigatoriamente fazer uso de reposição hormonal. Acho isso interessante quando me lembro que as mulheres lutaram tanto pela igualdade e vêm os cientistas e dizem: “As mulheres foram fabricadas com um defeito que se manifesta em torno dos 45 anos”. E, para sanar este defeito de fabricação, estão obrigadas ao uso da reposição. Mas em breve elas terão companheiros, pois o afã de lucro logo vai igualar homens e mulheres; em breve vão arranjar também defeito para os homens porque o desejo de lucro é maior do que o preconceito.
Esclareço desde logo que não sou contra o uso de medicações. Mas sou visceralmente contra o uso irresponsável e disseminado de medicações. São usadas como se fossem inócuas. Passam a mensagem de que reposição hormonal não traz nenhum tipo de perigo. Isto não é verdade. Um estudo norte-americano chamado “Iniciativa para a Saúde da Mulher”, feito com 16 mil mulheres norte-americanas mostrou que a reposição hormonal feita com estrógeno e progesterona aumenta os riscos de derrame cerebral (41%), coagulação sanguínea, ataque cardíaco (21%) e câncer de mama (26%). Este estudo foi interrompido em 2002 devido aos riscos. Em fevereiro 2004, o Instituto Nacional de Saúde dos EEUU interrompeu um estudo com 11000 mulheres iniciado em 1997 que pretendia avaliar o impacto da reposição hormonal porque os limites da terapia ultrapassavam os limites de segurança. Usou-se uma associação de estrógenos no estudo que aumentou o risco de derrame (40%) e não reduz a probabilidade e infarto nem protege contra câncer de mama. A reposição hormonal reduz os sintomas desagradáveis como os fogachos (aqueles calores), reduz a secura na vagina e a osteoporose, mas não é inócua. O que fazer então?
Em primeiro lugar devemos prevenir. A mulher (e o homem também) deve observar que certas culturas não têm (ou têm menos) problemas com a menopausa do que a nossa (ocidental cristã). E isso por causa dos hábitos de vida. Já vimos antes (v. Hermengarda e a Osteoporose) que aqueles que absorvem cálcio na juventude têm muito menos possibilidade de ter osteoporose. Por isso faz-se necessário uma alimentação rica neste elemento, bem como em magnésio que melhora o aproveitamento de cálcio pelo nosso corpo. Outrossim, o consumo de derivados da soja, como o leite de soja (preferencialmente fabricado sem a casca – que contém ácido fítico, inibidor da absorção de cálcio) e o tofú (queijo de soja), faz com que haja bem menos osteoporose em povos orientais, graças à presença das isoflavonas que, por sinal, devem ser preferencialmente consumidas na alimentação e não concentrada em medicações. Outra coisa para prevenir é ter atividade física, afastar-se do sedentarismo. O exercício físico compensa a redução dos hormônios, aumentando a calcificação dos ossos, melhorando a circulação etc. Na menopausa o fígado e a suprarrenal produzem estrona que é o estrogênio que substitui o estradiol, daí que cuidar do fígado e da suprarrenal é indicado a quem tem síndrome do climatério (o nome bonito que se dá aos desconfortos que podem acontecer na menopausa).
Atividade física regular, alimentação rica em cálcio e hipotóxica (ou seja, frutas, verduras, cereais integrais, preferir iogurte ou coalhada ao leite, evitar carnes, não comer produtos artificiais etc.) para melhorar as condições digestivas e hepáticas, cuidar para ter um ritmo normal de defecação, são formas de se proteger. Porém, devemos pensar naquelas mulheres que já estão na menopausa e apresentam sintomas desagradáveis. Na próxima postagem darei algumas dicas e assim fecharemos esse assunto.
Grato a todas e a todos por acompanharem o blog. Aureo Augusto.

domingo, 3 de julho de 2011

MENOPAUSA e REPOSIÇÃO 1

Embora pareça coisa inventada foi verdade: A mulher chegou no médico e comentou que já havia entrado na menopausa havia algum tempo e por isso ali estava para uma avaliação, e gostaria de fazer alguns exames para averiguar sua situação hormonal. Estava sendo atendida em uma clínica onde o cliente não escolhe o profissional. Então o médico verificou em sua ficha e viu que em uma consulta anterior, seu colega havia sugerido que ela fizesse reposição hormonal e ela recusara porque não sentia absolutamente nenhum sintoma. Não tinha queixas, a menopausa chegara sem nenhum problema, por que ela teria que usar reposição? O colega deixou o registro. Por isso o médico que a atendia disse que não pediria nenhum exame por causa daquela recusa. A atitude do médico reflete a crença muito disseminada de que toda mulher é obrigada a usar hormônios sintéticos quando entra na menopausa (isso sem falar no autoritarismo injustificado, da total falta de senso, da ausência do respeito pelo outro enquanto ser individual e autônomo). Para mim, esta crença reforça aquela idéia machista de que as mulheres são seres inferiores. Ora, se carecem de reposição a partir de certa idade é porque foram fabricadas com deficiência e precisam de recall. Vejamos outras histórias:
D. Ceres é uma jovem senhora de 97 anos de idade. Uma delícia total conversar com ela. Memória prodigiosa, humor à flor da pele, ironia fina e sensível, criativa, orgulhosa de si e de suas realizações, tanto na criação dos filhos quanto na produção de produtos que ajudaram na aquisição de recursos para o sustento da família – enfim, uma pessoa plenamente realizada... Um dia perguntei-lhe como havia sido sua menopausa. Respondeu-me que desapareceu sem nem dizer adeus. Nunca teve nenhum sintoma desagradável. Vejamos outro exemplo: Celicélia passou pela menopausa “numa boa”. Para ela, o fato de não comer carne foi importante, mas também notou que “cabeça boa, sabendo o que quer, tudo fica melhor” e acrescenta: “ter um bom companheiro, vida tranquila... quatro filhos; maravilhoso!!! Amo o meu marido e agora netos, frutos de um belo amor!!!”. Sua felicidade nos serve como guia. Lembro de um outro exemplo: Peguei carona com um amigo e a mãe dele estava no carro. A senhora me disse que o único sonho que teve na vida foi ter filhos. Não se preocupava sequer em casar. Queria apenas tê-los e cria-los. Teve-os e criou-os. Disse que, agora que os via a todos já donos de suas vidas, estava felicíssima cuidando dos netos. Perguntei-lhe como havia sido sua menopausa e a resposta dela foi a mesma. Não havia tido dissabores. Como também Beth, esposa de Luís, um casal que teve um importante papel em uma fase da minha vida. Beth era mãe de uma única filha que vivia no estrangeiro e não era a filha mais atenciosa da face da Terra. No entanto os idosos viviam sempre cercados de amigos, como eu à época, muito jovens. Eram pessoas deliciosas. Beth dedicava-se a traduções do francês ao português entre outras muitas atividades, sempre intelectuais porque não era dada a atividade física por conta de um defeito na perna decorrente de uma paralisia infantil. Um dia ela me disse que era muito feliz (coisa evidente) e que se sentia realizada. No ato perguntei-lhe pela menopausa. Como as demais antes citadas, nada sentira.
Na menopausa, a mulher muda de fase. Deixa de ser mãe de filhos ou filhas e passa a ser a representação da grande mãe. É a mulher sábia, dona do saber ancestral de todas as mulheres. Um saber secreto porque ser mulher é um segredo (pelo menos para nós, homens). Aquelas mulheres que, durante a vida, construíram um conhecimento de si onde a auto-estima é forte, tendem a não ter sintomas. Em medicina nada é absoluto, porque as variáveis são muitas, porém sentir-se completa, realizada, realizadora e ativa é fator importante para uma menopausa tranquila. Mas hoje as mulheres são confrontadas com desafios bem grandes. Aquela senhora que apenas queria ter filhos, e realizou-se com isso, hoje seria bombardeada com a mensagem de que isso não basta. Incute-se a idéia de que para ser mulher moderna tem que trabalhar fora, realizar-se profissionalmente. Nada contra, porém o imperativo absolutista não convém. Para muitas mulheres basta a família e isso é lindo, assim como para outras a filharada não era essencial para a felicidade e sentimento de realização. Beth realizava-se graças à vida intelectual que levava e não por causa dos filhos; enquanto D. Ceres realizou-se pela combinação de filhos com outras atividades externas ao lar. E você que agora está lendo? Sei que Jussiara tem uma vida intelectual, uma relação com o marido e com um lugar chamado Cações que lhe embalam a vida. Pena que em nossa sociedade as tensões são maiores do que as soluções naturais. Você gosta de sua vida profissional? Invista. Mas, não se deixe levar pelo imperativo categórico atual de que tem que ser grande em tudo, maior em tudo, melhor em tudo. Tal postura apenas complica a vida, e dificulta as relações interpessoais tão necessárias para a vida e a felicidade. Corrói a paz interior.
Porém devemos lembrar que a menopausa, além de um fenômeno cultural e social, é algo que interessa à química do corpo. Algum tempo antes da menopausa os ovários já começam a reduzir a produção de estrógeno, um hormônio responsável pelas características sexuais na mulher. Este hormônio, além de contribuir para a forma curvilínea do corpo feminino, contribui para uma maior fixação do cálcio nos ossos, para a circulação, resistência da pele e das mucosas, entre outros efeitos. Consequentemente a mulher pode vir a apresentar algumas alterações físicas. Por que isso, se a mulher, naturalmente, não veio com defeito de fabricação?
A resposta a esta pergunta você verá na próxima postagem. Não se preocupe, é questão de dois ou três dias, pois já está pronta. Apenas não quero pôr um texto excessivamente longo e ademais, desejo que reflitamos um pouco sobre os aspectos psicossociais da menopausa. Eis os pontos que incidem sobre a questão gerando dificuldades para a mulher (alguns já foram mencionados):
• Realização pessoal e profissional – atualmente as metas são excessivamente grandiosas. Somos induzidos a não se satisfazer com pouco, ou com o médio.
• Ainda neste item, não basta ser mãe, há que ser mãe incrível ao mesmo tempo em que é poderosa executiva.
• A culpa bate quando filhos e maridos não correspondem a estas expectativas, sendo maravilhosos filhos, sem problemas e excelentes maridos sem defeitos.
• O culto à juventude tornou-se quase uma inquisição. Ser idoso é uma espécie de heresia. Cabelos brancos são como aquela marca que os nazistas obrigavam os judeus a usar. Então, para se realizar a mulher terá que ser profissional de destaque em sua área, mãe perfeita e jovem (mesmo após a menopausa), o que torna bem difícil a realização pessoal.
• O culto ao ter em detrimento do ser implica identificação com as posses materiais o que traduz perda de consistência interior.
Estes e outros aspectos contribuem negativamente para uma menopausa tensa (e uma vida tensa também). Laborar no sentido de minimizar-lhes o poder em nossas vidas e minorar-lhes as consequências é essencial para que este importante momento seja mais sadio. Convido às leitoras e aos leitores a pensarem nesses pontos.
Recebam um abraço psicossocial (rsrsrs) de Aureo Augusto.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

SÃO JOÃO

Aí o povo é naquela azáfama. É pintar casa, capinar e roçar. Tem também que rachar lenha pra fazer a fogueira. Arranjar lenha seca, de árvore que há muito o vento ou a velhice matou. Troncos mesmo. Grossos. Depois o ramo comprido, verde, e os presentes que ficam lá em cima atiçando o desejo da gente. Fogueira de ramo é o que mais gosto. Quando cai todo mundo em cima, na maior confusão pegando laranja, merendas, abóbora, um coco, tanta coisa... Uma festa.
Há mais de mês que as pousadas já não têm mais vagas e o povo está alugando a própria casa e indo morar com os parentes nesses dias, somente porque a pressão do povo de fora pra vir para cá tem sido muito grande. O largo enfeitado e as comidas sendo acumuladas, varre-varre e beleza nos rostos. São João é ‘a’ festa. Desde criança é, para mim, a melhor. Naquela época fazia das minhas. Pegava uma bomba e prendia a ponta em uma bituca de cigarro que alguém houvesse descartado. Depois enterrava na lama. De longe, seguro, ficava olhando. Era um nervoso. - ´Tá demorando, pensava, será que o cigarro apagou? Não, que nada. Quando explodia era como sempre uma surpresa. Levava um susto porque era um esperado inesperado. Ria. Mas para quem passava na hora, a lameira voando em cima, ninguém ria! Uma vez um homem percebeu que eu tinha a ver. Ele me perseguiu por ruas e becos, suei, foi uma correria, sofri, “não foi eu, não foi eu”, mentia e corria. Menos mal que conhecia todas as vielas do bairro do Uruguai – ele não. Escapei. Ufa! Cresci e acrescentou-se o licor de jenipapo. Saiu a bomba com bituca de cigarro. Mas o São João continua sendo o lugar festivo mais legal. Forró e alegria.
Não sei bem quem se lembra do santo e porque a festa se faz. Não sei bem quem se lembra da fogueira que Ana acendeu. Não sei. Sei que a turma se esfalfa de quentão, licores vários, amendoim cozido, milho assado, cozido, amendoim torrado, canjica, mungunzá, sanfona, triângulo, zabumba... Frio e calor.
O povo do Vale está feliz!
Recebam um abraço junino de Aureo Augusto.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

HERMENGARDA e a OSTEOPOROSE

Creio que vocês já conhecem D. Hermengarda. Gente boa! Ela voltou para a consulta preocupada com “essa tar de ostoporós”. Com seus “quase quase” tocando os setenta janeiros, chegou à conclusão de que tem que tomar algum chá de erva para se livrar desta “doença maleitosa”. Por isso o assunto foi esta doença:
Como diz o nome, o osso fica mais poroso quando atingido pelo mal. Perde densidade. Comparando pedaços de madeira e giz, vemos que um é mais maciço (ou mais denso) do que o outro. Quanto mais denso, mais forte (pelo menos no caso do osso). Os ossos estão sempre mudando embora pareçam quietinhos. Temos dois tipos de células ósseas (osteócitos) que se revezam no afã de renovar o osso. Os osteoclastos saem de um lado do osso e vão destruindo-o, mas são seguidos de perto por osteoblastos que reconstroem o órgão. Quando alcançam a outra extremidade o osteoblasto vira osteoclasto e passa a destruir, enquanto a outra célula também muda e vira osteoblasto passando a refazer o que o outro destruiu. Dessa forma o tempo inteiro o que parece invariável se transforma sem parar. Nas pessoas jovens, há preponderância dos osteoblastos e o osso vai se fortalecendo, mas com a idade os clastos começam a tornar-se mais fortes e ocorre perda de densidade. Para as mulheres ainda temos a agravante que é a redução da produção de estrogênios nas proximidades da menopausa (75% dos doentes são mulheres). Estes hormônios estimulam a calcificação; faltando, o osso fica fraco, quebra com facilidade e pode levar a morte (no Brasil são mais de 200 mil mortes por ano por causa deste mal).
Porém pelo que pude ver, D. Hermengarda não tem o problema. Embora já no período de pós-menopausa, que, registre-se, para ela foi sem sintomatologia desagradável – “só foi simbora e pronto” – ela mantém uma atividade física invejável. Este é um bom segredo para proteger-se. A pressão do músculo sobre o osso, que recebe o nome de stress strain, estimula o osteoblasto, isto é, a calcificação óssea, impedindo o estabelecimento da osteoporose. Esta senhora, desde criança, racha lenha, carrega, capina, cavuca, semeia, colhe, caminha quilômetros por dia. O que não lhe falta é stress strain. Não mencionei estes nomes para não confundi-la, porque hoje em dia, ninguém, nem mesmo ela, fica nervosa ou tensa. Por aqui o povo já vem para a consulta referindo-se estressada(o). Então não quis me meter na labiríntica tarefa de mostrar que stress pode ser desejável, conforme o tipo. Mas voltando ao tema: A filha dela é candidata a ter osteoporose, porque tem vida sedentária (inclusive está um pouco acima do peso), e gosta de refrigerantes e outros produtos alimentícios pouco recomendáveis. Pelo menos, no início da vida consumiu coalhada porque tinham uma vaquinha leiteira. Os laticínios são ricos em cálcio e, como o cálcio prefere ambiente levemente ácido para ser absorvido, a coalhada e o iogurte são melhores do que o leite in natura. Outra fonte de cálcio são as folhas verdes (quanto mais verde, mais cálcio). Estas também contêm magnésio, elemento essencial para o aproveitamento do cálcio e por isso as verduras são melhores que o leite neste aspecto. Uma desgraça para as novas gerações é que há 20 anos, os jovens consumiam 1000 a 3000mg de cálcio por dia, hoje apenas 600 a 700. O consumo de leite caiu em 30% e o de refrigerantes cresceu 65% (estudo da USP, São Paulo). Ingerir pouco cálcio na juventude aumenta em 20% o risco de osteoporose na vida adulta.
Exercitar-se e comer verduras e laticínios é a proteção. A soja, por conter isoflavona, tem sido considerada uma proteção contra a osteoporose. No entanto os estudos comprovam que o melhor é consumir antes de a doença instalar-se. Devemos preferir o tofu (queijo de soja), pois é rico em proteínas e pobre em ácido fítico que dificulta a absorção de minerais. Vale consumir leite de soja desde cedo, seja puro ou em receitas (substitui com vantagens o leite de gado). Recentemente se divulgou que a isoflavona da soja é perigosa, porém os estudos mostram que apenas o seu uso medicamentoso pode trazer risco. O consumo na alimentação é recomendável. Evitemos a PVT (proteína texturizada da soja) que é de difícil digestão.
Uma vez instalada a osteoporose, pode ser necessário o uso de medicações, porém isso não é imperativo para todas as pessoas. Algumas recomendações:
-Suco de couve/limão/melaço (2 ou 3 folhas de couve+melaço de cana+água; bate no liquidificador, côa e acrescenta suco de 1 limão – não bater o limão); tomar em jejum todos os dias.
-Chá de mil-folhas (Aquileia milefolium) – 3 xícaras por dia. Faz o chá com 2 colheres de sopa da folha picada e 5 sementes do anis estrelado. Quem ainda tem menstruação usa do 12º ao 26º dia. Quem já está na menopausa toma 3 semanas e descansa uma.
-Linhaça, gergelim e feijão soja em partes iguais. Tosta e pulveriza. Usa como farinha nas refeições.
-Caminhar 1 hora por dia. E acrescentar outras atividades físicas como Pilates, Capoeira etc. naturalmente com acompanhamento por pessoa habilitada.
-Coma brócoles com freqüência, cozido no vapor, pois aumenta o estradiol, hormônio que estimula a calcificação óssea.
- Maiores fontes de cálcio (por ordem do que tem mais par ao que tem menos): farinha de soja, couve, agrião, grão de bico, feijões, melado, tofu, mostarda, brócolis.
- A vitamina C é importante para a preparação do terreno onde vai se inserir o cálcio. Por isso mulheres que chupam uma laranja por dia têm menos osteoporose.
- A vitamina D é essencial para a calcificação óssea, por isso tome sol nos horários recomendáveis.
ALERTA:
-Consumo de açúcar, aumenta o ácido carbônico o que abaixa o pH e há precipitação de Ca e Mg levando a menor aproveitamento destes nutrientes.
-1g de carne consome 2g de Ca para ser digerida. Ou seja, quanto mais você gosta de carnes, mais precisa de comer cálcio.
-Nunca tome refrigerantes, principalmente do tipo cola, eles contêm ácido fosfórico que interfere no metabolismo do cálcio. As meninas com hábito de tomá-los têm 3 vezes mais risco de fraturas.
D. Hermengarda ficou feliz com o fato de que dificilmente terá a doença, mas seria muito legal se ela pudesse fazer uma densitometria óssea. Sua vida foi dura, esta área no passado foi zona de guerra de jagunços e a pobreza era a norma. Consequentemente nem sempre a alimentação era razoável. O problema agora é o preço do exame!
Recebam um abraço agradavelmente denso de Aureo Augusto.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

RECEITAS DOCES

Taí uma receita deliciosa: Pegue algumas bananas d’água (também conhecidas como nanica e caturra) bem maduras, descasque e ponha em uma panela. Acrescente um pouco de água, cravo e canela em pó. Leve ao fogo brando. Fique ligado para não pegar no fundo e também para não derramar, porque durante o cozimento se forma uma espuma que trasborda. Aos poucos a banana amolece e fica acastanhada. Nossa! É muito gostoso!
Outra receita: Banana-da-Terra cozida, quanto mais madura melhor (para ficar mais doce), com coco ralado. Amassa a banana e mistura com o coco. Experimente. Gosto demais desta merenda. O legal é que não há nenhuma necessidade de acrescentar açúcar. Aliás, temos um problema sério nos casos de diabetes por causa deste tal açúcar, que é como chamamos frequentemente os carboidratos. Tais substâncias são usadas pelo nosso organismo para produzir energia e é bom que escolhamo-las (uau! Viu a linguagem pulcra?) porque quando transformadas em energia no organismo, o produto que sobra é gás carbônico e água, um sai com a respiração e a outra é aproveitada logo. Já quando usamos gorduras ou proteínas para produzir energia os dejetos são tóxicos. Então por que o açúcar é visto como vilão? Quantidade e qualidade definem bondade (ou não).
A filha de D. Hermengarda não tem diabetes, sorte dela. Mas se tivesse, com certeza iria me dizer (tal como a mãe) que não gosta de remédio, mas, ao contrário da mãe, irá se recusar a largar o açúcar branco, o chocolate, certos enlatados (que contêm açúcar oculto) etc. Vocês já conhecem D. Hermengarda e sabem que ela não é obediente e a filha não fica atrás – aliás é por isso mesmo que gosto delas. O problema é que o consumo excessivo (quantidade) de carboidratos pode complicar nossa vida, principalmente se não são integrais (qualidade). O açúcar demais será transformado em gordura que se deposita em células especiais chamadas adipócitos. Inda bem que D. Hermengarda não está mais em idade de parir, poderia querer dar este nome a um dos filhos! Você, leitor pode até rir, mas só o faz porque não conhece alguns nomes que rolam por estas terras interioranas. Tem uns nomes que, a meu ver, podem provocar até diabetes! Eu teria!
Ora, já publiquei aqui no blog uma postagem sobre diabetes e alimentação, a razão de voltar ao tema foi trazer receitinhas gostosas. Espero que sejam do agrado daqueles que querem algo doce, e não querem, ou não podem (e com certeza não devem) comer açúcar.
Recebam um doce abraço de Aureo Augusto.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

LAMA E LUZ

O sol está bem preguiçoso estes tempos aqui no Vale, mas quando sai irradia tanta luz que as folhas parecem ornadas de diamantes. O sorriso das pessoas fica mais fácil; as serras rebrilham úmidas, justificando o nome de Chapada Diamantina, não apenas pela riqueza passada, mas também pelo brilho diamantífero das paredes lavadas pela chuva que insiste em ficar e botar o rio e os córregos pra correr.
Uma terça-feira veio o carro da prefeitura me buscar. Ocorre que nas terças atendo comunidades distantes e então a prefeitura, quando o carro próprio da secretaria de saúde está ocupado contrata motorista a buscar-me. Fiquei com pena daquele que veio desta vez. Um senhor com seus sessenta anos. Ele deu bobeira e o carro caiu num rego na beira da estrada. Ficou tão fundo que logo o motor descansou no solo. Caro custou pra tirar o bichinho. Enxada, enxadão, macaco, pedras, foi uma luta. Confesso que adorei aquela movimentação de manhã cedo, quando fiquei (ou melhor, ficamos) coberto de lama obrigando-nos a um banho delicioso. Mas foi um atraso tremendo nas consultas no povoado de Lavrinha. O povo chegou a pensar que eu não iria mais para o atendimento.
Apesar dos percalços, da lama que faz até galinha escorregar, prefiro (e nisso sou acompanhado por muita gente que aqui mora) o tempo de chuva ao tempo de sol. Entre lama e poeira, mil vezes lama. Além disso, os céus ficam feéricos, com suas nuvens multicores, prata e chumbo derretidos escorrendo do plúmbeo céu entre dourados, azuis e verdes. O mundo vira espetáculo teatral.
Recebam um abraço de Aureo Augusto.